O tecido de algodão faz parte da nossa história há vários milênios, figurando como uma das fibras naturais mais importantes do mundo. Ninguém sabe ao certo há quanto tempo, mas há registros que seguramente, mais de 7000 anos.
O tecido de algodão ocupa um lugar único na nossa história. Afinal, ele passou de ser um produto tão ou mais valorizado do que a seda e a lã nos séculos XVI e XVII, para se tornar um dos tecidos mais populares que se tem notícia.
Desse modo, tendo se consolidado como um dos produtos mais comercializados no mercado internacional, o algodão teve e tem um papel muito importante na história de diversos países. Dentre eles, por exemplo, a Índia, a Inglaterra, os Estados Unidos e, mais recentemente, o Brasil.
Entretanto, ainda que esse pareça ser um produto simples, a sua história é muito longa e complexa. Para saber mais, conheça a seguir a origem, história e características do tecido de algodão.
A Origem do Tecido de Algodão
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O algodão se popularizou e disseminou de uma maneira tal que logo no século XVI já podia ser encontrado em todos os continentes do mundo.
Contudo, a sua origem pode ser rastreada há ao menos 7 milênios em duas regiões muito distantes uma da outra: na zona compreendida entre a Índia e o Paquistão, na Ásia, e entre o Peru e o México, nas Américas.
Em outras palavras, civilizações sem nenhum contato entre si começaram simultaneamente a domesticar o uso da planta do algodão, tendo um resultado parecido na sua conversão em tecido.
Antes de nada mais, a difusão do tecido de algodão se deu a partir da circulação comercial inter-asiática e da presença de europeus na Ásia – promovida, por exemplo, pela expansão do Império Romano e a exploração da famosa Rota da Seda.
Ainda que se tenha disseminado já na Idade Antiga por meio dos gregos e romanos, o seu cultivo não era viável na Europa. Dessa forma, para suprir uma demanda crescente pelo produto, foi alimentado um comércio específico que se manteria, com variações, até os dias de hoje.
- PARKER, J. All about Cotton. Seattle, Washington: Rain City Publishing, 1998.
Etimologia
Não por menos, a palavra algodão deriva da palavra árabe قطن (al-kutun ou al-qutn, ou simplesmente qutn ou qutun), que era o termo mais comum para referir-se ao produto no idioma árabe durante o período medieval.
Afinal, não esqueçamos que grupos muçulmanos dominaram a Península Ibérica (Portugal e Espanha) desde o século VIII até o século XV. Assim, vindos do norte da África, como resultado da sua longa presença na região, eles deixaram um legado cultural e linguístico muito rico, e que ainda podemos observar na nossa cultura.
Enquanto no inglês a palavra se converteu em “cotton”, em italiano “cotone” e francês “coton”, em português e espanhol ela incorpou o prefixo “al”, que em árabe corresponde ao nosso artigo “o” ou “a”. Ou seja: “algodão” e “algodón”.
Aliás, já parou para pensar em quantas palavras do português iniciam com o prefixo “al”?
Contudo, em ritmos distintos, a palavra já havia sido incorporada nas línguas românicas no século XII, tardando um século mais para ser adaptada ao inglês.
O Produto
O algodão é uma fibra branca que nasce em volta das semente de algumas espécies do gênero Gossypium (família Malvaceae). Ele é retirado da cápsula da planta de algodão, que se abre quando totalmente desenvolvida.
As cápsulas emergem das flores, que caem para deixá-la exposta. Uma cápsula pode produzir mais de 250.000 fibras individuais (Love to Know), que em seguida são tratadas.
Em climas mais temperados a planta de algodão é um arbusto baixo, mas no clima mais tropical tende a ser uma árvore perene (que dura mais de uma safra). As melhores qualidades de algodão crescem em climas com alto índice de chuvas na estação de crescimento e uma estação de colheita seca e quente.
Os climas muito quentes e secos nos quais a irrigação substitui a chuva também podem ser adequados para a produção de algodão. Ou seja, o que não combina mesmo com a planta é o tempo muito frio, a baixa altitude e pouco sol.
Pragas de Algodão
O algodão está sujeito a danos causados pelo ataques de insetos e outras doenças. A aplicação de inseticidas e o desenvolvimento da tecnologia para o controle do seu cultivo ajudou muito no controle da produção – ainda que também gere muitas críticas pelos efeitos ambientais danosos.
Segundo o blog da Aegro, o número de insetos que afetam o algodão é super alto. Em total, são listadas 1326 pragas, ainda que os que fazem maior estrago no Brasil são 162 espécies de insetos.
Entre as principais pragas de algodão no Brasil estão, por exemplo, o Bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis), considerado a pior delas; a Broca da raiz (Eutinobothrus brasiliensis); a Mosca branca (Bemisia tabaci biótipo B); e o Pulgão do algodoeiro (Aphis gossypii).
O Processamento do Tecido de Algodão
O processamento do tecido de algodão inclui muitas etapas. Enquanto a colheita manual de algodão maduro rende a mais alta qualidade, a colheita mecanizada torna a alta produção mais viável e acessível.
Em muitos países onde a mão de obra é mais barata que o equipamento, o algodão continua a ser colhido manualmente. Entretanto, normalmente isso também vem com um preço pouco desejável. Afinal, a indústria do tecido de algodão é uma das mais denunciadas pelo uso de mão de obra escrava ou em condições análogas à escravidão.
No que diz respeito ao seu processamento, o descaroçamento é então usado para limpar detritos que podem estar presentes no algodão e, assim, prepará-lo para a seguinte etapa.
A classificação separa o algodão em níveis de qualidade, entre fibras mais curtas ou longas e mais finas ou grossas.
A cardagem é o próximo passo, servindo para limpar ainda mais o algodão e alinhar totalmente as suas fibras. Um processo adicional busca “penteá-lo” para limpar e alinhar ainda mais o algodão de maior qualidade.
O Fio de Algodão
A fase final envolve a tração das fibras que são então fiadas em um fio acabado pronto para a elaboração do tecido de algodão. Os chamados tecidos verdes (que não estão acabados) passam por um acabamento final, para alinhar de vez a sua trama e ajustar a sua largura.
Tanto na fase de fibra, como de fio, tecido ou mesmo quando chega ao produto final, o algodão pode ser submetido ao branqueamento. Esse processo tem como objetivo remover as cores naturais, que puxam para um tom mais creme. Nesse ponto também podem ser colocadas as cores da moda, por meio de diferentes técnicas de tingimento e estampagem.
Outros processos de acabamento final podem ser usados para obter características especiais.
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América
Por meio da pesquisa arqueológica foi identificado que o cultivo do algodão (Gossypium barbadense) nos Andes, principalmente na parte que corresponde atualmente ao Peru, remonta há mais de 7000 anos. Dada a altitude, frio e condições especiais dessa localidade arqueólogos puderam inclusive encontrar em Huaca Prieta, norte do Peru, amostras de tecido de algodão tingido com índigo (cor azul) de 6000 anos.
É nessa região que alguns estudiosos pensam ter-se produzido pela primeira vez o cultivo doméstico dessa variedade de algodão. Desde aí se teria difundido por outros lugares do continente, tendo sido encontradas amostras quase tão antigas até o México.
- SPLITSTOSER et all. Early pre-Hispanic use of indigo blue in Peru. Science Advances, vol. 2, no. 9, 2016.
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Subcontinente Indiano
Os resquícios arqueológicos mais antigos encontrados em Mergar, no Paquistão, datam de 5000 a.C. Ainda assim, o cultivo da planta e o seu uso em tecidos propriamente dito pode ser traçado apenas a partir de 3000 a.C.
Nessa altura, no Vale do Rio Indo, no Paquistão, o algodão estava sendo cultivado, fiado e fabricado em tecido. Não muito após esse período, os habitantes do vale do Nilo, no Egito, também estavam produzindo e vestindo roupas de tecido de algodão.
Por exemplo, o historiador grego Heródoto (484 aC-425 a.C) mencionou a existência do tecido de algodão indiano, sobre o qual se teria referido como “uma lã que excede em beleza e qualidade daquela das ovelhas” (VOLTI, 1999).
Posteriormente, diz-se que quando o líder grego Alexandre “o Grande” (356 a.C-323a.C) invadiu a Índia, a sua tropa começou a usar roupas locais feitas com o tecido de algodão.
Como resultado, sendo muito mais confortáveis e frescas do que o material até então encontrado na Europa (a lã), os europeus teriam passado a adotar o tecido de algodão com muito agrado (VOLTI, 1999).
- VOLTI, Rudi. “Cotton”. The Facts on File Encyclopedia of Science, Technology, and Society, 1999.
Difusão do Tecido de Algodão pelo Oriente
Registros apontam para o uso de utensílios mais elaborados para descaroçar o algodão na Índia já no século VI. Os primeiros resquícios de uma roda giratória para esse tipo de trabalho tem origem no mundo islâmico, por volta do século XI.
Com o tempo, pesquisadores encontraram ferramentas ainda mais elaboradas na Índia e na China do século XII e XIV. Esses instrumentos contavam então com um duplo descaroçador, mostrando o avanço da técnica e da tecnologia.
A versão que os mercadores mais disseminaram no mediterrâneo foi a indiana, considerando que o comércio do tecido de algodão já era muito forte na Europa no século XVI.
Em algumas regiões esse mecanismo foi ainda movido pela energia hidráulica (água), o que tornava todo o processo mais rápido e a produção maior.
O Tecido de Algodão no Ocidente
Os egípcios cresceram e fiaram algodão desde o século VI ou VII. Os comerciantes árabes trouxeram tecidos de algodão para a Europa por volta do século VIII. Assim, o produto se tornou comum na Europa já na Idade Média, sendo à época tecido à mão em um tear.
Seguindo por outra rota, quando Cristóvão Colombo (1451-1506) chegou à América, nas Ilhas Bahamas, em 1492, ele se deparou com o amplo cultivo de algodão.
Na Europa já se conhecia muito bem a fibra, que tinha um alto valor de mercado. Dessa maneira, os europeus tiveram uma grata surpresa ao encontrar o cultivo de algodão em um território que os espanhóis passavam em parte a controlar.
Afinal, ter um outro mercado fornecedor era não só interessante como rentável.
A Expansão Marítima
A venda e o transporte de tecidos de algodão se tornou muito lucrativa.
Afinal, o material começou a ser muito procurado pelos centros urbanos europeus a partir do século XV.
Assim, quando o explorador português Vasco da Gama (1469-1524) inaugurou a rota marítima que passava a ligar a Europa à Ásia em 1498 (chegada à Índia), o comércio de tecidos de algodão feito pelos navios passou a permitir um volume muito maior de carga.
Como resultado, a moda na Europa também se tornou cada vez mais dependente dos têxteis indianos e americanos. Não por menos as potências europeias sempre disputaram muito pelo controle dessas regiões.
Nesse sentido, em grande parte buscando controlar o poderoso mercado têxtil, o Império Britânico dominou o subcontinente indiano de 1858 até 1947 – período que ficou conhecido como o British Raj.
As plantações de algodão nos Estados Unidos
Historiadores apontam que as primeiras sementes de algodão foram plantadas na Flórida, nos Estados Unidos, logo em 1556. O território então fazia parte do Império Britânico, que, como visto, tinha um grande interesse na obtenção da matéria-prima.
Assim, os colonos já produziam algodão na Flórida em 1607. Afinal, se no Brasil tivemos a cana-de-açúcar como principal produto colonial, nos Estados Unidos foi o algodão. Em ambos os casos, a mão de obra escrava foi o que sustentou o sistema de grande plantações em monocultura.
O comércio de algodão foi um fator importante na Guerra pela Independência americana, já que os britânicos lutavam para manter a sua fonte da fibra bruta. Não conseguiram, e a independência foi declarada no dia 4 de julho de 1776.
Seja como for, africanos escravizados estiveram no coração da história agrícola dos Estados Unidos, havendo especialmente servido nas plantações de algodão e tabaco até o século XIX.
Apesar da Proclamação da Emancipação em 1863-1865, que aboliu a escravidão no país, a maioria dos ex-escravos permaneceu na agricultura em condições muito precárias de trabalho.
A Revolução Industrial
O algodão foi fiado pela primeira vez por máquinas na Inglaterra em 1730. A revolução industrial inglesa e a invenção do descaroçamento do algodão nos Estados Unidos abriram o caminho para o importante lugar que o tecido de algodão ocupa hoje no mundo.
Foi o americano Eli Whitney que patenteou o descaroçador de algodão em 1793. Ainda assim, os registros apontam que o primeiro aparelho dessa natureza foi construído por Noah Homes, dois anos antes.
Seja como for, essa foi uma verdadeira revolução, já que o maquinário tinha capacidade para produzir até 10 vezes mais rápido do que o homem.
Como resultado, o volume a ser comercializado também passou a ser muito maior, o que estimulou ainda mais a indústria do tecido de algodão.
- MARSDEN, Richard (1837-1903). Cotton spinning: its development, principles, and practice. London: G. Bell. 1884
O Tecido de Algodão Egípcio
O termo “algodão egípcio” se tornou sinônimo de um tecido de algodão de luxo, de qualidade superior. Mas, por quê? Devido sobretudo ao seu comprimento, maciez e resistência.
O Egito tem um clima ideal para a produção de algodão. Além disso, os trabalhadores continuam a fazer a colheita à mão, preservando as melhores qualidades da fibra: a maciez e o brilho.
Acima de tudo, o tecido de algodão egípcio é o mais resistente. No que diz respeito ao fio, quanto mais longa e fina for a fibra, mais fino e sem imperfeições será o fio.
Uma fibra longa, como a do algodão egípcio, mede de 3,4 a 4,8 cm, podendo chegar a 5 cm – por exemplo, o algodão brasileiro tem cerca 1,2 cm.
Mas, ainda que seja de melhor qualidade, porque o preço é tão exagerado? O Egito produz 40% da produção de algodão dessa qualidade, mas esse volume corresponde a apenas 3% da produção do tecido de algodão no mundo!
Ou seja, além de ter uma melhor qualidade, ele é um produto super exclusivo e de difícil obtenção.
Produção de algodão no mundo
Como vemos no mapa acima, os maiores produtores de algodão do mundo em 2019-2020 foram:
1º) Índia
2º) China
3º) Estados Unidos
4º) Brasil
A produção de algodão no Brasil
Ainda que o Brasil seja o quarto maior produtor de algodão, ele é o segundo país que mais exporta o produto. Os principais importadores? A China, o Bangladesh e o Vietnam, três dos países onde mais se produz na indústria têxtil.
Segundo a AMPA, o algodão já era conhecido e cultivado pelos indígenas do Brasil, que inclusive produziam e tingiam tecidos feitos com a sua fibra. Além disso, também com ele confeccionavam as suas famosas redes.
Já a produção do algodão a nível comercial no país teve início na região do Maranhão, em meados do século XVIII. Até então, os produtores se dedicavam ao plantio do algodão arbóreo perene, de fibras mais longas ( de melhor qualidade).
Entretanto, a variedade deu lugar ao plantio do algodão de fibra mais curta, muito mais produtivo, que começou a ser cultivado em São Paulo. Por um tempo, o estado então se firmou como o grande centro produtor de algodão no país.
Contudo, com o tempo, a cultura passou a se concentrar nos estados do Mato Grosso e Goiás (AMPA).
O Tecido de Algodão na Moda Atual
Apesar de ser um produto muito rico e demandado, o algodão não tem uma história apenas bonita. Além da escravidão, o cultivo da planta e a sua transformação em tecido de algodão passa por outro grande dilema: a geração de resíduos e a poluição do planeta.
Nesse sentido, um dos maiores apelos atuais dentro da indústria da moda é o do uso de materiais sustentáveis. Nesse caso, o tecido de algodão orgânico é a grande pedida.
Segundo o Sustainable Carbon, em 2016 o Brasil produzia cerca de 30% do algodão sustentável que se encontrava no mundo. Essa porcentagem corresponde ao redor de um milhão de toneladas.
Segundo a Better Cotton Iniciative (BCI), o algodão brasileiro é, assim, o melhor qualificado dentro dos princípios socioambientais.
Dessa maneira, dentro dos novos parâmetros, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) criou o movimento “Sou de Algodão”, que foi lançado no São Paulo Fashion Week de 2016.
Acima de tudo, a iniciativa do grupo busca alcançar que os tecidos produzidos e usados no Brasil contenham ao menos 70% do algodão brasileiro sustentável.
Esse apelo se direciona desde a indústria têxtil até o consumidor final, sendo promovido por campanhas sazonais que mostram o que de melhor esse material oferece para a moda.
Por Mariana Boscariol.
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- A SEDA: origem, história e características do tecido mais nobre do mundo.
- A Rhodia e o seu papel na consolidação da moda nacional.