SPFW retoma em formato híbrido com desfiles presenciais e online; confira os highlights da edição
Veja quais foram as marcas que se destacaram na SPFW e uma análise completa de suas coleções na edição de 2022
Após dois anos com edições online, por conta da pandemia, a SPFW – São Paulo Fashion Week, um dos maiores eventos de moda da América Latina, retomou suas atividades presenciais. Nessa edição, a N53, sob o tema “In.Pactos”, a fashion week apresentou um lineup híbrido, com desfiles digitais e físicos – estes divididos em duas locações diferentes na cidade de São Paulo.
Os desfiles da noite aconteceram no Komplexo Tempo, na Mooca, dentro de uma atmosfera disruptiva e industrial – seguindo o mood proposto pela edição. Enquanto isso, os desfiles da tarde foram concentrados no SENAC Lapa, uma das instituições que oferecem curso de Design de Moda em São Paulo. Essa foi uma escolha assertiva, principalmente por oportunizar a aproximação do ambiente de formação profissional e os novos profissionais do mercado da vivência prática do segmento.
Ao todo, em cinco dias, foram mais de 50 desfiles apresentados. A seguir, você confere alguns dos destaques que passaram pela passarela da SPFW nesta edição.
Quais foram os destaques do SPFW?
Igor Dadona
Após dois desfiles virtuais mostrados durante o período mais grave da pandemia, Igor Dadona estreou na versão presencial completando sua narrativa desse período de reclusão, vivido em nível pessoal e global, com a coleção BRONTE (trovão, em grego). Para suas novas criações, ele fez um mergulho nas profundezas dos mares para traduzir as angústias de dois anos de pandemia.
A inspiração nas águas é uma retomada, de forma mais vibrante e em forma de mergulhadores. Assim surge mergulhadores e alusões a figuras aquáticas, que surgem das profundezas a superfície, do dramático ao colorido, da alfaiataria a desconstrução. A make escolhida ajudou a traduzir essa narrativa, com um mood desconstruído, veio com o frescor de indivíduos que acabaram de emergir de um mergulho.
As peças apresentadas carregam bagagens e “acumulam” objetos. As sobras de tecidos na sua produção foram agregadas às modelagens de cada roupa, como nossas experiências, resultando num trabalho repleto de detalhes na sua construção, processo que aponta para o futuro da marca. Os looks da coleção são híbridos, característica já marcante na trajetória de Igor Dadona, e trazem as cabeças de Davi Ramos, que assina com Flávia Pommianosky o styling da apresentação.
O fundo do mar e seus mistérios são traduzidos ainda no uso de tecidos que vão desde os reluzentes cetins bucol, sarja acetinada, seda à tricoline e o moletom, num aprimoramento de seu trabalho de alfaiataria. O material ajuda a criar shapes que são fluídos nos tops e justos e retos nas calças.
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Misci
Outro dos grandes destaques da SPFW foi a Misci.
Depois de termos os significados dos nossos símbolos nacionais esvaziados politicamente nos últimos anos, a Misci se propôs a levar para a passarela um orgulho quase que ufanista na coleção “Eva: Mátria Brasil”, um resgate da importância da mãe Brasileira.
Na coleção há uma ode à figura feminina. Os pilares patriarcais brasileiros são colocados de lado para enaltecer a importância da mulher, da mãe, brasileira. Isso é feito a partir de um resgate dos nossos símbolos nacionais; as cores da bandeira, as artesanais e a cartela terrosa.
Detalhes como o mapa do Brasil e aplicação de chupetas bordadas conduzem para a narrativa pensada pelo estilista Airon Martin. A cartela de cores se completa com tons de vermelho, mais uma lembrança a força feminina. E claro, como cereja do bolo, as bags que viraram item de desejo dos fashionistas pontuando o styling.
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A Misci é um retrato interessante de uma nova geração da moda brasileira, que consegue articular um trabalho sofisticado, bem construído com uma narrativa e um discurso político sólido.
A seguir, confira a galeria completa de fotos do desfile:
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Destaques da SPFW – Martins
Em contrapartida, Tom Martins levou o cinema para a passarela em um match entre o colorido e o oversized, entre o agênero e ultra feminino, entre estampa e total black. Para sua coleção, o estilista foi buscar referências em quatro filmes: O mágico de OZ; Beetlejuice, Pânico e Kill Bill.
O resultado foi uma coleção com uma releitura pop, divertida e vibrante com uma cartela de cores com azul, verde, roxo, pontuada de preto e branco. Para brincar entre os shapes, Tom usou materiais como linho, seda, tricoline, viscose e sarja, que dividiram a cena com plumas, paetês e bordados de pedrarias.
Confira a seguir a galeria de fotos completa do desfile:
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João Pimenta
João Pimenta é um estilista da alfaiataria. Possui uma modelagem absurdamente impecável, vanguardista e inventiva. Ele faz dos cortes e das construções das peças algo totalmente à frente do tempo. A alta complexidade da alfaiataria masculina nas suas mãos, se descomplica e ultrapassa a barreira do gênero. Suas apresentações são sempre uma aula de semiótica à parte.
Em um desfile de roupas e casting 100% pretos no SPFW, João Pimenta levou um cortejo fúnebre para a passarela da 53ª edição da SPFW em uma coleção inspirada no poema “A Flor e a Náusea”, de Carlos Drummond de Andrade. Os shapes partem de silhuetas amplas, abalonadas, comuns ao final do século XIX, período que o romantismo imperou na indumentária.
A ideia de um casting composto 100% por homens negros é um chamado estético para a narrativa inspirada no poema. Kledir Salgado, responsável pelo casting, explicou que a ideia era montar um casting manifesto: corpos pretos surgem vestidos com os tecidos mais nobres, modelagens precisas e acabamentos sofisticados.
Confira a seguir a galeria completa do desfile:
Weider Silveiro
O piauiense Weider Silveiro foi buscar inspiração em Madame Grès para apresentar na passarela uma mulher mais comercial.
Segundo ele, é uma estratégia mais mercadológica que vem sendo assumida nos últimos tempos pela marca.
Mesmo com uma imagem mais clean, mas não menos poderosa, Wider não deixa de lado a silhueta forte e sexy, descontruindo e apresentando um novo ultrafeminino.
Na coleção, Weider vai buscar essa feminilidade na mulher grega. Daí, surgem plissados em malha, os fluídos e os drapeados – as apostas da coleção. O estilista também pontua a coleção com um bloco todo em paête e na alfaiataria em malha.
O jogo de proporções e volumes leva a coleção a passear por vários shapes diferentes, do mais ajustado ao oversized. Além do plissado em malha e do paetê, Weider também aposta no veludo como material propondo mixes de texturas.
Destaques do SPFW – AZMARIAS
AZ Marias levou para a passarela, na coleção “O futuro é ancestral”, uma reflexão que traça um paralelo entre ancestralidade e futuro. Qual o futuro da moda? E como ele se relaciona com as nossas raízes? O futuro na moda para a marca envolve questões políticas, coloca o corpo negro como protagonista e resgata a nossa ancestralidade para lançar o olhar para o futuro.
A pegada urbana e desconstruída é proposital. Falar de futuro é falar de afrofuturismo. Nesse processo de abraçar e celebrar o passado africano e negro, o afrofuturismo contribui na construção de um presente plural, que leva a um futuro ainda mais próspero. A sustentabilidade também foi apontada como possibilidade de futuro/presente no uso de matérias primas fruto de descarte para a confecção das peças.
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Mais sobre o desfile da AZ Marias
Quem abriu o desfile da marca foi a modelo Hadama Ndjai, uma escolha significativa para a coleção e o tema. Com raízes da Guiné Bissau, Hadama é filha de uma brasileira com o falecido Cônsul, Tcherno Ndjai, que dedicou sua vida à missão diplomática no Brasil. Herdou do pai os olhos marcantes e traços africanos que transcendem sua ancestralidade.
Nos bastidores ela contou acreditar na moda também como potência política e que é importante abraçar a moda que se acredita.
“Foi na verdade a realização de dois sonhos, estar na SPFW e abrindo um desfile de tanta representatividade. Não é fácil chegar nesse lugar. Fiquei muito feliz quando a Cíntia Félix me escolheu para abrir o desfile dela, da sua marca Az Marias, que teve um significado muito grande para mim. Sempre tentei me enquadrar em um padrão que não era meu, tentando ser magra, ficando até doente por isso. Ter o meu corpo visto da forma como ele é hoje, sendo uma mulher preta e gorda foi muito significativo”, ressaltou Hadama.
Sobre o autor
Yuri Ribeiro é jornalista, produtor de moda e gestor de conteúdo digital. Escreve sobre cultura e moda desde 2010, cobrindo os principais eventos de moda do país. Já assinou a coluna Com Estilo do Jornal ODIA, no Piauí, por oito anos. Atualmente escreve de forma independente e colaborativa.