Tribos Urbanas Americanas – Zoot-suit / Parte 1

Pré-Guerreiros do Século XX

Curiosamente, os movimentos de moda jovem do século XX estão, na sua maioria, associados ao conceito de sobrevivência que precede os momentos de guerra ou de grande recessão econômica onde o gozo do prazer fica limitado. Este talvez seja o motivo pelo qual, todos tenham seu maior significado no traje masculino, mostrando um desejo do jovem em não assumir sua responsabilidade jurídica e civil de guerreiro e a responsabilidade social de provedor em época de penúria.

Tal condição talvez seja a responsável por uma estética de tribos urbanas amplamente hedonista e erótica que procura parcerias para relações efêmeras, onde o vínculo matrimonial não tem chance de acontecer pela impossibilidade de estes jovens machos assumir a função provedora que a sociedade lhes delega.

As modas femininas, que acompanham estes movimentos de estilo, aparecem com fortes traços andróginos, e carregadas da mesma efemeridade que as masculinas. Pouco eróticas, as garotas são apenas parceiras e solidárias da visão de mundo que os rapazes apregoam. Também não veêm no casamento uma solução para seus destinos e não pensam na relação homem /mulher como projeto a longo prazo, querem apenas “ficar”, experimentado parcerias e vivenciando experiências até que a idade adulta chegue e possam então se envolver com o mundo do trabalho, em geral, nas áreas de criação ou com atividades artísticas. Grande parte dessa juventude está envolvida com o mundo da moda, do espetáculo, das áreas de produção de imagem e comunicação.

Dentre as principais Tribos Urbanas Americanas estão Zoot-Suiters, Beatniks–Existencialistas e Hippies.

ZOOT-SUIT

Essa tribo é caracterizada pelos negros dândis norte-americanos.


No final de 1938, um estilo de indumentária espetacular nasceu nos clubes de jazz de Nova York, na rua 52, Swing Street de Manhattan e no lendário Savoy Ballroom do Harlem, lugar de exibição dos dândis e “posudos negros da Grande Maçã”. O estilo era exclusivamente masculino.

O casaco gigantesco dois ou três números acima do tamanho normal cobria o corpo até o joelho. Na maioria das vezes era cruzado, feito de preferência de cor clara ou de xadrez escocês com grandes quadrados e, enfeitado com uma profusão de pregas e de martingales.

Os bolsos eram grandes o suficiente para conter um bom estoque de bolas de golfe e os ombros eram realçados com imensas ombreiras, dando ao casaco um aspecto geométrico apertado na cintura.

As calças pretas ou combinando com o casaco não ficavam atrás na extravagância; subiam até o peito presas por dois suspensórios, eram apertadas no abdome, alargavam-se nos quadris, pendiam nas entrepernas, caiam abrindo-se sobre o joelho e estreitavam novamente moldando nos tornozelos barras largas e viradas, que caíam sobre dois frágeis escarpins de couro macio amarelo canário ou bege.

No bolso usavam um lenço vermelho-papoula ou verde-maçã, com uma enorme flor na lapela. Preso no passante da calça uma corrente de mais ou menos um metro e meio da qual pendia um relógio pouco consultado.

Sobre tudo isso, uma gravata estampada, pintada à mão, conhecida como esquenta pança em razão de seu formato, ou, como ovos mexidos pelo aspecto das estampas. O toque de humor estava no chapéu claro, de abas largas e pendentes, estilo Texas ou então um minúsculo chapelete de couro fervido todo amarrotado. O traje dava um aspecto cafetão ou de gângster.

Inicialmente zoot-suit era apenas o totem desencadeado por uma onda musical: o pump ou jive; uma espécie de swing super rápido que empelia a vontade de fazer os “birds” (as moças) e os “cats”(os rapazes) a dançar até a madrugada e até o desmaio. Um ritmo urbano e singular que hoje é visto com o antepassado negro do rock and roll branco de 1950.

Negros ou brancos faziam questão de falar entre si o “hip” ou o “hep-talk” (a língua livre ou fácil), a gíria das ruas, dos guetos, com fraseado sincopado. Tão rápida era a fala que as palavras se pegavam no ar e se completavam. Sempre recheada de alusões de duplo sentido sobre sexo e drogas e, por essa razão radicalmente hermético ao “gringo”, “stright”, normal e careta.

Esse estilo vivia mais do excesso que da originalidade ou marginalidade. Sua palavra chave era o exagero. Casacos flutuantes e compridos, calças bufantes por todos os lados, tudo era desmedido, super dimensionado, um amontoado desordenado de tecidos que se dissolvia numa não-forma. O próprio termo é exemplar: “zoot” é uma deformação da palavra “suit”, cada elemento era exagerado, maximizado.

As funções do traje eram garantidas por duplos ou triplos exemplares. Quanto às cores, as mais vistosas. Era como se fosse preciso consumir o máximo de tecido e de material para exibir-se com ostentação a inutilidade visível da indumentária. A despesa era considerada uma finalidade em si; pelo prazer.
A estética era mais importante que a noção de utilidade, desmentindo a moral utilitária considerada ranço. Sobre os “Zoots” Bollon (1993: 30) comenta:

“Espremidos por uma crise econômica que tinham acabado de sair, a de 29 e por uma guerra na qual pressentiam que teriam de entrar, seu traje era o canto do cisne de uma época truncada, ameaçada de todos os lados. Era a última inocência possível de uma era ameaçada de todos os lados,…de uma época que já se transformava. Naquele espaço inconfortável, o zoot-suit se anunciava como uma declaração de otimismo e de vida: rejeitava por antecipação os constrangimentos pronunciados. ”

Queria existir apenas por sua vontade, seu desejo de ser. Se dizia também mais “verdadeiro” e “autêntico” do que o mundo que o cercava, pois estava mais perto dos mais profundos impulsos fundamentais. Um hedonismo sem limite – ou melhor, que só teria os limites designados pelos desejos dos outros. Era preciso beber, dançar, seduzir, exibir-se, empolgar-se e atordoar-se antes que a Noite caísse sobre aquele mundo em suspenso, e mundo só existia um: o presente era o único horizonte, o único futuro, que era preciso aproveitar antes que ele tornasse passado.

O zoot-suit encontrava sua razão de ser na ausência da razão, desenhavam o marco de um universo livre de obrigações materiais onde tudo era prazer e jogo libertino.

Curiosamente, no início de 1941, uma medida governamental tentou impedir a difusão deste traje. O Americam War Productions Board, encarregado de coordenar as indústrias civis, prevendo o estado de guerra então considerado inevitável, introduziu normas muito precisas quanto à produção e ao corte de roupas.

Era preciso economizar tecido e racionalizar os processos a fim de se produzir mais e por menor custo. A produção dos trajes civis foi reduzida em 25%. Com uma silhueta padrão, uma espécie de traje nacional, deviam ser mais estreitos, os ombros no lugar, curtos e retos, banindo as pregas, lapelas e martingales. Era o fim do amplo, do decorativo e da redundância barroca.

A revista vogue norte-americana informava que as modas não seriam modas se elas não conformassem com o espírito e com as restrições de sua época. O zoot-suit contrariava todas esta normas, pertencia a uma lógica aristocrática, sem relação nenhuma com a razão, não buscavam exatamente chocar; sem querer saber se isso era bem ou mal, só conheciam seu prazer, o da despesa, o do enfeite e o da estética, literalmente hedonista e irresponsável.
Com o gosto apimentado do fruto proibido, tornou-se o meio de expressão de um mal-estar social. Todos os jovens sonhavam em possuir um desses trajes como maneira de mostrar que aquela guerra não era dele.

Traje antifuncional pode ser considerado como a versão dadaísta que o espírito do tempo manifestou através da moda pelo jovem norte-americano. Como manifestação estética demonstrou também o espírito de sobrevivência afetiva que este estudo se empenha em mostrar como ponto que agrega esses jovens dentro de uma mesma comunidade com aparência semelhante.

Proclamavam, na sociedade calvinista e puritana norte-americana, o direito ao prazer. Argumentavam que só se vive uma vez, e era preciso aproveitar. Numa sociedade onde todos desejavam arregimentar, eles eram a expressão da desordem; contestação em nome do indivíduo, reivindicação sem ideal de uma existência plena e inteira: sem limites, um sinal de vida.

No outro extremo dos Estados Unidos, na costa oeste, os jovens chicanos, descendentes dos primeiros habitantes mexicanos da Califórnia, fizeram dele seu emblema, acrescentando uma nova dimensão étnica sinalizadora de uma identidade cultural completa, a do bandido latino, malandro, mafioso e perigoso, por que se apresentavam e se impunham em bando.

O zoot-suit com sua elegância magnífica, seu gosto pela despesa, tornou-se um meio de mostrar que também podia ser prestigioso. Na versão latina, era ainda mais chique e mais exagerada, com lãs pretas de riscas finas e brancas, gravata pérola e sapatos de duas cores, cabelos compridos descendo na nuca, grudados e achatados para trás.

Um estranho fato revelaria sua existência para toda a América. No dia 2 de agosto de 1942, num local chamado Sleepy Lagoon, subúrbio de Los Angeles, foi encontrado com corpo crivado de facadas um jovem mexicano. Pelos trajes, a polícia orientou a investigação para um bando de pachucos, prendendo vinte e quatro zoot-suiters. Os jovens latinos arrogantes sentiram pela primeira vez a consciência da própria existência e a comunidade inteira mexicana se sentiu visada.

Os usuários daqueles trajes chegaram às manchetes dos jornais sensacionalistas e os que os usavam passaram a serem suspeitos de toda espécie de violência e tara. Uma esteria em massa se desencadeou contra eles. Nas grandes cidades esse traje chegou a se tornar o uniforme dos pequenos marginais, o traje pelo qual era reconhecido o traficante (avião) nas ruas. A corrente do relógio enrolada em volta do punho passou a ser mais um argumento nas brigas de bandos rivais.

Transformado em apanágio das classes perigosas ou dos indivíduos de risco, declinava como movimento de moda que, a partir de 1944, foi substituído na rua 52 por uma nova tendência, vinda do espírito mais boêmio intelectual, pré-existencialista: o be-bop, fruto da revolução do jazz que queria ser uma arte completa.

Para Bollon (1993) o be-bop trazia o início de uma verdadeira “consciência cultural negra”, o início também do longo final do racismo. Viam-se cada vez mais casais mistos e os negros mobilizados em partes iguais na guerra européia. Suportavam cada vez menos as humilhações diárias do racismo vigente. Em resumo, havia cheiro de rebelião no ar e isso podia ser visto nos trajes. A base do estilo bopper era a alta elegância dos brancos: procuravam a respeitabilidade.

Mesmo hoje este traje ainda é associado a malandros e mafiosos. É sempre caracterizado pelas roupas amplas e paletó grande.

Veja fotos dessa indumentária em catálogo com acessórios, estilo e roupas usadas por essa tribo no site Zootsuit Catalog.

Por Queila Ferraz

(Queila Ferraz Monteiro é estudiosa de História da Moda, é consultora de design e gestão industrial para confecção e Professora de História da Indumentária e Tecnologia da Confecção dos cursos de Moda em várias faculdades , também é professora em cursos de pós-graduação em universidades como o Senac. queilamoda@yahoo.com.br )

Queila Ferraz: Queila Ferraz é historiadora de moda e arte, especialista em processos tecnológicos para confecção e consultora de implantação para modelos industriais para a área de vestuário. Trabalhou como coordenadora Geral do Curso de Design de Moda da UNIP, professora da Universidade Anhembi Morumbi e dos cursos de pós-graduação de Moda do Senac e da Belas Artes.

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