O Coronavírus e as políticas de contenção destinadas a controlá-lo mudaram a forma como trabalhamos e o que consumimos. A história mostra que essas mudanças nem sempre são temporárias – as crises podem remodelar fundamentalmente nossas crenças e comportamentos.
Como, então, as empresas vão se preparar para um mundo pós-crise? Para muitos, o cenário só acelera tendências como a desglobalização e a localidade (movimento que incentiva a valorização dos produtos locais).
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O que muda com a pandemia?
À medida que os bloqueios obrigam as pessoas a trabalhar, comprar, estudar e se divertir em casa, o tráfego da Internet disparou de 50 a 70% nos países desenvolvidos – criando novos hábitos que, em graus variados, podem durar mais que a pandemia.
Portanto, talvez, a grande diferença agora para outras situações semelhantes, é que a maioria dos dedos estão apontados para a China. Mas à medida que a China se cura e toda a Europa e os EUA são nocauteados, mais e mais pessoas estão culpando a globalização – um sistema de décadas que, em geral, criou o gigante da China e tornou a maioria das economias avançadas dependentes dela para praticamente tudo: desde insumos farmacológicos para máscaras cirúrgicas e remédios até a base da revolução tecnológica com seus aparelhos eletrônicos.
De qualquer forma, o fechamento das fábricas e as suspensões de produção já estão interrompendo as cadeias de suprimentos globais. Os produtores estão tomando medidas para reduzir sua exposição a vulnerabilidades de longa distância.
Até agora, pelo menos, os comentaristas financeiros concentraram-se nos cálculos de custos para setores específicos: montadoras preocupadas com a falta de peças; fabricantes de tecidos privados de tecido; varejistas de artigos de luxo famintos de clientes; e o setor de turismo, onde os navios de cruzeiro, em particular, se tornaram focos de contágio.
As empresas estão reavaliando o papel da China nas cadeias de suprimentos globais e, quando esse vírus se esgotar, muitos deles terão começado a planejar realocar pelo menos parte de sua produção em outros lugares. A desglobalização está se acelerando.
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Processo de desglobalização
A globalização tinha tudo a ver com preço e eficiência de fabricação, independentemente do local, e suas dependências mútuas deveriam garantir sua estabilidade.
As economias dos EUA, Brasil e da China estavam unidas pelas cadeias de suprimentos em que ambos dependiam. Mas acontece que esse lugar é muito importante – para empresas individuais, indústrias inteiras e para a economia global. A epidemia que começou em Wuhan bloqueou as principais artérias do comércio internacional. Agora a economia global está tendo uma convulsão.
O termo “desglobalização” se refere à nacionalização total ou parcial das etapas de fabricação de um determinado produto, o que deve ganhar força no universo pós-pandemia, é o que sugere Denise Pitta, editora do Fashion Bubbles:
“Nesse sentido, haverá uma tendência de valorização da produção interna. ‘Fabricado no Brasil’ se transformará em uma espécie de bandeira, que evoca valores locais, como uma forma de remédio amargo para o processo de desindustrialização enfrentado pelo país nos últimos anos, como aconteceu com a indústria do sapato e da moda brasileira.”
Muitas empresas perceberão que terão de diversificar a localização da produção e criar estratégias e planos de negócios que a longo prazo, visem maior independência de produtos externos, diz a pesquisadora.
O mercado está pronto para a desglobalização?
O primeiro ponto para esta reflexão é entender, porque as empresas se tornaram globalizadas.
Isso porque as cadeias de suprimentos globais permitiram às empresas obter uma vantagem competitiva ao selecionar a solução mais econômica em cada estágio do processo de produção, independente da localização no mapa mundial.
Lembrando que entre os riscos associados à desglobalização, esta o aumento dos custos e redução de ganhos em eficiência dos serviços globais compartilhados, além de afetar os três pilares principais das corporações globais: tecnologia, recrutamento global e função financeira.
Mas independente das questões acima, para investir novamente na industrialização, um setor tem um longo caminho a ser percorrido tendo que fortalecer justamente esses 3 pilares, o que levará tempo e investimento.
Até lá, equilíbrio e a tendência do ambas as coisas, pode ser uma alternativa.
Menos consumo, mais consciência
Muitos prognósticos recentes têm previsto que a crise do coronavírus levará os consumidores da moda a reavaliar seus valores e desviar seus gastos da moda rápida, e das megas brands de luxo voltadas para o marketing em direção à qualidade, sustentabilidade e sobriedade geral. Par tanto, vamos consumir menos e consumir com mais consciência e responsabilidade, é o que dizem.
Contudo, a verdade é que, em tempos de crise, os consumidores voltam a priorizar suas necessidades. O consumo de moda é amplamente impulsionado pela necessidade fundamental de símbolos para projetar posição social: eu sou legal; Eu cheguei; Eu tenho isso e você não – e os gigantes da indústria se tornaram incrivelmente hábeis em atender a essas necessidades.
Portanto, as pessoas rotineiramente consomem a moda como um deleite quando se sentem bem, elas também procuram comprar quando se sentem mal. Tudo isso acontece há décadas, então por que deveria mudar após essa pandemia?
Vamos primeiro considerar como as atitudes e os comportamentos são moldados por uma profunda crise social. As principais perturbações podem causar mudanças fundamentais nas atitudes e crenças sociais, que abrem caminho para novas políticas, formas de trabalho e necessidades e comportamentos dos consumidores, alguns dos quais persistem a longo prazo.
Denise Pitta, lembra ainda, de uma importante macrotendência: o mundo das ambas as coisas: quando se fala de mudanças promovidas pela tecnologia e mudanças de comportamento, pensamos que a antiga forma deixará de existir. Mas não é assim que funciona, muitas vezes, elas passam a coexistir alcançando um equilíbrio saudável, como explica o livro O Futuro Como Um Bom Negócio.
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Altruísmo e cidadania
Nas últimas semanas, marcas e grupos de luxo multiplicaram iniciativas para participar do combate à pandemia, fabricando máscaras e realizando doações financeiras.
Embora algumas posturas possam ser criticadas, essas ações denotam resiliência, mostrando que a indústria da moda pode adaptar seu lado ‘fútil’ e mercantil a uma causa maior, se consolidando como um agente transformador na vida das pessoas, tendência que ganhará ainda mais força no pós-pandemia. Esse espírito altruísta ecoa o despertar dos cidadãos e toda a sua solidariedade, que mesmo que à distância, tende a se consolidar.
O estilista mineiro Ronaldo Silvestre já vem trazendo esta base para seu trabalho, transformando refugo de jeans que seria descartado e tecidos que estavam abandonados em estoque em belíssimas peças, feitas pelo Instituto III que tem por objetivo transformar vidas através da costura. Confira abaixo entrevista de Ronaldo:
Novos comportamentos na era da desglobalização
Ao final desta crise, especula-se que os indivíduos recuperarão o poder com novos valores, mais compartilhamento, mais atenção um ao outro e ao meio ambiente. E, claro, uma nova cultura de máscaras. Nunca antes a aparência pós-apocalipse do designer francês Marine Serre esteve tão em voga.
Consumo local
As compras locais devem fazer mais parte da vida do consumidor, mas com um detalhe: consumo de marcas que possuem convicções, compromissos, solidariedade e compartilhamento. Não basta ser Made in Brasil, tem que haver valores reais por trás disso. Contudo, haverá pessoas sacrificadas porque é uma crise desigual.
Outro case com foco na localidade é o trabalho do estilista Ivanildo Nunes, que transforma rendas artesanais, com técnicas complexas que estavam fadados ao esquecimento, em maravilhosos vestidos de festa. O trabalho é tão especial que vem tendo reconhecimento internacional com direito a diplomação em Paris: Ivanildo Nunes – Luxo e exclusividade na moda festa brasileira, é homenageado em Paris
Exemplos históricos
A Peste Negra, que matou de 25 a 30 milhões de pessoas na Europa no século XIV, é creditada por alguns historiadores por acabar com o feudalismo e a servidão e inaugurar o Iluminismo, transferindo o poder para recursos trabalhistas cada vez mais escassos. Podemos dizer, sem exagero, que a praga moldou o caminho da história europeia.
Considere também o impacto da Primeira e Segunda Guerra Mundial na participação das mulheres na força de trabalho. Com uma grande parte da população em idade ativa estava na guerra, as mulheres foram incentivadas a preencher empregos em setores, antes impensados para uma mulher. Após a guerra, os efeitos dessas mudanças persistiram, impulsionando a participação feminina na força de trabalho.
As crises sociais também podem ter efeitos duradouros nos padrões de consumo. O surto de SARS em 2003 na China, por exemplo, mudou as atitudes em relação às compras: como muitas pessoas tinham medo de sair, elas se voltaram para o varejo on-line.
Embora a crise tenha durado pouco, muitos consumidores continuaram a usar os canais de comércio eletrônico posteriormente, abrindo caminho para a ascensão do Alibaba e de outros gigantes digitais.
Cenário atual com o Covid-19
Enquanto alguns falam sobre mudar, resolver e limitar o consumo, muitos creem na mudança e evolução. Filósofos e futurologistas concordam com essa visão: o fechamento quase total da economia deixará sua marca no modo como consumimos. Se as mudanças para um consumo mais responsável já existiam, esses comportamentos serão multiplicados por 100.
De modo geral, a tendência é de que as pessoas saiam desse período mais fortes, mais sábias e mais conectadas como uma sociedade global, mas de uma maneira mais saudável, levando em conta em suas decisões não apenas o aspecto financeiro, mas toda a rede de consequências interligadas as sua escolhas, reflete nossa editora, Denise Pitta.
A resiliência estará na vanguarda de todas as estratégias, mas é a agilidade que garantirá a competitividade e a capacidade de responder ao inesperado. Para conseguir isso, as empresas terão que reavaliar onde devem ser fortes e onde devem ser flexíveis.
Com informações do New York Times, Forbes e BCG Institute.
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