Na História da Moda, se denomina Império o estilo compreendido entre 1800 e 1820. Longe dos espartilhos, da cintura muito marcada e dos ornamentos exagerados dos períodos anteriores, a Moda Império foi uma expressão dos novos tempos, tendo de fato marcado uma nova era.
Como surgiu a Moda Império?
O final do século XVIII na Europa abrigou um dos episódios mais importantes na transição do mundo moderno para o contemporâneo. Afinal, a Revolução Francesa, período de grande instabilidade política e social que eclodiu na França entre 1789 e 1799, fez o regime da monarquia absolutista entrar em colapso.
Antes de mais nada, essa ruptura com o sistema vigente trouxe grandes mudanças à sociedade.
O contraste dessa época com os séculos anteriores foi mesmo gritante.
Em outras palavras, a sociedade da época viveu uma grande transformação: tanto no que diz respeito à vida política, como aos hábitos do cotidiano, ao consumo e, consequentemente, também ao estilo das roupas.
A Revolução Francesa
Acima de tudo, essas mudanças não ficaram reclusas à França. Ou seja, os efeitos da revolução tiveram repercussão em toda a Europa, e de lá se expandiram para as colônias nas Américas.
Mas, o que causou a revolta? A insurreição popular foi gerada principalmente pela não aceitação da desigualdade entre as camadas sociais, representados pela opulência e ostentação da nobreza francesa.
Como resultado, os privilégios feudais, aristocráticos e religiosos foram diluídos em meio aos gritos de Liberté, Égalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade). Nesse sentido, entre as conquistas mais importantes desse período está a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
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O período napoleônico
Nesse cenário, Napoleão (1769-1821) surgiu como principal líder militar da revolução. Como resultado, após o fim do conflito, em 1799, ele assumiu a função de primeiro cônsul da recém-instalada república. Entretanto, ele apenas foi coroado imperador em 1804, posição que manteria até 1821.
O governo de Napoleão trouxe muitas mudanças para a França e os territórios sobre a sua interferência. Além disso, o país havia sido e seguia sendo um grande modelo para o mundo, lançando tendências culturais, intelectuais e artísticas que se espalhariam para muito além da Europa.
Não foi diferente com a moda. Até o final do século XVIII a moda francesa era muito exagerada e exuberante. Por certo, já viram a imagem de Luis XVI e Maria Antonieta, os monarcas que estavam no poder quando iniciou a revolução?
Até então dominavam o luxo e a extravagância, que seriam substituídos por um estilo mais simples e prático.
Ou seja, quando assumiu o poder, Napoleão buscou quebrar por completo com a imagem do período anterior. Para tanto, buscou também promover um gosto e uma estética muito distintos.
Desse modo, o imperador passou a incentivar cada vez mais o estilo Neoclássico, marcando época tanto no que diz respeito à arquitetura e à arte, como também à moda.
- Para saber mais sobre o tema, leia Bourhis, K. The Age of Napoleon: Costume from Revolution to Empire, 1789–1815. Metropolitan Museum of Art, 1989.
- Sobre uma análise mais detalhe da moda do período, veja aqui.
A Imperatriz da França e a Moda Império
Assim, seguindo o estilo Neoclássico, a Moda Império logo veio a cair no gosto popular.
Em geral, ela trazia vestidos mais leves e soltos, em tons claros, com mangas surpreendentemente curtas – afinal, até então os braços sempre eram cobertos, mesmo no verão.
- A seguir, leia mais sobre o estilo clássico em As Deusas Gregas: uma inspiração para o mundo da arte e da moda.
Claro, havia uma distinção entre os vestidos de dia e de noite, que eram um pouco mais pesados e ornamentados. Além disso, os vestidos para ocasiões especiais eram feitos com mais requinte. Ainda assim, seguiam o mesmo padrão da cintura na altura do busto, saia solta e longa, decote acentuado e mangas curtas.
Mesmo que essa moda já houvesse surgido na segunda metade do século XVIII, foi no princípio do século XIX que ela se disseminou de vez.
Uma das principais influenciadoras para a adoção do estilo foi justamente a primeira mulher de Napoleão, a Imperatriz Joséphine de Beauharnais (1763-1814) – por isso mesmo da sua denominação, a silhueta Império.
Joséphine foi muito retratada no período, tendo assim ajudado a espalhar o gosto por esse estilo pela Europa.
Para além do vestido mais simples, claro e confortável, as mulheres passaram a usar uma espécie de longo xale retangular. Afinal, ele ajudava tanto a dar um pouco mais de recato como a proteger a pele em climas mais frios.
- Veja mais sobre o tema aqui.
Características da Moda Império
Dessa maneira, a nova tendência fugia da grandeza e excesso das roupas e acessórios próprios do século anterior.
Acima de tudo, o que mais marcava a Moda Império era um corpete mais curto, que se ajustava a parte superior do corpo da mulher e terminava logo abaixo da linha do busto.
A saia começava logo a partir desse recorte, indo desde abaixo do busto até os pés. Assim, dava a impressão de um corpo com menos curvas, mais volumoso e longo.
Além disso, por debaixo do vestido eram usadas anáguas volumosas, que ajudavam a dar um pouco mais de estrutura ao modelo.
Também chamada de “silhueta império”, “linha império”, “cintura império” ou mesmo apenas “Império”, o estilo era especialmente favorecedor àquelas com o corpo mais volumoso na parte inferior. Afinal, a saia solta a partir do busto ajudava a disfarçar a barriga e o quadril, além de alongar o corpo.
Assim como a moda infantil da época era como uma versão em miniatura da roupa dos adultos, meninas de todas as idades eram vistas com esse mesmo estilo de vestidos.
A maior diferença é que para as mais pequenas não havia a delineação do busto, marca que aparecia quando elas já eram um pouco mais crescidas.
- Em seguida, leia também História da Roupa Infantil: a moda para crianças até o século XIX – Parte 1 /2.
- Depois, veja A Moda Infantil do Século XX: a evolução do setor ao longo das décadas – Parte 2 / 2.
A Moda Império na Inglaterra
Seguindo a tendência francesa, o estilo foi amplamente adotado na Inglaterra – sendo por lá referido como estilo “Regency” (Regência).
Contudo, o período regencial foi na verdade curto. Ele durou de 1811 a 1820, quando o Príncipe George IV (1762-1830) teve que governar no lugar do seu pai, Rei George III (1738-1820), que sofria com sérios problemas de saúde.
De qualquer forma, ainda que esse seja entendido como o período oficial do estilo, ele já havia se propagado em território inglês ao redor de 1795.
Ou seja, assim como na França, não há um período exato de quando o estilo começou e deixou de ser usado.
Acima de tudo, a circulação da moda entre os dois países é impressionante, já que nesse período eles estavam em plena guerra. Afinal, a invasão de Portugal pelo exército napoleônico, que culminou na mudança da família para o Brasil em 1808, foi justamente motivada pelas suas relações com a Inglaterra, inimiga da França.
O gosto inglês
Seja como for, apesar dessas divergências, as inglesas também passaram a usar o estilo. Para tanto, davam preferência ao branco, cor que denotava uma certa condição social.
Todavia, não eram todas as mulheres que podiam se dar ao luxo de comprar o modelo em branco, que acabava por sair muito caro.
O estilo também se tornou popular na Inglaterra por meio de algumas personalidades.
Dentre elas, Emma, conhecida como Lady Hamilton (1765-1815), uma modelo e atriz que foi musa dos retratos pintados por George Romney.
Além dela, a escritora Jane Austen (1775-1817), autora do clássico Orgulho e Preconceito, também foi registrada com o estilo.
Assim como as caricaturas da época, nos seus livros Austen retratava os costumes antiquados da sociedade com sarcasmo. Não por menos ela adotou a Moda Império, muito mais confortável e simples do que aquilo que as mulheres vestiam até então.
A Moda Império no Brasil
Ainda que esse novo estilo de roupas tenha surgido na Europa, podemos ver os seus ecos também no Brasil. Afinal, com a invasão de Portugal pelo exército napoleônico em 1808, a família real havia se mudado em peso para o Rio de Janeiro.
Com ela e os nobres que a seguiram, vieram também as novas tendências europeias, que até então não estavam muito difundidas pelo território.
Encontramos registros dessa moda, por exemplo, em retratos da rainha Carlos Joaquina (1775-1830) e suas filhas, além da primeira imperatriz do Brasil, Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), mulher de D. Pedro I (1798-1834).
Assim, em versões mais casuais ou formais, vemos que a Moda Império era a preferida das mulheres nobres no Brasil durante as duas primeiras décadas do século XIX.
Declínio da Moda Império
Nas duas primeiras décadas do século XIX, o estilo mais difundido era o desenho mais simples da Moda Império, com a sua cintura alta, tecidos claros e fluídos. Entretanto, as influências neoclássicas foram pouco a pouco caindo em desuso.
A cintura foi sendo readaptada, vindo a marcar mais a cintura natural e o quadril. Além disso, voltaram a estar em voga cores mais fortes e chamativas, que destoavam muito do branco, bege e creme.
As mulheres também voltaram a usar mais acessórios, já que elas os haviam deixado de lado por não combinarem com a simplicidade do estilo império.
Releituras da Moda Império
Como aconteceu com outros estilos clássicos, o estilo império também foi recentemente reinterpretado pela indústria da moda.
Contudo, com quase dois séculos desde o seu surgimento, o modelo sofreu muitas adaptações.
Nesse sentido, o exemplo mais representativo é o dos vestidos lançados na década de 60. Muito mais curtos, com cores e estampas coloridas e alegres, a cintura império aparecia em peças favorecedoras e descontraídas.
Já uma das inspirações mais recentes para que a Moda Império ressurgisse foi o lançamento do filme Emma, em 2020.
O filme, inspirado no romance de mesmo nome de Jane Austen, trouxe um cenário fabuloso da era Georgina. Do mesmo modo, reviveu figurinos espetaculares da época Império criados pela estilista Alexandra Byrne.
Além disso, outra produção a explorar o estilo é a série da Netflix chamada Bridgerton, também lançada em 2020. Desde então, com o sucesso da produção, foram lançados modelos de roupa mais modernos com inspiração na Moda Império.
Assim, nesse estilo, continuam a ser fabricadas tanto peças mais curtas e informais até vestidos de festa mais trabalhados.
Esse é um exemplo claro de como o cinema influencia a retomada de tendências do passado, que acabam por ganhar nova vida com cortes e tecidos atuais e despojados.
E que não pare por aí, pois o resultado é mesmo incrível!
Por Mariana Boscariol.
Em seguida, veja também:
- História do Vestido de Noiva: Da antiguidade ao século XIX (Parte I).
- As Deusas Gregas: uma inspiração para o mundo da arte e da moda.
Por fim, leia todos os artigos da série Trajes Históricos:
Modelo original e um atual.