Quem foi Mena Fiala? A história da promotora dos desfiles de manequins no Brasil

Mena Fiala, 2001. Fonte: Blog Fernando Machado.

O surgimento e diversificação da moda de luxo no Brasil se deu principalmente por meio da ação de algumas figuras icônicas dentro do cenário nacional. Uma das suas maiores influenciadoras foi sem dúvida Mena Fiala (1908-2001), a mulher firme e exigente que era a cabeça da Casa Canadá, a importante butique de luxo do Rio de Janeiro entre as décadas de 40 e 60.

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Mena Fiala. Fonte Blog Fernando Machado.

 

 

A trajetória de Mena Fiala

 

 

Filha dos italianos Caetano Selleri e Argea Pagani Selleri, Philomena Pagani Selleri, seu nome de solteira, nasceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, no dia 5 de julho de 1908.

Em uma região nobre perto da capital, Mena e sua irmã, Cândida, tiveram alguma experiência com o corte e costura, a chapelaria e o bordado ainda muito pequenas. Essa aproximação se deu por meio do contato com as modistas de sua cidade natal Marietta Pongetti e as irmãs Falconi, que à época atendiam as senhoras da elite do Rio de Janeiro (SCHUMAHER, 2000).

 

 

Mena Fiala e Cândida Gluzman, em 1985. Fonte: Pinterest / Moda Brasil.

 

 

Posteriormente, em 1928, Philomena se casou com um estrangeiro, o austríaco Anton Fiala (SEIXAS, 2015). Desde então, a sua vida tomou outro rumo.

 

  • Schumaher, Maria Aparecida. Dicionário mulheres do Brasil: De 1500 até a atualidade – Biográfico e ilustrado. Editora Schwarcz – Companhia das Letras, 2000.

 

 

No Rio de Janeiro

 

 

Juntos, já como Mena Fiala, ela se mudou para o Rio de Janeiro em 1929, onde então veio a abrir uma chapelaria em parceria com a irmã na Rua Sete de Setembro.

 

 

Darcy Vargas no centro da foto, ao lado de Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt, 1936. Crédito: CPDOC/GV. Fonte: Wikimedia commons.

 

 

Em pouco tempo elas alcançaram sucesso, tendo passado a vender chapéus e acessórios para as mulheres da alta sociedade carioca, então capital federal. Dentre elas, ninguém menos do que a então primeira-dama, Darcy Vargas (1895-1968).

 

 

O convite que mudou a sua vida

 

 

Pouco depois, em 1929, as duas conheceram o empresário Jacob Pelicks, proprietário da Casa Canadá. Afinal, as duas vinham tendo sucesso com o seu negócio, e Pelicks alimentava um plano ousado.

Então com a intenção de inaugurar uma nova versão da butique também na Rua Sete de Setembro, ele convidou as irmãs Mela Fiala e Cândida Gluzman para que assumissem a sua seção de roupas. Até então a Casa Canadá funcionava na rua Gonçalves Dias, no centro do Rio de Janeiro, com a venda mais limitada de peles e algumas roupas.

Acima de tudo, essa decisão foi um grande marco na vida de Mena.

 

 

A Casa Canadá de Mena Fiala

 

 

Assim, a nova loja foi inaugurada em 1935, com Mena Fiala e Cândida como diretoras da nova seção de roupas por atacado.

A princípio, o objetivo principal era trazer os modelos mais recentes de Paris para serem revendidos na butique. Dessa forma, Cândida, que era a compradora oficial da Casa Canadá, viajava a Paris por volta de cinco vezes ao ano. De lá, trazia peças dos estilistas mais badalados do mundo da alta-costura internacional, como Cristóbal Balenciaga, Christian Dior e Coco Chanel.

 

  • Saiba mais sobre esse período e sua importância em A Casa Canadá: Conheça a história do centro pioneiro da alta-costura no Brasil.

 

 

Entrada da exposição “Casa Canadá”. Fonte: mi-cajon-blogspot.

 

 

À frente da butique no Rio de Janeiro, Mena Fiala então geria o seu funcionamento e as novidades. Bom, não havia de fato uma moda desenhada e confeccionada pela casa.

Nesse sentido, a sua primeira inovação foi justamente a difusão do prêt-à-porter no Brasil, a roupa de boa qualidade feita industrialmente em série, que levava a assinatura de um estilista da moda.

 

  • Em seguida, veja a história de grandes nome da moda do Século XX: Coco Chanel – Biografia, estilo e frases famosas da estilista.
  • Quem foi Christian Dior? Vida e obra do grande mestre da alta-costura francesa – Biografias.
  • Logo depois, leia sobre Cristóbal Balenciaga: o mestre e arquiteto da alta costura.

 

 

A diversificação do negócio

 

 

A butique tinha caído no gosto da alta sociedade nacional. Afinal, o Rio de Janeiro seguia sendo a capital do país, e à cidade vinham as mais famosas e importantes mulheres brasileiras.

Nesse contexto, em recuperação após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o setor ganhava força para se expandir a partir do crescimento da indústria têxtil nacional.

 

 

Modelos no concurso Miss Bangu. Fonte: Blog Avenida Copacabana.

 

 

Empresas como a Fábrica de Tecidos Bangu e a Companhia Brasileira de Sedas Rhodiaseta, do grupo Rhodia, então traziam produtos inovadores ao mercado. Esse foi um estímulo para que estilistas e casas de moda do Brasil também passassem a produzir peças de qualidade em território nacional.

Em outras palavras, a Casa Canadá, por meio da direção atenta de Mena Fiala, conduziu a moda nacional para uma nova forma de produzir, apresentar e consumir peças, e o ambiente era favorável.

Assim, por seu intermédio, aos poucos a produção de moda no Brasil passou a ser vista como feita de diferentes partes de uma engrenagem cada vez mais complexa.

 

 

 

Mena Fiala e a Canadá de Luxe

 

 

Foi nesse momento que as irmãs decidiram criar um genuíno salão de moda, uma maison aos moldes franceses. Dessa forma, tendo sido inaugurado em 1944, a Canadá de Luxe causou furor e veio para marcar época, lançando tendências que mudariam de vez o setor da moda brasileiro.

 

 

Vera Barreto Leite na Casa Canadá. Fonte: Pinterest Arquivo O Globo.

 

 

Para além de gestora, D. Mena era ela mesma uma costureira, bordadeira e chapeleira muito habilidosa e experiente. Essas suas características sem dúvida tiveram um grande peso na visão que ela tinha do negócio, e na segurança que teve para inovar o trabalho na Casa Canadá.

Acima de tudo, ela era conhecida por ser muito detalhista e caprichosa, dando atenção a todos os pormenores do look a ser apresentado. Essa seria a sua marca como gestora.

 

“… você tem que desenhar primeiro no papel; depois, passa para a organza; daí passa para o filó. Aí junta os três e vai para a máquina de bordar, entra três vezes na máquina: primeiro, para bordar de branco, depois para bordar de ouro e prata, se tiver ouro e prata. Aí recorta. E, para recortar, às vezes é uma semana de trabalho …” (Mena Fiala à pesquisadora Cristiina Seixas en sua dissertação de mestrado, 2002).

 

 

  • SEIXAS, Cristina Araújo. A questão da cópia e da interpretação no contexto da produção de moda da Casa Canadá, no Rio de Janeiro na década de 1950. Dissertação de Mestrado em Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2002.

 

 

Original e cópia

 

“Vestir uma roupa da Casa Canadá dava status” (Mena Fiala).

 

Por fim, com a experiência que possuía, a demanda das clientes por novas peças, e o potencial que havia a partir da nova indústria têxtil, Mena Fiala decidiu investir na confecção de reproduções de modelos dos grandes estilistas.

Assim, elas passaram não apenas a oferecer as peças originais trazidas da França, como também outros modelos fiéis dos grandes estilistas estrangeiros que então eram confeccionados na Casa Canadá, em exclusividade.

 

 

Desfile na Casa Canadá. Fonte: Instituto Moreira Salles.

 

 

Para Cristina Seixas (2015), esse trabalho implicava o estudo atento da roupa. Em outras palavras, D. Mena desconstruía as peças importadas, para que pudesse entender a sua confecção e reproduzir da maneira mais fiel e esmerada possível.

 

 

Um laboratório de estudo e oportunidades

 

 

Em outras palavras, essa foi uma verdadeira revolução. Afinal, D. Mena, a partir da Canadá de Luxe, começou a dar oportunidade a que surgissem novos estilistas e profissionais da moda de luxo. Dentre eles, um dos mais importantes foi o estilista Dener Pamplona de Abreu (1937-1978), que começou a trabalhar na maison aos 13 anos, em 1948 – e ali ficaria até 1956.

 

 

“Nos pequenos ateliês o acabamento de moda à brasileira era muito bom! Muito bom mesmo. Nós começamos muito bem. Graças a Deus! Os nossos vestidos eram copiados de Paris. Mas, nós tínhamos o trabalho de mandar fazer a fazenda igual, tingir na cor igual e pegar as melhores costureiras que tinham à disposição. Tinha italianas, tinha espanholas, tinha de tudo.” (Mena Fiala, entrevista ….)

 

 

  • SEIXAS, Cristina Araújo. A questão da cópia e da interpretação no contexto da produção de moda da Casa Canadá, no Rio de Janeiro na década de 1950. Editora Cassará, 2015.

 

 

A renovação de Mena Fiala

 

“…inspirar-se na França ou na Itália não quer dizer que não se tenha espírito criador. Sábios, cientistas, artistas e literatos não buscam sabedoria nos quatro cantos do mundo? …” (Mena Fiala, Revista Rio, junho de 1956)

 

 

Em outras palavras, D. Mena jamais pretendeu criar uma moda de vanguarda (OLIVEIRA, 2014). Ainda assim, foi umas das grandes promotoras da moda brasileira, tendo aberto o caminho para a diversificação do setor e projetado aquilo que se produzia no país ao mais alto nível.

Ainda que fosse de uma outra geração e tivesse experiência com as técnicas tradicionais de corte e costura, Mena Fiala teve uma cabeça aberta não apenas para absorver como criar novas tendências.

 

 

Modelo na Casa Canadá. Fonte: missmemorabilia.

 

 

Como resultado da maior divulgação em jornais, em revistas, no cinema e na televisão, os tempos eram mesmo outros. Assim, a partir do princípio da década de 50 começou a era dos desfiles e grandes eventos de moda, que seriam liderados de perto pela Casa Canadá e por D. Mena.

Antes de mais nada, esses foram os seus anos dourados, que a marcariam de vez como referência da moda de luxo nacional.

 

 

 

 

Desfiles e manequins

 

 

Nesse sentido, a Canadá de Luxe, por iniciativa de Mena Fiala, passou a apresentar em primeira mão as suas peças em desfiles ao vivo às clientes. Dessa forma, jovens e belas meninas, especialmente selecionadas e treinadas por D. Mena, demonstravam a elegância e beleza dos modelos da casa.

 

 

Adalgisa Colombo. Fonte: Acervo O Globo.

 

 

Desde então, os desfiles se tornaram um verdadeiro acontecimento, e se expandiram para além da Casa Canadá. Afinal, eles estimulavam a cobertura das coleções pela imprensa emergente (por exemplo, a revista O Cruzeiro) e um maior apelo junto ao público alvo.

 

 

Revisa “O Cruzeiro” de 1958 com a Miss Adalgisa Colombo. Fonte: Pinterest / Mercado Livre.

 

 

Como resultado da projeção e interesse que despertaram, os desfiles se tornaram super concorridos. Dessa maneira, a eles atendiam pessoas famosas e influentes de todo o país (e não apenas mulheres!).

O primeiro desfile da Casa Canadá teve lugar logo em 1945. Entre as manequins mais famosas treinadas por Mena Fiala estiveram, por exemplo, Ilka Soares, Adalgisa Colombo, Martha Rocha e Georgia Quental.

 

 

 

 

Concurso Miss Brasil

 

Por fim, com a dimensão que tomou, a Casa Canadá também influiu na criação do concurso Miss Brasil, celebrado a primeira vez em 1954. Afinal, já por volta de 1955 havia uma estrutura muito complexa a dar cobertura a esses eventos e à nova produção nacional. 

 

 

Concurso Miss Brasil de 1957, com Mena Fiala no juri. Fonte:Blog Fernando Machado.

 

 

Mena Fiala esteve de perto envolvida no evento, tendo atuado como júri em diversas ocasiões. Além disso, algumas das manequins treinadas por ela foram premiadas com o título, tendo ajudado a alçar o nome da maison e de sua diretora aos mais altos patamares.

 

 

Últimos anos de Mena Fiala

 

 

“Acho que minha vida foi profícua, acredito que tenha ajudar a formar profissionais de primeira ordem; estou segura de que juntamente com minha irmã Cândida, tenhamos aberto caminho para uma moda brasileira que se tem expandido em vários setores, e em várias direções.” (Mena Fiala).

 

 

Enfim a Casa Canadá entrou em declínio em meados da década de 60, tendo fechado as suas portas em 1967. Entretanto, apesar do desfecho da butique, Mena Fiala permaneceu como uma importante referência da moda nacional – ela continuou a dirigir desfiles até 1972.

 

 

Cadernos de anotação de Mena Fiala na exposição “Casa Canadá”. Fonte: mi-cajon-blogspot.

 

 

Como resultado do reconhecimento do seu papel no país, D. Mena e Cândida receberam o título de Beneméritas do Rio de Janeiro pela Assembleia Legislativa. Além disso, ao longo do tempo ela recebeu outros títulos e prêmios, como o Multimoda, conferido pela Multifabril; o título de Mulher do Ano da Moda, do Conselho Nacional de Mulheres do Brasil; e finalmente o seu ingresso na Academia Brasileira de Moda, conferido pelo Instituto Zuzu Angel.

 

 

Folha do catálogo “Mena Fiala Um nome na história da moda”. Fonte: Blog Fernando de Paiva.

 

 

Em 1996 foi realizada uma exposição sobre a sua história no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Denominada “Mena Fiala – Um Nome da História da Moda”, nela foi narrado o trabalho dedicado e inovador de Mena e Cândida. Posteriormente foi feita a publicação de um catálogo.

Por fim, Mena Fiala faleceu em 2001. Ela foi homenageada em 2015 em um desfile com peças da época da Casa Canadá, o seu legado de pura elegância e beleza.

 

 

Por Mariana Boscariol.

 

 

Mariana Boscariol: Mariana Boscariol é uma historiadora especialista no período moderno. Sua experiência profissional e pessoal é em essência internacional, incluindo passagens por Portugal, Espanha, Itália, Japão e o Reino Unido. Sendo por natureza inquieta e curiosa, é também atleta, motoqueira e aventureira nas horas vagas – e sempre leva um livro na bolsa!

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