Moda e Cidadania: instrumentos de afirmação da mulher – Parte 1/3

A partir do início do século XX, a sociedade vivenciou mudanças que marcariam de vez a vida das mulheres. Conheça um pouco mais sobre os elementos que mais expressam a afirmação da mulher no mundo contemporâneo: a moda e a cidadania.

A Moda e a Cidadania são conceitos que andam lado a lado, e não saíram de voga desde o início do século XX. Afinal, a moda serve não apenas como uma expressão da identidade individual, mas também de grupo, sendo um espelho da sociedade e do seu tempo.

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Protesto de mulheres em 1968 contra o concurso Miss America em Nova Jersey. Fonte: BBC / Getty images.

A moda e a cidadania, espelhos da sociedade

“… a evolução das roupas mostraram ser cruciais na melhoria da qualidade de vida das mulheres e importantes em suas lutas por valorização social...” (BASSANEZI, p. 264)

A moda e a cidadania não são elementos exclusivos de nenhum país. Ou seja, esses são conceitos que afetam as pessoas nos diferentes continentes.

De uma maneira sútil, a moda ilustra os avanços da nossa sociedade ao longo dos séculos. Nesse sentido, ela não apenas serve como “cartão de visita” individual, como também impulsiona a mudança do coletivo.

 

Trabalhadoras em uma fábrica de espatilho chamada Kalamazoo Corset Company, 1912. Crédito: Kalamazoo Public Library. Fonte: Flickr.

 

Mas, o que é a cidadania? Grosso modo, a cidadania diz respeito aos nossos direitos e deveres como membros de um grupo. Ou seja, cidadania é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei.

Entretanto, ainda que isso pareça óbvio, a cidadania não foi de imediato concedida pelo governo. Mais do que isso,  ela não foi garantida a todos os indivíduos de forma igual e sincrônica.

 

A cidadania feminina

 

Em resumo, a cidadania é o “direito de ter direitos”. (PINSKY, introdução). Contudo, há não muito tempo, nem todos tinham os mesmos direitos.

Em outras palavras, muitos direitos eram por lei negados a certos grupos sociais. Dentre eles, o caso das mulheres é singular.

Nesse sentido, a luta pela conquista da cidadania feminina é um dos capítulos cruciais do século XX.

 

Sufragistas na “Exibição das Mulheres”, em 1909 em Londres. Fonte: Stylist.co.uk

  • Saiba tudo sobre As Sufragistas:  grupo que revolucionou o mundo ao alcançar o direito ao voto feminino e foi precursor do movimento feminista.

 

A concessão de direitos

 

O primeiro Código Civil da República, de 1916, concedia às mulheres um lugar de subordinação ao homem no núcleo familiar. Assim, após o casamento as mulheres perdiam a sua capacidade civil plena. A autorização para que ela trabalhasse e cuidasse de suas finanças dependia do marido.

E não apenas para isso. Quem nunca viu uma autorização de viagem da época? Nela o marido declarava (concordar) com o trajeto e data a ser percorrido pela sua mulher, e ele era mandatório para que elas pudessem se deslocar. Pouco a pouco essas limitações foram caindo, fazendo com que a moda  também se adaptasse aos novos ventos.

Desse modo, como definido pelo cientista social T. H. Marshall (Cidadania, classe social e status), a cidadania possui três dimensões básicas:

 

Os Direitos Civis

 

A primeira delas, os Direitos Civis, correspondem à liberdade individual e à igualdade social. Segundo o autor, os direitos civis são aqueles que visam proteger a vida, a igualdade e a liberdade das pessoas que fazem parte de uma sociedade regida por leis.

Em outras palavras, são os direitos civis que nos garantem a igualdade social e proteção em qualquer situação de injustiça com outras pessoas.

 

Os Direitos Políticos

 

Em segundo lugar, os Direitos Políticos. Eles garantem a participação política dos membros de uma comunidade, desde o processo de eleição de representantes, à atuação na vida pública, ou mesmo à realização de leis e referendos.

Ou seja, os direitos políticos “… são aqueles que dizem respeito à participação dos cidadãos no governo de sua sociedade…” (MARSHALL, p.10).

 

Publicidade da OAB em comemoração ao dia de instituição de voto da mulher, em 03 de novembro de 1930. Fonte: OAB Facebook.

 

Os Direitos Sociais

 

Por último, os Direitos Sociais. Ainda que se possam confundir com os direitos civis, os direitos sociais surgem no século XX com o intuito de garantir uma melhor condição de vida às pessoas.

Dessa forma, eles buscam assegurar o acesso, ainda que pequeno, à riqueza e bem-estar coletivos. Com eles, o direito por uma educação de qualidade, à saúde, à cultural e a um trabalho digno passaram a ser reconhecidos como direitos básicos.

Os direitos sociais “… podem ser considerados um desdobramento dos próprios direitos civis, na medida em que garantem a vida, a liberdade e a dignidade moral dos cidadãos que pactuam politicamente” .(MARSHALL, p.15)

 

A moda e a cidadania lado a lado

 

Afinal, o que esse tema tem a ver com a moda? A moda e a cidadania não podem ser dissociadas uma da outra, por conseguinte, nem esta última dos direitos individuais.

O autor Dalmo Dallari defendeu que a ausência de cidadania marginaliza ou mesmo exclui o indivíduo da vida social (p. 14). Dessa forma, aqueles deixados de lado no sistema têm menos possibilidades de expressar a sua identidade e liberdade, o que afetaria inclusive o seu estilo.

 

Protesto de mulheres em 1968 contra o concurso Miss America em Nova Jersey, onde se lê “Vamos nos julgar como pessoas” e “Pode a maquiagem disfarças as feridas da opressão?”. Fonte: BBC / Getty images.

 

A moda e a cidadania no Brasil

 

No Brasil, um país muito desigual, todavia há quem seja tido como “mais cidadão” que outros – ou mesmo aqueles que nem o sejam.

Para ser de fato um cidadão, o indivíduo deve ser multidimensional. Ou seja, deve ser abrigado pelos vários direitos descritos, não estando fora do sistema.

 

Eva Todor (1919-2017) na passeata dos 100 mil em 1968. Fonte: UGT.

 

Nesse sentido, cada um dos direitos deve articular-se com os demais, servindo à melhoria social.

Com isso, a busca pela cidadania faz parte da história de uma pessoa ou grupo. Ou seja, ela surge para reconhecer o papel individual das pessoas sem perder de vista o coletivo.

 

Moda e Cidadania, fenômenos históricos

 

Em sua obra “História da Cidadania”, Jaime Pinsky definiu a cidadania como um conceito histórico. Como tal, ele variou a depender do tempo e do espaço, não sendo nem rígido ou uniforme.

Em outras palavras, na visão do autor, a cidadania esteve, está, e sempre estará ligada ao contexto histórico e social vigente.

 

Póster do movimento sufragista. Fonte: Schlesinger Library.

 

“Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que seu sentido varia no tempo e no espaço.”  (PINSKY, Introdução).

 

Sendo reflexos de cada época, a moda e a cidadania são fenômenos que captam as mudanças de uma sociedade. Ou seja, são como um espelho da história.

Dessa maneira, a moda e a cidadania variam,  dependendo da sociedade não apenas para que sejam construídos como também consolidados.

 

“Manifestação da vida sob todas as suas formas, maneira de ser e de se comportar, a moda constitui de fato um observatório privilegiado do ambiente político,econômico e cultural de uma época”. (VEILLON, p. 07)

 

A moda e a cidadania no século XX

 

No início do século XX, a luta pela cidadania feminina ganhou cada vez mais força. Todavia, ela ainda estava envolta em uma série de obstáculos.

À época, as mulheres brasileiras não tinham direito ao voto. As operárias cumpriam jornadas de trabalho dobradas, que poderiam chegar até dezesseis horas ao dia. Além disso, era comum que sofressem o assédio sexual por parte dos seus patrões.

 

Bertha Lutz representando o Brasil na assinatura da Carta da ONU, em 1945. Fonte: Arquivo ONU.

 

Havia então uma ideia muito clara do que era ser uma boa mulher, imagem que era reforçada pela moda.

As moças de classe média e alta se viam presas pela ideia de seguir um padrão e ter um “bom casamento”. Assim, as mulheres não tinham a liberdade de escolher o próprio caminho – nem as de melhores condições.

“Faça da roupa uma linguagem que reflete as mudanças que se passa na vida”. Fernando Lisboa, jornalista, em “O homem casual: a roupa do novo século”.

A passagem das décadas e a emancipação das mulheres

 

Bom, as mulheres passaram muitos problemas para conseguir de fato um lugar na sociedade. Contudo, o decorrer do século XX veio com muitas conquistas.

Essa foi uma mudança gradual e lenta, mas já sem volta.

 

Manifestação de mulheres em São Paulo em 2018. Fonte: falauniversidades.

 

Deixando para trás um contexto no qual as mulheres que trabalhassem fora de casa eram chamadas de desonestas,  a cidadania feminina foi sendo pouco a pouco forjada.

A princípio as mulheres eram privadas dos seus direitos civis, políticos e sociais. Um contexto no qual não podiam exercer a sua cidadania, e cujas restrições transpareciam também na moda do período.

Com tantas mudanças na moda e cidadania, não foi por menos que o século XX foi o “século das mulheres”. A moda dessa época trouxe os seus anseios mais íntimos, servindo para consolidar de vez uma nova era.

 

Por Simone Cruz.

Editado e revisado por Mariana Boscariol.

 

Para saber mais sobre essa história, leia também:

*Artigo originalmente publicado em  2010.

Imagem do site  Globo.com.

Dener Pamplona no início da década de 60. A seguir, leia Dener Pamplona de Abreu: vida e obra do pioneiro da moda brasileira – Biografias.

Com estilo e elegância, Coco Chanel  lançou o estilo da mulher moderna.

Mariana Boscariol: Mariana Boscariol é uma historiadora especialista no período moderno. Sua experiência profissional e pessoal é em essência internacional, incluindo passagens por Portugal, Espanha, Itália, Japão e o Reino Unido. Sendo por natureza inquieta e curiosa, é também atleta, motoqueira e aventureira nas horas vagas – e sempre leva um livro na bolsa!
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