Reflexões sobre o corpo, a roupa e a linguagem plástica contemporânea

 

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Em Salvador, o artista plástico, poeta e arquiteto Almandrade* apresenta o curso “O Corpo, a roupa e a linguagem plástica contemporânea”. E, aqui, reflete sobre a linguagem e a transgressão da veste.

Esse curso propõe uma reflexão sobre a apropriação do corpo e da roupa pelas linguagens artísticas contemporâneas, estabelecendo interfaces com a moda dos séculos XX e XXI. Será realizado no auditório do MAM – Bahia entre 15 setembro a 22 de outubro de 2010 com três encontros semanais: quartas, quintas e sextas-feiras, de 9:00 às 12:00, somando 48 horas no total.  As vagas são limitadas! Informações: educativomam@gmail.com.

A linguagem e a transgressão da veste, por Almandrade*

 “O traje veste a história”  – Luís XIV

Desde sua origem, a roupa foi determinada pela necessidade de abrigo e aparência para o corpo, como a arquitetura. Desde os tempos da caverna, nos quais o homem criou hábitos de pintar o corpo ou fazer uso de indumentárias confeccionadas com peles de animais para expressar seu desejo de poder e exibição. A veste e seus acessórios são meios de comunicação que espelham o modelo social.

A moda é uma linguagem simbólica que ultrapassa a sua função de proteção para significar o indivíduo na sociedade. Ela é uma espécie de identidade que fala de sua condição e/ou opções social, profissional e sexual. Em todas as épocas, a roupa, além de sua função, explicitou significados como uma embalagem que protege, embeleza, decora e identifica o produto. Com suas cores e estilos, a vestimenta é um signo e um dispositivo da condição social e cultural através do qual o homem atende suas necessidades de comunicação e expressão.

As obras de arte do passado são o principal meio de informação do corpo e suas indumentárias. Grandes retratistas, como Velásquez, na Espanha de Felipe IV, registraram nas suas pinturas a moda de seu tempo, quando retrataram os nobres e sua corte. Em Velásquez, podemos perceber como o preto era a cor predominante para ambos os sexos, veludos com ornamentos de prata e ouro.

O vermelho também era uma cor favorita, enquanto o branco era usado em raras ocasiões. No ocidente, surge durante o Renascimento o conceito de moda, quando o interesse pelo traje deixa de ser uma necessidade puramente funcional para afirmar posições hierárquicas de poder. 

Roland Barthes, com sua semiologia da moda, fala da existência de uma língua do vestuário, postulada em escritores como Balzac, Proust ou Michelet. Para Barthes: “A moda é uma combinatória que tem uma reserva infinita de elementos e de regras de transformação”. Uma língua falada por todos e ao mesmo tempo desconhecida de todos. A roupa não só protege (função) , informa, embeleza, contesta (significa), na condição de um fenômeno semiótico fala de seu usuário.

A leitura da vestimenta mostra a multiplicidade, diferenças e contradições da sociedade. Valores culturais e condições econômicas determinam as opções do figurino. Existem sistemas de codificação, tais como: a cor, o tipo de tecido ou o estilo do uniforme associados às profissões, crenças, identificação de classe, estações do ano. Podem informar o destino do usuário, a cada lugar um código ou um estilo.

A roupa, além de ser “uma extensão da pele” (Mcluhan), é também uma necessidade de consumo criada pela publicidade da etiqueta. Waldemir Dias-Pino, um dos criadores da poesia concreta, faz relações entre os modelos da roupa e as formas da arquitetura: O homem moderno de calça e paletó com o arranha-céu, a tanga do índio e a palha que cobre a taba, o árabe se veste com a forma de uma tenda, a japonesa carrega nas mangas do vestido as formas dos beirais de seus telhados.

A moda do vestuário aproximou-se da vanguarda, no processo das revoluções nas linguagens artísticas, cada época tem as suas vestes e elas integram o individuo ao meio ambiente social, cultural, tecnológico e ao grupo social. A moda pode acentuar também a divisão de classes, ou ao contrário: participar das contestações sociais. Com os Beatles, o tropicalismo e os hippies com um estilo naturalista descontraído, nos finais da década de 1960, a roupa tinha um sentido crítico, em aparente contradição com a moda corrente, imposta pela indústria da moda, produto da revolução industrial.

A partir da modernidade, designers e artistas interessam-se em desenhar roupas e objetos utilitários que atendam à funcionalidade do mundo moderno. Artistas transformam a roupa ou o ato de vestir em objeto de sua experiência artística. Os construtivistas russos criaram a roupa do trabalhador, cuja principal preocupação era a funcionalidade. O professor da Bauhaus Johannes Ittens desenhou uma roupa para ser usada pelos seguidores de uma doutrina de vida, criada por ele, que tinha como objetivo a perfeição. Os futuristas italianos pregavam a necessidade de uma roupa confortável, prática, agressiva ágil e alegre, decorada eventualmente por lâmpadas elétricas.

Os surrealistas e dadaístas posicionaram ironicamente, apropriaram-se da roupa como um instrumento de transformação da linguagem da arte. Marcel Duchamp, que já havia posado como Rrose Sélavy em 1921 numa pratica de readymade, em 1938, numa exposição em Paris, vestiu um manequim feminino com chapéu, paletó, colete, gravata e sapatos masculinos.

No Brasil, algumas experiências são pioneiras, principalmente na obra de dois artistas: Flavio de Carvalho e Hélio Oiticica.  Em uma movimentada rua do centro de São Paulo em 1956, o arquiteto e artista plástico Flávio de Carvalho, autor da coluna do Diário de São Paulo “A Moda e o Novo Homem”, desfilou com sua “indumentária do futuro”, por ele denominada “New Look”. 

Vestido com meias rendadas de bailarina, saiote, blusa de nylon com aberturas laterais, o artista lançou o novo traje para o verão dos trópicos, provocou pânico e escândalo na população. Artista, arquiteto, engenheiro e escritor, Flavio um personagem excêntrico na história da arte brasileira, apelidado de “divino louco”, não teve ainda o reconhecimento à altura do seu talento por nosso meio cultural.

Na década de 1960, as experiências de Hélio Oiticica e seu envolvimento com o samba resultaram em capas denominadas “Parangolés”. Propostas para o espectador/participante em lugar de simplesmente contemplar a cor, vestir-se nela. Uma estética da existência e não do objeto/arte – o corpo não é o suporte da obra.  “O objetivo é dar ao público a chance de deixar de ser público espectador, de fora, para participante na atividade criadora” (Oiticica).

Lígia Clark e suas “máscaras sensoriais”, que integram a fase sensorial de seu trabalho, a exemplo da obra que consiste num macacão para ser vestido por um homem. A peça contém um zíper que ao ser aberto, retira-se uma “barriga grávida”, feita de borracha cor-de-rosa e de dentro dessa barriga, retira uma espuma de borracha. Ao praticar essa operação “cesariana”, as pessoas experimentam reações mais inesperadas.

Até os heróis das histórias em quadrinhos têm suas identidades garantidas pela veste. Essa embalagem que envolve o corpo ocupa um lugar no sistema da linguagem e sua leitura é uma necessidade do mundo contemporâneo. Como forma de comunicação, é abordada por várias teorias como: a antropologia, a semiologia, a sociologia e a teoria da informação.

Curso “O Corpo, a roupa e a linguagem plástica contemporânea

Instrutores: Almandrade, Ilber Acsis e Silverino Ojú

Local
Auditório do Museu de Arte Moderna da Bahia
Av. Contorno, S/N, Solar do Unhão, Salvador, Bahia
Inscrições abertas no  MAM – Bahia

Inscrições
De 10 de agosto a 10 e setembro de 2010.
E-mail: educativomam@gmail.comm ou site
Presenciais: Núcleo de Arte Educação Galpão das Oficinas do MAM-BA, Av. Contorno, S/N, Solar do Unhão, Salvador, Bahia. (gratuitas)
 
Informações  E-mail: educativomam@gmail.com

* Almandrade é artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta. Desde 1972 dedica-se ao pensamento da arte concretizado em suas pinturas, esculturas, instalações e poemas visuais, participando de várias mostras coletivas, nacionais e internacionais. Realizou cerca de trinta exposições individuais em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo; escreve em jornais e revistas especializados em arte, arquitetura e urbanismo. Recebeu diversos prêmios, dentre eles o da Fundarte em 1986 e da Copene em 1997 e publicou vários livros dentre os quais “Arquitetura de Algodão” e “Escritos sobre arte: arte, cidade e política cultural”.

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