Movimento Black Power: as origens históricas da luta civil contra o racismo
Sendo um dos capítulos mais revolucionários da nossa história, conheça com mais detalhes a origem, motivação e luta do Movimento Black Power.
A recente polêmica no BBB 21 envolvendo Rodolffo e João Luiz mostrou como ainda é urgente falar e entender melhor a questão do racismo na sociedade contemporânea.
No que diz respeito ao empoderamento e resistência contra a subjugação histórica da comunidade negra, o Movimento Black Power é um dos mais cruciais de todos os tempos.
Antes de mais nada, o Black Power vai muito além de um estilo de cabelo chamativo e simbólico. Afinal, esse foi um movimento que, nascido nos Estados Unidos nos anos 60, deu voz ao orgulho negro e possibilitou a criação novas instituições políticas e culturais.
Assim, essa, que não é uma história de modismos ou tendência, foi a principal base de um movimento revolucionário que abriu caminho para uma profunda mudança no Ocidente.
Desse modo, aqui, conheça com mais detalhes o que foi o Movimento Black Power e o seu papel no combate ao racismo.
- Depois, veja também, Cabelo Black Power: um importante símbolo da luta do movimento negro. BBB 21: Quem é João Luiz do time Pipoca?
- Leia também sobre KAMALA HARRIS, a 1ª vice-presidente negra dos EUA. Aproveite e nos siga no Google News para para saber tudo sobre Moda, Beleza, Famosos, Décor e muito mais. É só clicar aqui, depois na estrelinha 🌟 lá no News.
Antecedentes do Movimento Black Power
Grande parte dos países do continente americano que foram ex-colônias tiveram que lidar no século XX com o peso dos resquícios da escravidão. Nesse sentido, o Brasil e os Estados Unidos são os maiores exemplos.
Entretanto, nos dois territórios a questão do racismo e da integração da comunidade negra livre se desenrolou de maneiras muito distintas.
Os dois países foram os que mais receberam africanos escravizados, tendo apenas proibido a escravidão na segunda metade do século XIX. Até então, as grandes plantações de cana-de-açúcar no Brasil e de algodão nos Estados Unidos se haviam sustentado com a mão de obra escrava.
Ao contrário do Brasil, onde a miscigenação foi comum e o racismo mais dissimulado – ainda que, mesmo assim, muito presente e forte, nos EUA a segregação racial foi uma prática comum até meados do século XX.
Não por menos, foi nesse país que o movimento de defesa dos direitos da população negra surgiu com maior força. De lá, viria então a revolucionar o mundo.
Sobre a escravidão nos EUA, em seguida leia:
- O Tecido de Algodão: história da fibra natural mais usada na moda.
- História de Sarah Breedlove – A filha de escravizados que se tornou a primeira mulher milionária.
Segregação Racial
“Eu tenho um sonho: o de que, um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos senhores de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade.” (Famoso discurso de Martin Luther King).
Em resumo, a segregação racial se baseia na separação entre grupos de indivíduos dentro de uma sociedade por meio da ação do próprio Estado. Nos EUA, a política pública foi segregar a população negra, que viveu por várias décadas marginalizada e limitada pelas restrições então impostas de cima para baixo.
As primeiras tentativas de implementar políticas segregacionistas no país seguiram logo após a Guerra Civil americana (1861-865), logo nos finais da década de 1860.
As restrições e leis que passaram a regulamentar a segregação como política oficial do Estado foram apenas enrijecidas e reforçadas com o passar dos anos.
Demoraria muito tempo para que essa história começasse a mudar. Afinal, essas práticas começaram a ser mais diretamente contestadas com os movimentos de reivindicação dos direitos civis de negros americanos nos anos 60 e 60.
Dentre eles, um dos mais representativos foi o Movimento Black Power.
- Para ver mais imagens desse período, veja aqui.
As leis que davam base à segregação
As chamadas Leis de Jim Crow, como ficaram conhecidas, foram leis estaduais e locais que regiam a segregação racial nos EUA. Elas estiveram em parte ativas até 1965, portanto, quando explodiu o movimento pelos direitos da população negra.
Dessa maneira, entre as restrições que duraram por décadas estavam:
– a limitação do acesso ao transporte público – os negros só podiam ficar em um vagão específico ou no fundo dos ônibus.
– além disso, banheiros e bebedouros separados para brancos e negros.
– do mesmo modo, entradas diferentes para brancos e negros.
– restaurante e comércios que não aceitavam atender pessoas negras.
– escolas separadas para brancos e negros.
- Fremon, David (2000). The Jim Crow Laws and Racism in American History. Enslow.
Ku Klux Klan – A organização terrorista inspirada nos ideais de supremacia branca
Na mesma altura das primeiras leis segregacionistas foi criada a seita Ku Klux Klan (sigla KKK), em 1865. A organização terrorista surgiu no Tennesse inspirada nos ideais de supremacia branca.
O seu principal alvo eram os negros libertos pela 13ª Emenda à Constituição dos EUA. Contudo, atingia inclusive os brancos que os defendiam.
A princípio, a polícia nacional buscou controlar as primeiras ações violentas do grupo contra os negros. Todavia, ela voltou com força no início do século XX.
Ao ganhar muitos membros e recebendo respaldo por parte do poder público (mesmo que não oficial), a seita seguiu em atividade por muito tempo.
Entre as suas ações se destacam a morte de indivíduos negros por espancamento e enforcamento. O grupo chegou a ter milhões de adeptos no Estados Unidos, o que demonstra como o ódio racial estava disseminado no país.
Além disso, ao que o Movimento Black Power estava a se confrontar nos anos 60.
Surgimento do Movimento Black Power
Ainda que o termo Black Power se tenha popularizado na década de 60, ele tem várias origens. O primeiro registro do seu uso pode ser rastreado em 1954, quando o autor Richard Wright publicou o livro de não-ficção intitulado “Black Power”.
Acima de tudo, o Movimento Black Power enfatizava mais a autoconfiança e a autodeterminação negra do que propriamente a sua integração na sociedade branca. Ou seja, os seus defensores acreditavam que os afro-americanos deveriam assegurar os seus direitos civis, mas principalmente criar organizações políticas e culturais especificamente voltadas para eles (escolas, negócios, etc). Assim, que atendessem a seus interesses.
Nesse sentido, o que mais pregavam é que os negros tivessem orgulho de como eram, da sua comunidade, e que não tivessem mais que ser humilhados como até então tinham sido.
Em outras palavras, eles se concentraram em combater séculos de humilhação, demonstrando abertamente o autorrespeito e o orgulho racial, bem como celebrando as realizações culturais dos negros em todo o mundo.
Com essa finalidade, um dos seus principais fundamentos foi a valorização dos seus atributos físicos e de uma estética própria, onde se incluía com destaque a exposição livre do cabelo natural afro.
O Partidos dos Panteras Negras
“Nós não odiamos ninguém por causa da cor. Nós odiamos a opressão.” (Bobby Seale).
O Black Panther Party for Self Defense (Partido dos Panteras Negras para Autodefesa) foi fundado em 1966 em Oakland, Califórnia, tendo se tornado a organização de militantes do Black Power mais influente da época.
Seus membros, com uma posição mais firme, enfrentaram políticos e desafiaram a polícia com o intuito de proteger os cidadãos negros das injustiças e violência que sofriam. Por outro lado, os programas de serviço comunitário do partido, chamados de “programas de sobrevivência”, forneciam alimentos, roupas e transporte à população negra.
Mais do que integrar os negros à sociedade americana, os Panteras Negras quiseram mudá-la profundamente. Para eles, o Black Power era uma revolução global.
Além disso, o partido era formado por muitas mulheres, que constituíam cerca da metade dos seus membros e desempenhavam papéis de liderança. Dessa maneira, os membros da organização também lutavam para superar a desigualdade de gênero.
Claro, enfrentando muita resistência policial e do Estado, não foi sem violência que o grupo pôde agir.
Poder a partir da imagem: o cabelo Black Power
Dessa maneira, o cabelo Black Power, o estilo icônico que se popularizou nessa mesma altura, se tornou um dos principais símbolos do movimento. Antes de nada mais, ele representava a aceitação do cabelo afro natural, que mais do que nunca passava a ser valorizado dentro de sua beleza singular.
Bom, o estilo não surgiu sem muitas críticas e resistência. Afinal, até muito recentemente quase não era possível encontrar bonecas negras e tampouco identificar atores negros na televisão e no cinema – muito menos fora de papéis clichês, como a empregada doméstica, o motorista, etc.
Essa falta de representatividade é um prenúncio claro de que muita coisa segue estando errada.
Mesmo no Brasil podemos ver como o racismo ainda está muito presente, como no caso dos ataques de comentários racistas destinados às apresentadoras negras dos telejornais.
Ou seja, o cabelo Black Power foi e continua sendo um símbolo de luta e de resistência, mas principalmente de valorização da identidade da população negra.
Grandes figuras do Movimento Black Power
Nas primeiras décadas de existência do movimento negro americano houve personalidades de grande projeção e peso político. Personalidades essas que também se tornaram icônicas para o movimento da população negra em outros países do mundo, como no Brasil.
Nesse sentido, três das principais figuras dentro do Movimento Black Power foram Malcom X, Stokely Carmichael e Angela Davis.
Malcom X
Acima de tudo, a principal inspiração por trás de grande parte do Movimento Black Power foi o pensamento e ação de Malcolm X (1925-1965). A partir de então, ele se distanciava do discurso pacifista do pioneiro da luta pelos direitos civis Martin Luther King (1929-1968).
Afinal, a análise histórica e os discursos poderosos desse jovem líder impressionaram tanto os apoiadores do movimentos como os seus opositores.
Malcom X foi até 1964 o principal porta-voz do grupo Nação do Islã. Foi nesse ano ele viajou para a Meca ano e, desde então, voltou mais determinado sobre as mudanças sociais que os Estados Unidos precisariam, bem como sobre a ação para consegui-las.
Ele via o movimento de liberdade afro-americano como parte de uma luta internacional pelos direitos humanos e o anticolonialismo. Apesar do seu assassinato logo em 1965, a sua memória então continuou a inspirar a maré crescente do Movimento Black Power.
Stokely Carmichael
Em 1966, Stokely Carmichael deu um novo tom ao movimento pela liberdade negra quando clamou pelo “Black Power”. Assim, Carmichael foi o primeiro a usar o termo como um slogan político de forma tão pública.
Desde então, baseando-se em longas tradições de orgulho racial e nacionalismo negro, os defensores do Black Power ampliaram e melhoraram as conquistas e táticas do movimento de direitos civis.
Ao invés de se contentarem com direitos legais e a sua integração na sociedade branca, eles exigiram o seu poder cultural, político e econômico. Como resultado, o objetivo era fortalecer as comunidades negras para que elas pudessem determinar o seu próprio futuro.
Angela Davis
A educadora e professora marxista americana Angela Davis, uma das principais referências do movimento feminista, foi uma das principais figuras do movimento negro na década de 60 e 70 nos EUA.
Quando Angela era pequena, a Ku Klux Klan era umas das organizações mais populares. Assim, lutar contra aquilo que representavam se tornou o grande foco da sua luta. Afinal, em um dos atentados da Klan a jovem líder negra se viu diretamente afetada: em 1963, 4 jovens amigas foram mortas na explosão de uma igreja em Birmingham, sua cidade natal.
Ela, mulher, negra, comunista e ativista, era um alvo certo da polícia e dos grupos ultra-conservadores. Dessa maneira, não por menos, no princípio dos anos 70, o FBI perseguiu Angela como um dos criminosos mais perigosos dos EUA.
Como resultado, a polícia acabou por condená-la e prendê-la mesmo sem provas. A reação à sua prisão foi intensa, e centenas de comitês pela libertação de Angela Davis criaram um verdadeiro movimento cultural por todo o país.
Posteriormente, Angela Davis ressurgiu com força como ativista e intelectual de referência tanto para o movimento negro como para o movimento feminista.
- Entre os livros de Angela Davis, está Mulheres, raça e classe (2016); Mulheres, cultura e política (2017); A liberdade é uma luta constante (2018); Angela Davis: Uma autobiografia (2019).
O Movimento Negro no Brasil
O Movimento Negro no Brasil é formado por distintos movimentos sociais afro-brasileiros que se organizaram principalmente na segunda metade do século XX. Embebido naquilo que vinha acontecendo fora do país, principalmente nos EUA, as conquistas aqui seguiram sempre a passos lentos. Afinal, enfrentou resistência de uma sociedade ainda muito conservadora e mal resolvida com o seu passado e presente racista.
Acima de tudo, o mito da “democracia racial” da ditadura militar nunca chegou a ser mais que isso, um mito.
Foi apenas em 1978 que o movimento começou a tomar mais corpo, quando após uma grande manifestação foi criado o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). Se seguiu em 1984 a criação do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra.
Por fim, a discriminação racial foi criminalizada na Constituição brasileira de 1988.
Os anos que seguiram até os dias de hoje trouxeram muitos avanços, principalmente no que diz respeito à representatividade e valorização da identidade negra no Brasil, que tem sido reforçada com o importante trabalho de diferentes intelectuais.
- Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz. ENCICLOPÉDIA NEGRA Biografias afro-brasileiras. Companhia das Letras. 2021.
Legado do Movimento Black Power
Logo no final dos anos 70 o movimento Black Power começou a enfrentar o seu declínio, mas o seu impacto continuou pelas gerações vindouras. Afinal, enfatizando a identidade e orgulho negro, o Black Power influenciou absolutamente tudo. Desde a cultura popular até a educação e a política pública.
Do mesmo modo, o desafio do movimento às desigualdades estruturais inspirou outros grupos.
Mais recentemente, o seu legado junto com outros da luta por direitos civis foram sentidos por meio do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Contam). Embora esse movimento se concentre mais na reforma da justiça criminal, ele canaliza o espírito dos movimentos anteriores.
Como? Em seus esforços para combater o racismo sistêmico e as injustiças sociais, econômicas e políticas que continuam a afetar os negros americanos. Está claro que que urge fazermos o mesmo no Brasil.
Por Mariana Boscariol.
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