Fotografia de Moda: A imagem e o objeto do desejo – Parte 1/4

Iniciando uma série de 4 artigos, conheça melhor os conceitos fundamentais e o embasamento teórico que permeiam o estudo da Fotografia de Moda.

Em um mundo onde o apelo midiático e a exposição da imagem é tão forte, conheça um pouco sobre alguns conceitos e teorias de análise para o estudo da Fotografia de Moda. Um universo muito mais complexo do que a primeira vista pode parecer, sendo que, para além da função estética, serve como documento histórico e de memória individual e coletiva.

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ModaLisboa – Lisboa Fashion Week. Crédito: ModaLisboa Fonte: Wikimedia commons.

 

As raízes da Fotografia de Moda

“Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua“política geral” da verdade: Isto é, os tipos de discursos que ela aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que possibilitam distinguir entre afirmações verdadeiras e falsas, o meio pelo qual cada valor é sancionado…” (Michel Foucault em Rabinow 1984:73).

 

Foto: Cláudio Cammarota

 

Estudos recentes sobre as imagens fotográficas se deparam com a dificuldade em definir o que é a fotografia. Além disso, é complicado dizer a que classe de objetos ela pertence, e distinguir dentro do grupo de imagens uma tipologia que a classifique através de seus dispositivos técnicos, sua forma de representação e diversidade de uso.

Desde a sua aparição, a sociedade tem entendido a fotografia como um testemunho da verdade. Ou seja, a foto capta fragmentos visuais da realidade ao registrar as atividades do homem e da sua ação sobre a natureza. Sendo assim, é passível de ser base de análise de qualquer uma das ciências humanas.

 

A modelo internacional Alessandra Berriel posando com a camiseta oficial da campanha “O Câncer de Mama no Alvo da Moda”, 1995. Fonte: Wikimedia commons.

 

Acima de tudo, ela sempre se prestou aos mais diferentes usos. Afinal, as fotos foram e continuam sendo um poderoso instrumento de difusão de idéias.

Desse modo, a depender do seu fim, as imagens podem inclusive causar a manipulação da opinião pública: o fragmento selecionado da aparência das coisas, das pessoas e dos fatos nos é imposto através da grande credibilidade que se dá à fotografia.

Como tal, é como se o fato tivesse sido congelado num dado momento.

 

A civilização da imagem 

 

Campanha publicitária de moda e confecções Caron, Portugal. Crédito: Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian. Fonte: Flickr.

 

A fotografia faz parte da civilização da imagem. Esta civilização começou a se delinear no momento em que a litografia, ao reproduzir em série as obras de artistas do princípio do Oitocentos, inaugurou o consumo da imagem enquanto produto estético de fundo artístico e documental.

Nesse sentido, Vilém Flusser (2002) define que as imagens são mediações entre o homem e o mundo. Assim, têm o propósito de representar o mundo, inserindo e guiando o homem no universo e na lida com a natureza.

Para complementar essa ideia, Kossoy (2002) afirma que, quaisquer que sejam os conteúdos das imagens gravadas nas fotografias, devemos considerá-las sempre como fontes históricas de alcance multidisciplinar.

 

A fotografia de moda: documento e representação

 

Marylin Monroe como modelo antes da fama. Fonte: Wikimedia commons.

 

Porém, a análise da fotografia, que é diferente de sua apreciação, parte do princípio de que a imagem tem realidades próprias. Por um lado a do documento, que capta e fixa uma parte da realidade. Em segundo lugar, a construída,  que é codificada em seus planos de montagem e em sua estética, sendo um elo material do tempo e do espaço representado.

Seja como for, a fotografia é um documento de seu tempo. O que reincinde, assim, na função histórica documental desse objeto. Ou seja, além de registrar fragmentos, ela serve como registro das maneiras de ver o mundo. É, portanto, uma fonte rica para o estudo da memória.

 

Entre símbolos e silêncios

 

Toda foto é portadora de significados não explicitos e de omissões calculadas pelo seu autor. Toda e qualquer obra fotográfica só existe enquanto objeto de seu tempo, tendo uma função estética e social plena a partir da sua decifração. Em outras palavras, nós devemos “ler” a sua informação a partir do seu contexto, do tempo e do espaço em que o registro se deu.

Para tanto, cabe ao estudioso das imagens desmontar a construção por trás dos testemunhos fotográficos. Decifrar sua realidade interior, sua trama, sua ficção e as realidades que documenta.

Nesse sentido, é crucial conhecer a finalidade da sua produção.

 

High Tech Moda. Crédito: Alejandro Vásquz. Fonte: Flickr.

 

Barthes (1984) nos fala da fotografia como sendo o objeto que sempre se encontra no gesto da designação, o gesto que aponta com o dedo e indica o que se deve ver – o seu referente, o punctum fotográfico. Para ele, a fotografia pertence à classe dos objetos que se distinguem pela dualidade: aquilo que se pode conceber e o que se pode perceber.

Para tanto, o autor sempre constrói a fotografia dentro de um sentido estético. Como um objeto que pretende criar empatia no espectador.

 

Fotografia de moda – a imagem e o objeto de desejo

 

É neste espaço teórico que colocamos o nosso estudo. Primeiramente, buscamos decifrar a finalidade socializadora das fotografias de moda, fonte de referência para este ou aquele uso de uma maneira de vestir.

Em segundo lugar, queremos entender como elas remetem à memória de vivencias e a desejos de vinculação afetiva a um certo grupo. Por último, decifrar como as fotos orientam as marcas, os usos, os locais de compra e o preço de produtos de moda.

Aqui, para estudarmos a fotografia de moda, nos valemos da teoria de Roland Barthes (1979, 1980, 1984), Boris Kossoy (2001, 2003), Vilém Flusser (2002) e Susan Sontag (2004). Sendo, para tal fim, tipificada entre as funções de imagens de fotojornalismo de moda, fotografia publicitária pedagógica, fotografia publicitária de marca e fotografia de editorial de moda.

 

O fotojornalismo de moda

 

O fotojornalismo de moda pontua os novos modos de vestir, os quais definem se alguém está dentro ou fora do modelo proposto pelo sistema de moda para cada estação. Além disso, marcam se o indivíduo está ou não de acordo com a referência do que cada grupo social deseja manifestar.

Uma vez que o jornalismo é o documentário e o comentário do fato social, na moda se trabalha com imagens que registram o surgimento de novos padrões nas passarelas, nas mídias e nas ruas. Dessa maneira, este tipo de imagem é sempre um documentário que vem com um comentário conciso.

Ou seja, é mais uma composição gráfica do que matéria de texto.

 

Imagem : Blog Moda Sem frescura

 

É por este motivo que a análise das fotografias de moda acaba por cair em categorias que horas são técnicas, históricas ou ainda sociológicas. Afinal, ela impõe aos corpos um valor moral do que é certo ou errado quanto ao vestir. Desse modo, outros corpos também vestidos pontuam estados de pertencimento ou dissidência grupal.

 

A fotografia de moda, registro de tendências e crítica

 

Seja como for, uma foto é sempre invisível. Não é ela que se vê, e sim o referente que à ela se adere. Nesse sentido, os desfiles de moda trouxeram uma nova elegância, que por conseguinte passou a ser confirmada pelos ícones midiáticos de determinada comunidade.

Antes de mais nada, ela informa ainda sobre o uso cotidiano daquela moda pelas pessoas comuns. Com isso, a fotografia mostra o rearranjo de peças e acessórios de estações passadas, apontando o quê as pessoas devem destacar dentro daquele código de elegância.

 

Fotografia de moda. Crédito: Tomasz Kobiela. Fonte: Flickr.

 

Como resultado, o fotojornalismo de moda, ao definir o que está dentro e fora da moda, acaba por ser o primeiro termômetro da inserção social do indivíduo na cultura do seu grupo. Para tal fim, estar de acordo com certo padrão significa pertencer, e estar fora dele é estar excluído.

 

A fotografia de moda e as suas muitas leituras

 

Barthes (1979, 1984) fala que a fotografia reflete duas linguagens, uma expressiva, representada por aspectos formais, e outra crítica, condutora de sentidos. Dentro dessa crítica existem vários discursos: o da sociologia, o da semiologia, e o da psicanálise.

Assim, o autor lembra que (1984:14) o traço fundamental sem o qual não existiria a fotografia é a sua capacidade de ser uma imagem que provoca interesse. Em outras palavras, uma imagem que mobiliza o sentimento do espectador, se comunicando por intencionalidade afetiva.

É preciso confirmar, a fotografia de moda em nada foge desta regra.

 

Por Queila Ferraz

 

 

 

Crédito: Igor Alecsander

 

 

Imagem: Vogue América sobre o estilista Paul Poiret

 

 

Blog The Moon Propaganda.

 

Queila Ferraz: Queila Ferraz é historiadora de moda e arte, especialista em processos tecnológicos para confecção e consultora de implantação para modelos industriais para a área de vestuário. Trabalhou como coordenadora Geral do Curso de Design de Moda da UNIP, professora da Universidade Anhembi Morumbi e dos cursos de pós-graduação de Moda do Senac e da Belas Artes.

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