A história do jornalismo conta que as revistas dedicadas ao público feminino nasceram “sob o signo da literatura”. Nos primeiros tempos de folhetins, quase todas eram gazetas literárias que prescreviam a moda, e entre a moda e literatura, duas faíscas para a fantasia, a imprensa feminina brasileira desfilava.
“Muitas vezes nascidos por causa da moda em vestuário, os veículos femininos impregnaram-se da febre do novo, que é fundamental no sistema da moda e que passou a contaminar todos os outros conteúdos publicitários a seu lado. A moda impulsiona a imprensa feminina e é por ela impulsionada”, diz Dulcília Buitoni no livreto referência Imprensa Feminina (Ática, 1986). Se a revista feminina do século passado priorizou a literatura, o tricô jornalístico de moda contemporâneo mescla o viés do jornalista, a literatura e todas as partículas sócio-culturais em torno do universo da moda.
Entretanto, a espécie “jornalismo de moda” é ainda considerada jovem, pois só recentemente foram criados prêmios, cursos de especialização e seminários de moda – apesar da maturidade na trajetória das bíblias Vogue, Harper’s Bazaar e Elle; é, ainda, recente a especialidade das revistas exclusivas de moda. Presentemente, a moda pode ser reportada em editorial, crônica, entrevista, matérias-perfis ou de desfiles, resenhas de livros e exposições, edições especiais, cadernos culturais. O texto de moda na imprensa contemporânea incorpora novas facetas, apesar de que, “convencionalmente, é um relato sobre roupas e acessórios, e que também mistura em suas páginas conteúdos e editorias com material publicitário. Raramente os textos de moda fazem jus à sua afiliação com ‘jornalismo’”, critica Buitoni.
De acordo com Tarcísio D’Almeida, a mídia impressa cede espaço para o jornalista intelectual se debruçar sobre a moda, articulando as três esferas: jornalismo, moda e literatura. Nessa sintonia, literatura e moda dispõem de uma técnica redacional comum: a descrição. Nesse sentido, a técnica jornalística aditiva a fórmula à idéia de atualidade, unindo-se ao charme literário e à moda fugaz. Por isso, a descrição no texto de moda busca, na maioria das vezes com sucesso, atrair e impressionar o espectador. Por muito tempo, aliás, o alvo que o texto de moda busca seduzir é especialmente ‘a’ espectadora.
Atualmente, no entanto, é preciso destacar que não só a imprensa feminina dedica suas páginas à moda. Com o tempo, a mídia impressa ampliou o leque de publicações que abarca a moda e nesse ínterim, o homem passa a compor um novo público-alvo para os difusores da moda. A imprensa masculina – exemplarmente lembrada por Playboy, Universo Masculino, Vogue Homem e Men’s Health – adiciona fotografias de moda masculina, associando-a a um estilo de vida sofisticado.
A partir dos anos 60, mas especialmente nos 70, com mais nitidez, se revelaram transformações no vestuário masculino, o que libertava o corpo másculo do tradicionalismo e buscava atraí-lo para as pulsões narcísicas da vaidade. Novos tempos, portanto, marcaram a imersão do homem neste campo.
Na década de 80, as mulheres “furtaram” o formato das calças do terno masculino. Quase simultaneamente, as modas masculinas passaram a autorizar o uso de cores mais vívidas e de estilo mais casual. Gilberto Freyre nota aí indícios de uma nova moralidade, na qual novas representações de feminilidade e masculinidade permitiam mais liberdades nas vestes com adaptações à atmosfera do Brasil tropical.
A arte publicitária foi uma peça-chave para que a rigidez imposta ao traje masculino gradativamente se diluísse. No início, para a publicidade, o modelo de feminilidade seduziria a mulher ao prazer, à vaidade para estar sempre bela para os homens. E os homens, austeros, deveriam impor respeito e seriedade com suas vestes sóbrias, escuras, sem firulas.
Mas será que a publicidade ainda está nos tempos das cavernas? É claro que não, e evidencia suas garras ao atiçar desejos de mulheres “princesas” tanto quanto de mulheres “guerreiras”, e o oposto também: homens “príncipes” e “guerreiros”, além de mais uma série infindável de personas que consumimos, porque esta é a efígie que queríamos de ver refletida no espelho.
A stylist Glória Kalil provoca o esperto homem “moderno” que sabe de cor os truques do carro e o estado da bolsa de valores, mas que não dedica tempo aos cuidados de si. Ela diz que moda “é assunto de homem, sim senhor”. Assim, os traçados imaginários que apartam os “modos de homem” e as “modas de mulher”, aspas do antropólgo Gylberto Freire, relativamente se dissipam na atualidade em que os olhares se deliciam e os corpos todos se angustiam com o imperativo da beleza.
Afinal, sob o viés dos ardis publicitários, “o mais belo objeto de consumo é o corpo”, critica Jean Baudrillard. Na atualidade, o corpo está onipresente na publicidade e na moda, investindo-se de um narcisismo orquestrado tal qual uma marionete capitalista. Nesse teatro cotidiano, nos corpos masculino e feminino, sucessivamente, vão vestindo figurinos que arquitetam o papel que querem atuar. Finalizando com Carol Garcia, na revista Fashion Theory: “Afinal, pessoas compram produtos de moda para verem refletidas neles a si mesmas, seus valores e gostos particulares. O ato da compra tem como base uma visão arraigada do mundo e do lugar que os indivíduos ocupam nele, o que pensam a respeito de si próprios e o que desejam que outros pensem deles”.
Por Juliana Sayuri