A Moda e a Cidadania são conceitos que andam lado a lado, e não saíram de voga desde o início do século XX. Afinal, a moda serve não apenas como uma expressão da identidade individual, mas também de grupo, sendo um espelho da sociedade e do seu tempo.
A moda e a cidadania, espelhos da sociedade
“… a evolução das roupas mostraram ser cruciais na melhoria da qualidade de vida das mulheres e importantes em suas lutas por valorização social...” (BASSANEZI, p. 264)
A moda e a cidadania não são elementos exclusivos de nenhum país. Ou seja, esses são conceitos que afetam as pessoas nos diferentes continentes.
De uma maneira sútil, a moda ilustra os avanços da nossa sociedade ao longo dos séculos. Nesse sentido, ela não apenas serve como “cartão de visita” individual, como também impulsiona a mudança do coletivo.
Mas, o que é a cidadania? Grosso modo, a cidadania diz respeito aos nossos direitos e deveres como membros de um grupo. Ou seja, cidadania é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei.
Entretanto, ainda que isso pareça óbvio, a cidadania não foi de imediato concedida pelo governo. Mais do que isso, ela não foi garantida a todos os indivíduos de forma igual e sincrônica.
A cidadania feminina
Em resumo, a cidadania é o “direito de ter direitos”. (PINSKY, introdução). Contudo, há não muito tempo, nem todos tinham os mesmos direitos.
Em outras palavras, muitos direitos eram por lei negados a certos grupos sociais. Dentre eles, o caso das mulheres é singular.
Nesse sentido, a luta pela conquista da cidadania feminina é um dos capítulos cruciais do século XX.
- Saiba tudo sobre As Sufragistas: grupo que revolucionou o mundo ao alcançar o direito ao voto feminino e foi precursor do movimento feminista.
A concessão de direitos
O primeiro Código Civil da República, de 1916, concedia às mulheres um lugar de subordinação ao homem no núcleo familiar. Assim, após o casamento as mulheres perdiam a sua capacidade civil plena. A autorização para que ela trabalhasse e cuidasse de suas finanças dependia do marido.
E não apenas para isso. Quem nunca viu uma autorização de viagem da época? Nela o marido declarava (concordar) com o trajeto e data a ser percorrido pela sua mulher, e ele era mandatório para que elas pudessem se deslocar. Pouco a pouco essas limitações foram caindo, fazendo com que a moda também se adaptasse aos novos ventos.
Desse modo, como definido pelo cientista social T. H. Marshall (Cidadania, classe social e status), a cidadania possui três dimensões básicas:
Os Direitos Civis
A primeira delas, os Direitos Civis, correspondem à liberdade individual e à igualdade social. Segundo o autor, os direitos civis são aqueles que visam proteger a vida, a igualdade e a liberdade das pessoas que fazem parte de uma sociedade regida por leis.
Em outras palavras, são os direitos civis que nos garantem a igualdade social e proteção em qualquer situação de injustiça com outras pessoas.
Os Direitos Políticos
Em segundo lugar, os Direitos Políticos. Eles garantem a participação política dos membros de uma comunidade, desde o processo de eleição de representantes, à atuação na vida pública, ou mesmo à realização de leis e referendos.
Ou seja, os direitos políticos “… são aqueles que dizem respeito à participação dos cidadãos no governo de sua sociedade…” (MARSHALL, p.10).
Os Direitos Sociais
Por último, os Direitos Sociais. Ainda que se possam confundir com os direitos civis, os direitos sociais surgem no século XX com o intuito de garantir uma melhor condição de vida às pessoas.
Dessa forma, eles buscam assegurar o acesso, ainda que pequeno, à riqueza e bem-estar coletivos. Com eles, o direito por uma educação de qualidade, à saúde, à cultural e a um trabalho digno passaram a ser reconhecidos como direitos básicos.
Os direitos sociais “… podem ser considerados um desdobramento dos próprios direitos civis, na medida em que garantem a vida, a liberdade e a dignidade moral dos cidadãos que pactuam politicamente” .(MARSHALL, p.15)
A moda e a cidadania lado a lado
Afinal, o que esse tema tem a ver com a moda? A moda e a cidadania não podem ser dissociadas uma da outra, por conseguinte, nem esta última dos direitos individuais.
O autor Dalmo Dallari defendeu que a ausência de cidadania marginaliza ou mesmo exclui o indivíduo da vida social (p. 14). Dessa forma, aqueles deixados de lado no sistema têm menos possibilidades de expressar a sua identidade e liberdade, o que afetaria inclusive o seu estilo.
A moda e a cidadania no Brasil
No Brasil, um país muito desigual, todavia há quem seja tido como “mais cidadão” que outros – ou mesmo aqueles que nem o sejam.
Para ser de fato um cidadão, o indivíduo deve ser multidimensional. Ou seja, deve ser abrigado pelos vários direitos descritos, não estando fora do sistema.
Nesse sentido, cada um dos direitos deve articular-se com os demais, servindo à melhoria social.
Com isso, a busca pela cidadania faz parte da história de uma pessoa ou grupo. Ou seja, ela surge para reconhecer o papel individual das pessoas sem perder de vista o coletivo.
Moda e Cidadania, fenômenos históricos
Em sua obra “História da Cidadania”, Jaime Pinsky definiu a cidadania como um conceito histórico. Como tal, ele variou a depender do tempo e do espaço, não sendo nem rígido ou uniforme.
Em outras palavras, na visão do autor, a cidadania esteve, está, e sempre estará ligada ao contexto histórico e social vigente.
“Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que seu sentido varia no tempo e no espaço.” (PINSKY, Introdução).
Sendo reflexos de cada época, a moda e a cidadania são fenômenos que captam as mudanças de uma sociedade. Ou seja, são como um espelho da história.
Dessa maneira, a moda e a cidadania variam, dependendo da sociedade não apenas para que sejam construídos como também consolidados.
“Manifestação da vida sob todas as suas formas, maneira de ser e de se comportar, a moda constitui de fato um observatório privilegiado do ambiente político,econômico e cultural de uma época”. (VEILLON, p. 07)
A moda e a cidadania no século XX
No início do século XX, a luta pela cidadania feminina ganhou cada vez mais força. Todavia, ela ainda estava envolta em uma série de obstáculos.
À época, as mulheres brasileiras não tinham direito ao voto. As operárias cumpriam jornadas de trabalho dobradas, que poderiam chegar até dezesseis horas ao dia. Além disso, era comum que sofressem o assédio sexual por parte dos seus patrões.
Havia então uma ideia muito clara do que era ser uma boa mulher, imagem que era reforçada pela moda.
As moças de classe média e alta se viam presas pela ideia de seguir um padrão e ter um “bom casamento”. Assim, as mulheres não tinham a liberdade de escolher o próprio caminho – nem as de melhores condições.
“Faça da roupa uma linguagem que reflete as mudanças que se passa na vida”. Fernando Lisboa, jornalista, em “O homem casual: a roupa do novo século”.
A passagem das décadas e a emancipação das mulheres
Bom, as mulheres passaram muitos problemas para conseguir de fato um lugar na sociedade. Contudo, o decorrer do século XX veio com muitas conquistas.
Essa foi uma mudança gradual e lenta, mas já sem volta.
Deixando para trás um contexto no qual as mulheres que trabalhassem fora de casa eram chamadas de desonestas, a cidadania feminina foi sendo pouco a pouco forjada.
A princípio as mulheres eram privadas dos seus direitos civis, políticos e sociais. Um contexto no qual não podiam exercer a sua cidadania, e cujas restrições transpareciam também na moda do período.
Com tantas mudanças na moda e cidadania, não foi por menos que o século XX foi o “século das mulheres”. A moda dessa época trouxe os seus anseios mais íntimos, servindo para consolidar de vez uma nova era.
Por Simone Cruz.
Editado e revisado por Mariana Boscariol.
Para saber mais sobre essa história, leia também:
- Moda e cidadania nos anos 20 e 30: a emancipação feminina – Parte 2/3.
- Moda e cidadania nos anos 40 e 50: a emancipação feminina – Parte 3/3
*Artigo originalmente publicado em 2010.
Imagem do site Globo.com.
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