O Kitsch na moda contemporânea: relatos de uma pesquisa acadêmica
Por Ângela Rodrigues Como professora universitária e, sobretudo, como amante da reflexão, assumi no semestre passado desafios intelectuais bastante interessantes. Um deles foi orientar alguns…
Por Ângela Rodrigues
Como professora universitária e, sobretudo, como amante da reflexão, assumi no semestre passado desafios intelectuais bastante interessantes. Um deles foi orientar alguns trabalhos de final de curso de Moda que me permitiram acima de tudo reorientar minhas próprias idéias.
Através do universo da moda pude constatar mais de perto desafios instigantes no que diz respeito à decodificação da semântica de uma idéia materializada em um objeto que possa ser inserido num contexto valorativo. Ou seja, atribuir um valor – bonito, feio, kitscht , vanguarda – a quaisquer produções estéticas constitui hoje tarefa difícil, senão impossível. No caso específico da moda, isso se deve não só à pluralidade de referências visuais a que estamos expostos como também a uma variedade de discursos subjacentes a produções totalmente independentes das tendências apontadas pelo mercado e das propostas das passarelas.
Talvez isso explique o quase predomínio de avaliações totalmente desprovidas de interpretações. O resultado é, como não poderia ser diferente, contaminado por subjetividades que, quando respaldadas, tendem a virar referências, parâmetros. Sempre foi assim. A grande vantagem é que hoje, não se convence muito facilmente nem mesmo os desprovidos de criticidade e autonomia. Penso que avaliar algo, a partir de interpretações fundamentadas nas mais diversas fontes, é crucial para que possamos fazer justiça aos criadores. Contudo quanto mais se lê, se vê, se analisa quanto mais se elimina quaisquer ruídos que afetem nossa percepção do objeto mais nos damos conta da dificuldade de avaliá-lo objetivamente. Certamente em função dessa dificuldade, a compreensão da realidade em que criador e criatura estão inseridos, parece muito mais producente, especialmente para os designers de moda. Independentemente de divergências valorativas a compreensão de uma produção simbólica que desvela algo de um momento, de uma época, de uma fase, de uma sociedade já o torna, a priori, interessante digna de ser apreciada.
No que concerne à moda em particular, penso que hoje tem sido muito recorrente nos grandes eventos nacionais e internacionais avaliações do que se vê nas passarelas desprovidas de dados que nos permitam refletir sobre sua pertinência. Mesmo assinadas por especialistas penso que afirmações que se limitam a avaliar algo como arrojado ou mero déjá vu, é pouco, muito pouco.
Foi motivada por essas e muitas outras inquietações, que aceitei orientar a pesquisa da produtora de moda Marcela Versiani interessada em analisar o kitscht na moda atual, acreditando que sob a minha orientação, conseguiria explicar o conceito e avaliar algumas produções objetivamente. Claro que não conseguiria fazer isso, ainda mais sob a minha orientação.
Como meu papel era orientá-la e não doutriná-la, orientei que entendesse algumas particularidades da contemporaneidade globalizada a partir dos conceitos de tecnologias da informação, sociedade do conhecimento e obsolescência planejada. Meu intuito nesse momento era que essas reflexões preliminares culminassem na percepção do multiculturalismo inerente á globalização e não nas interpretações que negligenciam seu aspecto contraditório e dialético. Embora não tenhamos usado o neologismo glocalização foi possível constatar que ao aparente processo de massificação inerente à internacionalização do capital, emerge uma revalorização de culturas locais que demonstram cabalmente a vitória da heterogeneidade.
A partir dessa constatação, foi possível evidenciar que embora existam elementos da moda que são mundialmente aceitos, desejados, usados, tidos como parâmetro, existe também uma multiplicidade de referências que se materializam no vestuário de modo mais localizado. Considerando esse aspecto, discutia longamente sobre a forma como o encurtamento das distâncias promovido pelas tecnologias da informação nos remete aquilo que condiz com nossas expectativas. Se quisermos ver mais do mesmo, veremos, se buscarmos o diferente – não o exótico – também o encontraremos. Portanto, alimentar nossas expectativas com informações das mais variadas áreas é fundamental em qualquer área do conhecimento; no caso específico do profissional da moda que teoricamente busca novas tendências é altamente vantajoso, muito mais que categorizar o velho ou o novo como kitsh ou vanguarda, mimetismo ou produção realmente inovadora.
Apresento a seguir, rapidamente, o percurso intelectual que propus à minha orientanda, com o intuito de evidenciar as inúmeras armadilhas intelectuais a que estamos expostos, quando tendemos a conclusões precipitadas. Isso porque ao buscarmos uma definição para o conceito de kitsch nos deparávamos o tempo todo com definições que o reduziam apenas à negatividades, ao pejorativo o que obscurecia sua riqueza enquanto referência criativa.
Vimos que para alguns o kitscht é “[…] um ‘excitante vulgar’ para pessoas com aversão ao raciocínio” e que está intimamente ligado “a uma ideologia massificadora e hedonista, que exclui o pensamento individual e o substitui por um pensamento coletivo” (MERQUIOR, 2008, p.28).
Somando esta definição com afirmações que superestimam o poder da indústria cultural em ‘democratizar’ algumas referencias culturais em detrimento de outras, poderíamos inferir que o kitscht estaria ligado à propensão de uma parcela significativa de pessoas em se produzir a partir da miscelânea de informações visuais “organizadas” sob as prescrições mercadológicas. Vejamos. Sega (2006) acredita que a indústria cultural
apropria-se da globalização e elabora uma cultura de massa vinda dos países ricos, distribuída em escala planetária por meio de uma mundialização cultural baseada na troca de mercadorias e produtos culturais como cinema, CDs, telenovelas, moda, culinária, etc. Há dessa forma, um deslocamento do espaço geográfico e cultural, próprio da globalização, sinalizando a presença do kitsch. (SEGA, 2006).
Já Eco (apud BRITO JUNIOR, 2006) nos sugeriu a necessidade de revisão conceitual por demonizar o kitsch ao vinculá-lo apenas a uma cultura sem qualidade voltada para a comercialização. Diz ele que
(…) o Kitsch, antes de ser um produto espontâneo da arte de massa, vale-se das conquistas da arte de vanguarda, parasitando entre uma arte mais sofisticada e aberta e uma cultura de massa chã, rebaixando os procedimentos artísticos mais revolucionários, tornando-os mais comercialmente viáveis e aumentando a circulação deles através de obras comprometidas apenas com o sucesso comercial.
A origem etimológica de kitsch também o aproxima à trapaça, à enganação, o mantendo em sintonia com as idéias de Moles (2001) segundo o qual no século XXI a diminuição da distancia entre a fábrica e a lata de lixo, do berço e do túmulo, faz com que o objeto seja perpetuamente provisório, o que também seria uma nova modalidade Kitsch. Ele diz textualmente:
o Kitsch baseia-se em uma civilização consumidora que produz para consumir e cria para produzir, em um ciclo cultural onde a noção fundamental é a de aceleração. Digamos que o homem consumidor está ligado aos elementos materiais de seu ambiente e que o valor de todas as coisas altera-se em virtude desta sujeição. (MOLES, 2001, p. 20)
Se nos baseássemos acriticamente nessa literatura, teríamos inferido facilmente que a globalização traz consigo um comprometimento enorme da moda atual, e que o kitsch não poderia servir de referência criativa ao profissional da moda justamente por contrariar os princípios da criatividade, do ineditismo e da vanguarda.
Tendo isso em mente, o maior legado que penso ter deixado para minha orientanda foi o seguinte: é através da reflexividade, da abstração conceitual e de uma interpretação desprovida de preconceitos que a análise de qualquer temática é produtiva para quem busca referências criativas.
O resultado culminou na percepção mútua de que ao conceito de kitsch subjaz inúmeras positividades que puderam ser explicitadas a partir de alguns princípios tidos como referencias conceituais importantes por permitir formas mais abrangentes de interpretação do conceito. São eles: o princípio da acumulação, da inadequação, da percepção sinestésica, da mediocridade e do conforto (BERTOLOZZO; CARVALHO apud MERQUIOR, 2008).
Dito de forma esquemática podemos defini-los da seguinte forma:
a) o princípio da acumulação corresponde ao acúmulo de objetos com valor afetivo como roupas surradas, mas guardadas pela sua procedência;
b) o principio da inadequação refere-se aos objetos com formas e funções esdrúxulas presentes, por exemplo, nos desfiles conceituais de John Galliano e nas produções de Amy Winehouse;
c) o princípio da percepção sinestésica refere-se a um mesmo objeto capaz de despertar sensações referentes aos cinco sentidos como o faz por exemplo sandálias com aromas de frutados;
d) o princípio da mediocridade estabelece o meio termo entre o vagabundo e o elegante; podendo ser exemplificado com um look produzido com peças caras e raras misturadas a outras baratas e comuns;
e) já o princípio do conforto refere-se a objetos com necessidades culturais, tais como os adquiridos em viagens de turismo.
Mas, se o kitsch nos remete a tudo isso, não há como negligenciarmos a riqueza de referências visuais, simbólicas, afetivas, sensoriais que lhe é inerente. Sob essa perspectiva o kitsch pode assumir outra conotação com o processo de democratização da moda e da ausência de tendências rígidas. O “vale tudo” na moda atual pode sinalizar uma dificuldade em se definir parâmetros para se avaliar o que é vanguarda ou kitsch.
Se levarmos em consideração que o Kitsch é o excesso, o exagero, o muito usado ao mesmo tempo, a junção de informações culturais, sociais, midiáticas e afetivas, como desvencilhá-lo de alguns desfiles e produções conceituais? É possível? Como fugir de algo tão espontâneo? Tão humano? Como não percebermos sua relação com as particularidades da contemporaneidade? Como não traduzi-lo lindamente numa perspectiva pós-moderna? Se considerarmos a diversidade de opções, de referencias, de objetos a que estamos expostos e a necessidade de uma nova semântica que independe completamente do léxico tendencioso de algumas criações, estaríamos mais próximos do kitsch ou da vanguarda?
Dessa pesquisa resultaram mais inquietações que respostas, contudo, uma certeza preliminar me pareceu muito evidente ao termino da pesquisa: a redução do kitsch ao feio, ao brega, ao mau gosto, pode, assim como qualquer outra visão estereotipada, distanciar o criador de moda inclusive da vanguarda. Pensar que a valoração é improdutiva ainda que o gosto possa sempre ser lapidado, esse me pareceu o maior ganho intelectual da pesquisa.
Abraço a todos!
Ângela Rodrigues.
REFERÊNCIAS
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ITAU. Enciclopédia_Kitsch. Disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3798. Acesso em 14 abr 2008.
LUCCI, E. A. A Era Pós-Industrial, a Sociedade do Conhecimento e a Educação para o Pensar. Disponível em <http://www.hottopos.com/vidlib7/e2.htm>. Acesso em 22 mar 2008.
MOLES, A. O Kitsch: a arte da felicidade. São Paulo: Perspectiva, 1972.
SÊGA, C. M. P. A Estética na Sociedade Globalizada e Tecnológica. 2008. Trabalho apresentado ao NP de Publicidade e Propaganda – Universidade de Brasília, Distrito Federal.
SILVA, L. L. A ditadura da moda. Disponível em: . Acesso em 23 mai 2008.
UNICAMP, Jornal. Globalização e Comportamento. 2008. Fóruns permanentes – Unicamp, São Paulo.
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