Romantismo – Uma visão de mundo que dominou a cultura européia durante o século XIX

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O movimento romântico foi mais do que uma nova maneira de vestir, mais do que uma aparência; foi a manifestação de uma visão de mundo que dominou a cultura européia durante o século XIX. É difícil fixar uma data exata do momento em que uma moda aparece, como também sua paternidade.

Moda total, o Romantismo era um traje, uma estética uma fisionomia, uma sinfonia de cores, um sistema de mitos e idéias feitas, um panteão de heróis reais e imaginários, mas também um modo de vida que se imiscuía em todos os atos e legislava sobre todos os assuntos.

Para Wilson (1989), o início da grande onda romântica, do século XIX pode ser situado através de suas manifestações mais espetaculares: a representação triunfal da peça de Alexandre Dumas, Henri III e sa Cour, levada ao palco na Comédie-Française, no dia 11 de fevereiro de 1829. Nasceu ali uma verdadeira febre historicista que se apoderou de todas as manifestações artísticas. Seria a representação de um pouco de toda a história da França dos séculos XIV, XV, e XVI confundidos que se exibiria nas ruas.

Subitamente o estilo Idade Média tornou-se moda. Em alguns meses, Paris encheu-se de moças borgonhesas vestidas de saias compridas com caudas, feitas de tecido estampado com motivos heráldicos e corselete de mangas bufantes e de jovens cavaleiros vestidos de calças curtas e gibão com recortes sob casacos de arminho. Os moços usando uma cabeleira merovíngea enfeitada com boné de veludo denteado de arqueiro, mostravam uma barba de rei assírio e uma adaga de Toledo enfiada no cinto.

As moças usavam cabelos compridos que penteavam lisos repartidos ao meio e presos na testa por correntes de ouro ou prata, competindo para ver quem usava o sapato com bico mais fino e mais pontudo, ou então a gola mais pregueada tipo Henrique IV, em roda moinho.

O teatro e a literatura, em pleno período históricista, alimentavam as modas fantasmas; cada peça, cada romance atualizava os trajes de seus heróis. Os rapazes queriam ser corsários, cavaleiros, cruzados. As moças sonhavam em ser Margarida de Borgonha, Lucrécia Bórgia, Maria Stuart.

Essa onda medieval atingira todas as camadas da sociedade. A exatidão histórica não era primordial, alguns se inspiravam nos quadros e gravuras de época. Nas semanas que precediam às noites de gala muitos faziam fila no depósito de estampas da Biblioteca Nacional, para copiarem aqueles documentos inspirados nos quais as modistas trabalhavam.

Deste período é famosa a invenção da manga presunto. Reminiscência do traje da Renascença. Eram sustentadas por barbatanas ou bolas cheias de pluma. Os ombros das mulheres cresciam. Não importava se para a noite ou para o dia, o vestido só estaria completo se as mangas fossem periodicamente inchadas e, para equilibrar a silhueta, as saias eram bufantes e os chapéus gigantescos. Também para reforçar a releitura das modas do século XVI, usavam sobre o vestido as “berthes”, espécie de golas-chale de renda delicada e aventais de tecido suntuosamente bordados. Amarravam na cintura as “algibeiras”, pequenas bolsas de couro usadas nos séculos XIV e XV.

Tudo era feito para proporcionar à mulher a aparência de um ser saído de um mundo encantado, como fantasma de lendas. Os chapéus de abas largas erguiam sobre a cabeça como torres que subiam aos céus como catedrais, como os chapéus de bruxa que conhecemos hoje, orgulhosamente exibidos à castelhana. O conjunto se mostrava imerso numa desordem de gaze e musselina sobre uma cabeleira arrepiada e ondulada, como revolta por uma ventania.

Tudo se organizava como fragilidade, imaterialidade, ou seja, da sua inacessibilidade feminina, afinal, a Idade Média tinha sido o tempo do amor cortes, e isto havia que ser lembrado.

No mobiliário e na arquitetura deu-se o início da moda neo-gótica e normanda. Redesenhavam as janelas com arco de ogiva e acrescentavam-lhes vitrais. Os rapazes da sociedade sonhavam em morar num apartamento escuro como uma cripta, com acústica de catedral. Todos queriam ter seu castelo; um cenário entre o real e o imaginário começava a surgir. Na ourivesaria, a jóia romântica lançou cenas em miniatura que representavam cavaleiros com armadura, cercados de pajens e galgos, complementando o conjunto com enfeites de escudos e emblemas senhoriais.

A moda também encontrava eco na vida cotidiana; era o máximo do requinte corresponder-se com bilhetinhos escritos em francês arcaico, cheios de palavras raras, confiados a pombos correios. Pseudônimos da época latinizavam os nome, Pierre se tornou Petrus.

O linguajar corriqueiro seguia o movimento, à moda dos personagens das peças históricas de Alexandre Dumas e de Victor Hugo, com expressões como: Por Belzebu! Pelos chifres de Auroch, inferno e danação, terra e céu. A idéia de retorno ao medievalismo chegou até o ponto proposto pelo escritor Roger de Beauvoir, de transformar o jardim de Tivoli num campo de torneio, onde jovens se enfrentariam até a morte, como verdadeiros cavaleiros, armados de lança, vestindo armadura e cota de malha.

Para Bollon (1993:57), a priori nada de muito sério nisso tudo – a não ser um grande revival como os que acontecem regularmente nas sociedades carregadas de passado, em épocas em que sua identidade acha-se incerta, afetada por mutações fundamentais. Um vento de nostalgia dominante que avivara o efeito de imitação…concebido pelas artes dominantes: a literatura e o teatro, no ápice da sua influência popular.

Para o autor, esta situação refletia a volta da aristocracia ao primeiro plano na realidade do poder que celebrava o fantasma de um passado glorioso de tradição, sendo que após a morte de Luís XVIII, isto chegou a tomar um aspecto de revanche do Antigo Regime; em suma, era de bom tom ser aristocrata e, a moda refletia isso e, toda uma lenda napoleônica começava a surgir e de todos os lados transbordavam imagens históricas.

Na literatura a evolução romântica foi mais profunda. Através das obras de lorde Byron e sir Walter Scott, as literaturas nacionais reatavam com seus antigos fundamentos históricos e mitológicos, tentando, como todos os acontecimentos importantes, reescrever sua história a partir deles mesmos. Era como se as nações sentissem a necessidade de mergulhar novamente em suas raízes imemoriais para recuperar as tradições nacionais, que, após as grandes mudanças políticas e sociais do final do século XVIII e início do século XIX, da Revolução e do Império, tinham sido substituídas por universais.

Na Alemanha, o caso chegara a tomar proporções políticas, quando os jovens estudantes adeptos de Sturn und Drang, logo no início do século, decidiram usar novamente seus trajes regionais que, para eles, era um modo de afirmar a existência de uma identidade nacional alemã que faltava criar.

Bollon (1993) afirma que nesta evolução se encontrava tanto o reflexo da idéia de povo soberano, herdado da Revolução Francesa e do Império Napoleônico, quanto uma contestação propriamente reacionária à condição política que vivia, curiosa mistura que a Idade Média enquadrava e expressava num estilo único, o gótico. Para ele: “o Romantismo seria a evocação nostálgica de um passado, de uma reapropiação coletiva de uma história recalcada, ou bem a recusa de um mundo prosaico ou até a fuga deliberada para um universo imaginário, estético e lendário”.

A passagem da moda para um movimento cultural se deu em 1830 quando o estilo Idade Média se fundiu ao grande movimento romântico. A batalha de Hernani, no dia 23 de fevereiro daquele ano trouxe a volta de uma Idade Média fantasmática, vista como uma época heróica e principalmente natural, onde a autenticidade dos sentimentos tinha primazia sobre os compromissos com a razão e entrava em sintonia com os princípios de uma “Arte Nova” que, tanto no teatro como nas demais formas de expressão, queria abolir as regras clássicas e as divisões entre os gêneros para parecer mais verdadeiro, mais próximo da vida, reencontrando através do teatro, o caminho de um descomedimento da paixão e de uma força de sentimento que acabara de descobrir em Shakespeare.

Bruscamente as cores dos trajes desbotaram. Se a referência à Idade Média permanecia, seu sentido mudou: em vez de veicular uma pura nostalgia do passado, ela passou a ser uma recusa confessa do mundo presente, acompanhando a contestação do universo da razão, contestando, é claro, a burguesia emergente que veria seu triunfo depois da segunda metade do século XIX.

Para os jovens franceses, em breve o mundo iria se dividir em dois: de um lado os românticos e, do outro, o resto do mundo, rejeitado como os burgueses. Uma divisão que a moda se esforçaria para representar nos mínimos detalhes por todo um sistema de oposição.

Como todas as grandes modas, o Romantismo era também, uma fisionomia que tinha cânones. Bollon (1993:62) os descreve assim:

Era preciso ser moreno, quase escuro, com a pele azeitonada, mouresca, o corpo seco e nervoso, o olhar selvagem e os olhos brilhantes de paixão, parecer fatal, sombrio, maldito, esmagado sob o peso de um destino abominável, devorado pelas paixões e pelo remorso, desiludido. Em uma palavra: bayroniano ou então mefistofélico, perverso, obcecado pelos poderes do mal e da noite. Antiburguês por excelência, o verdadeiro romântico era um boêmio que não usava colarinho. Seu colete deveria apertar o peito de tal forma que não deixasse aparecer nenhuma mancha branca da camisa, porque essa dava a impressão de algo enquadrado, a camisa branca traia os filisteus. O mesmo se diga dos guarda-chuvas, pelos quais se mostrava um santo horror.

O verdadeiro romântico era um ser da natureza e se ridicularizaria se exibisse aquela proteção burguesa contra a fúria dos elementos, como apregoava Patrus Borel.

Enquanto o clássico dândi se exibia com cabelos raros, o romântico exibia sua cabeleira imensa abundante, como um matagal ou revolta em tempestade, quando não com aspecto leonino, pois queriam imitar a natureza em sua beleza selvagem.
Lavavam os cabelos com infusão de cássis, para obter um tom Otelo, um tom azinhavre ou de nogueira. Raspavam os cabelos para desguarnecer as têmporas a fim de conseguirem uma testa maior, onde só poderiam se alojar pensamentos geniais e de uma profundidade abissal. Depilavam as sobrancelhas para torná-las mais arqueadas, mais ferozes. Aparavam os bigodes revirados em croque e, usavam a barba pontuda para obterem um ar satânico, tipo Mefistófeles.

A barba era cerrada, friccionada com gordura de urso ou camelo. A forma da barba se revestia de um significado político; as largas suíças sinalizavam o partidário do regime inaugurado pela revolução fracassada, a pontiaguda traía o bonapartista, a barba inteira, não aparada, era, junto com o colete Robespierre, o chapéu pontudo de abas largas e o cabelo a la Titus, o atributo do republicano.

A natureza e a revolta num único símbolo trouxeram para a moda os tons sombrios, os da melancolia e das paixões devoradoras: o verde ruço, o fundo de garrafa, o marrom avermelhado, o puro etíope, a fumaça de Moscou, o hábito de capuchinho ou o negro das asas da graúna.

Quanto às moças, queriam ser morenas, ardentes, espanholas, com tom de pele oriental, ou, ao contrário, transparentes, diáfanas, com uma palidez cadavérica, de uma fragilidade ideal, de vapor de bruma, com cintura de vespa, pescoço de cisne e grandes olhos, desbotados, úmidos e ultramarinos. Vaiavam as sólidas burguesas vitorianas, de traseiro e quadris avantajados.

Quando não possuíam essas qualidades inventavam os meios de obtê-las, bebiam litros de vinagre e comiam dúzias de limões para obter uma tez pálida e doentia. Espremiam suas curvas naturais em impiedosos corpetes entrelaçados e deixavam de comer. Nos jantares beliscavam apenas, desprezavam as carnes vermelhas e os molhos por demais nutritivos ou então chupavam demoradamente uma modesta fruta.

Se preciso, faziam uma verdadeira refeição antes de comparecerem a estes jantares e prendiam as bochechas com os dentes para cavá-las artificialmente; nada mais desolador que um aspecto bem alimentado. Era preciso ter aspecto cansado, desenganado, um desiludido adorável, como sinal de que pertencia a outro mundo; diferente deste nosso, aspecto sustentado com alimentos infinitamente espirituais.

Para alcançar este mundo espiritual, recorriam também a efeitos especiais: enchiam-se de infusão de beladona e fumavam datura que, além de leve efeito alucinógeno, proporcionava um olhar vago e fixidez mística, aquela prostração que chamavam de desesperanza. Por pouco teriam acolhido com alegria a tuberculose como aspecto agonizante por demais chic.

A embriaguez era bem vinda porque fornecia a chave daquele mundo mais além daquele em que sofriam. Viravam as costas à realidade medíocre e dolorosa para substituí-la pela entrada num universo mais imaginário, sonhavam em levar uma vida desregrada, desleixada, de devassidão. Era a total revolta contra os hábitos estabelecidos pelo universo burguês, prosaico de todo dia.

O vocabulário refletia esse apelo por uma dimensão maior que o real. Reino do exagerado, frenético, tudo era ou se tornava estupendo, transcendental, fulminante, piramidal, babilônico, dantesco, maquiavélico, mefistofélico, satânico.

Existiam vários graus nesta revolta. Se alguns se contentavam em vivê-la por procuração, no imaginário e no mito, os mais radicais elegeram o bairro de Montmartre para viver em comunidade. O “Camp des Tatares” tornou-se assim o berço de todos as loucuras românticas. Ali recitavam poemas e bebiam ponche. A desordem noturna era permanente. Escandalizavam os burgueses passeando nus de dia na praça.

Adeptos de uma espécie de comunidade primitiva imitavam os bárbaros, prontos a invadirem a capital clássica para regenerá-la por suas obras e costumes com uma revolta naturalista que foi posteriormente vivida pelos movimentos beat de 1950.

Em 1830 o movimento começou a definhar dentro de seu próprio meio. Para muitos deles, o Romantismo fora apenas uma espécie de férias de adolescentes antes da integração social.

Os primeiros romances de George Sand fizeram surgir, por volta de 1830, o mito da leoa, cavaleira e caçadora, de botas e chibatas na mão. Falando alto e forte, a leoa era a anti-romântica. Dando adeus às berthes, as moças queriam viver novamente no presente, comiam, bebiam, fumavam levavam a vida com desenvoltura, exibindo modos e trajes masculinos, eram as garçonnières.

A moda romântica tivera sua época real e, efêmera como todas as modas, faltava-lhe cumprir seu destino simbólico, o mais importante entre todos e sua verdadeira revanche sobre o tempo. Como manifestação social influenciou todas as sensações, percepções e idéias, estruturando tanto a realidade quanto o universo das representações.

Amplamente reabilitado no nosso século, teve em Baudelaire um dos primeiros herdeiros. Revisitado pelos dadaístas e surrealistas, também pelos movimentos beat e existencialistas pós-guerra da Coréia e, na a partir de 1980, pelos movimentos dark e góticos da moda inglesa, como estilo historicista, acaba por ser, até o momento, a maior fonte de interpretações revivalistas do fenômeno da moda.

Em 1836, o Romantismo enquanto moda já pertencia ao passado, desaparecendo no momento em que seus valores estavam sendo digeridos pela sociedade. Em resumo, todos eram românticos. O ódio ao burguês passava como herança sensível de toda uma geração e explicaria em parte a revolução política de 1848. Morto na realidade, o romantismo continuaria obcecando a sociedade como mito e como estilo: imagem de uma revolta contra o ambiente e contra o tempo presente.

Este mito fez nascer, no início do século XX, o conceito de adolescente como período problemático e cheio de revolta pelo qual todo jovem deve passar. É com esse fundamento histórico que entendemos os movimentos de estilo que se estruturaram como movimentos de juventude e que hoje reconhecemos como tribos urbanas, que se expressa dentro do segmento de moda vestuário como Streetwear.

Saiba mais sobre o Traje Romântico no site Fashion-Era , veja chapéus dessa época aqui e réplicas dos trajes aqui.

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http://vintagetextile.com/victorian.htm

Queila Ferraz: Queila Ferraz é historiadora de moda e arte, especialista em processos tecnológicos para confecção e consultora de implantação para modelos industriais para a área de vestuário. Trabalhou como coordenadora Geral do Curso de Design de Moda da UNIP, professora da Universidade Anhembi Morumbi e dos cursos de pós-graduação de Moda do Senac e da Belas Artes.

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