História da Propaganda – A Publicidade também chegou com Dom João

A vinda da família real, há 200 anos, lança o Brasil no capitalismo – e dá início a um dos mais vibrantes mercados publicitários do planeta

Exame – Por Daniel Hessel Teich

Via site Mercado  Competitivo.

A chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em março de 1808, é um marco sob vários aspectos. Foi a senha para a abertura dos portos brasileiros ao comércio exterior, para a implantação do primeiro banco da colônia e para a instalação das primeiras instituições de ensino de nível superior. Com dom João, o Brasil nascia como país. E como mercado.

Em meio à onda de novidades que desembarcaram com os nobres lusitanos, do florescimento do comércio à intensificação da vida em sociedade, eis que surge a publicidade. Os anúncios de produtos e serviços passaram a existir formalmente no Brasil com o primeiro jornal escrito e impresso no país, a Gazeta do Rio de Janeiro, editado pela Imprensa Régia a partir de setembro de 1808.

A data exata do nascimento é motivo de divergência entre estudiosos do assunto. Um grupo defende o dia 10 de setembro, quando circulou a primeira edição do jornal, com um anúncio de dois livros publicados pela própria Imprensa Régia. Como se tratava de uma comunicação feita pelos editores do jornal, a maioria dos estudiosos despreza esse anúncio e aponta outro como precursor, publicado uma semana depois. Em um singelo texto de quatro linhas encimadas pela palavra “Annuncio”, Anna Joaquina da Silva oferecia “uma morada de casas de sobrado com frente para Santa Rita”. À parte a polêmica, o fato é que, com a Gazeta, o país passou a ter seu primeiro veículo para a divulgação de mensagens publicitárias — o Correio Braziliense, publicado em Londres desde março de 1808 e tido oficialmente como o primeiro jornal brasileiro, não publicava anúncios. “Até a Gazeta, a única forma de publicidade que existia no Brasil eram cartazes rudimentares escritos a mão e os pregões dos comerciantes nas ruas”, diz José Roberto Whitaker Penteado, um dos autores do livro Propaganda no Brasil — Evolução Histórica, editado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

COM SEU MODESTO ANUNCIO no estilo dos classificados, o país entrava timidamente em um universo que já fervilhava em outros países. Na Inglaterra, os primeiros anúncios foram publicados nos jornais em 1650. Nessa época, um diário de Londres tinha em média seis anúncios. Cem anos depois, em 1750, já eram mais de 50 por edição.

No início do século 19, jornais ingleses, como a London Gazette, anunciavam companhias de navegação, peças teatrais, corridas de cavalos, serviços de médicos e dentistas e produtos como a Tinta em Pó de Holman — “um tablete dissolvido em água rende 1 pint (568 mililitros) de tinta”, dizia o fabricante. Segundo escreve o historiador Peter Burke em seu livro História Social da Mídia, a Tinta em Pó de Holman, patenteada em 1688, foi provavelmente o primeiro nome de marca de um produto a aparecer numa peça de publicidade.

Nos Estados Unidos, ainda divididos nas 13 colônias originais, o primeiro anúncio foi publicado em 1704, no jornal Boston Newsletter — curiosamente, também um anúncio imobiliário, referente a uma propriedade em Long Island, perto de Nova York. Em 1729, ao comprar o Pennsylvania Gazette, na cidade de Filadélfia, Benjamin Franklin, um dos pais da nação americana, destinou várias páginas do jornal ao que chamava de new advertisements. Ali eram anunciados basicamente serviços de artesãos e comerciantes e o movimento dos navios nos portos americanos. Nessa época, as grandes cidades da Europa e da América do Norte experimentavam aquilo que Burke define como “nascimento da sociedade de consumo”.

No Brasil, fenômeno parecido só aconteceu depois da segunda metade do século 19, com o país já independente de Portugal. Segundo o professor de história do Brasil na Universidade de Paris-Sorbonne, Luiz Felipe de Alencastro, o principal catalisador do consumo no país foi o fim do tráfico internacional de escravos, proibido pela Lei Eusébio de Queiroz, em 1850. “Nesse período do império, pelo menos um terço do comércio exterior do país estava ligado à importação de escravos. Com a proibição, os antigos traficantes passaram a se dedicar à importação de outros bens, no caso produtos de consumo e novidades produzidas nos países industrializados”, diz. O comércio de escravos tinha papel de destaque na publicidade — os jornais da época anunciavam características físicas e de comportamento de homens, mulheres e crianças à venda, divulgavam a chegada de novos lotes ao país, davam pormenores sobre as etnias comercializadas e comunicavam fugas.

Os anúncios eram tão detalhados que o antropólogo Gilberto Freyre os usou como principal fonte de referência para seu livro O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século 19, um dos primeiros estudos históricos a tomar a publicidade como base de análise. Com o fim do tráfico, o espaço destinado aos anúncios relativos a escravos passou a ser, aos poucos, ocupado por outros, voltados para as novidades que começavam a chegar ao país.

NO INICIO DA SEGUNDA METADE do século 19, o porto do Rio de Janeiro era um dos mais movimentados do mundo. A cidade era parada obrigatória tanto dos navios que se dirigiam da Europa ao Pacífico Sul como dos que iam da costa leste dos Estados Unidos para a Califórnia. “Muitos aventureiros que levavam produtos para vender nessas regiões aproveitavam a parada no Brasil para se capitalizar”, diz Alencastro. Eram comuns nos jornais da época anúncios feitos por comerciantes de passagem pelo país que ofereciam tecidos, cosméticos, roupas, medicamentos e artigos de uso doméstico. Da mesma forma, era grande a oferta de serviços de profissionais liberais recém-chegados ao país, como médicos e dentistas de origem inglesa, francesa ou alemã (que vendiam também elixires milagrosos e pós dentifrícios). Entre as novidades anunciadas nos jornais da então capital imperial estavam papel de parede, sorvetes, charutos, cavalos de corrida, dentaduras, relógios de bolso e pianos — o artigo de luxo mais cobiçado pela elite brasileira. “Os pianos eram considerados um prodígio de tecnologia, uma espécie de BMW da época”, diz Alencastro.

A publicidade passou a ter papel pedagógico em um país que começava a se inspirar na sociedade européia como modelo de modernidade — principalmente em relação à divulgação de novos padrões de comportamento e à apresentação de aparelhos e produtos até então desconhecidos. “A propaganda passou a ter um papel civilizatório”, diz Roberto Duailibi, presidente da agência de publicidade DPZ. Não por acaso, aparecem entre os principais anunciantes da época os fabricantes de produtos farmacêuticos, sabonetes, perfumes, lâminas de barbear e produtos alimentícios industrializados. Os anúncios tinham caráter nitidamente explicativo. “É aquilo que em marketing chamamos de demanda primária, ou seja, a etapa em que é necessário criar novos hábitos e ensinar o consumidor a usar produtos que desconhece”, diz Roberto Corrêa, professor da ESPM e organizador do livro A Propaganda no Brasil. Era o que faziam nos últimos anos do século 19 negociantes como Frederico Figner, que em 1892 convidava, por meio de anúncios nos jornais, a população carioca a conhecer a “máchina que falla” — um gramofone. O mesmo se repetiria alguns anos depois com o cinema, então chamado de omniographo.

Desde os primeiros prelos trazidos pela comitiva de dom João, a tecnologia esteve estritamente ligada ao desenvolvimento da propaganda no Brasil. O crescimento dos jornais por todo o país em meados do século 19 levou à sofisticação da maneira como os anúncios eram produzidos e vendidos. A primeira agência de publicidade brasileira surgiu, em 1891, para atender a uma demanda que exigia a contratação de profissionais especializados em escrever e ilustrar os anúncios. A incorporação de novidades como o uso de cores, a fotogravura e os clichês metálicos, no início do século 20, e a chegada das primeiras agências multinacionais americanas inseriram o Brasil no contexto publicitário internacional — ainda hoje a publicidade brasileira emula tendências e procedimentos criados nos Estados Unidos. O surgimento das revistas ilustradas de grande tiragem, no início da década de 50, deu novo impulso aos anúncios publicitários em cores. Foram esses anúncios, com seus slogans e seu refinamento estético, que marcaram o início da propaganda moderna no Brasil e abriram caminho para a chegada da televisão. “A história da publicidade segue basicamente a história da tecnologia. A cada novidade que surge, a propaganda se reinventa, como aconteceu com a era do rádio, a era da televisão e agora a era da internet”, diz Nizan Guanaes, presidente da agência Africa. “E isso acontece no Brasil, nos Estados Unidos e em qualquer lugar do mundo.” Na essência, porém, a publicidade brasileira hoje segue o mesmo princípio de 200 anos atrás: aproveitar as melhores oportunidades de comunicar um produto a um mercado, seja uma “morada de casas”, seja um carro flex.

De escravos a automóveis

A evolução da propaganda, do primeiro anúncio à publicidade de massa.

1808
O primeiro anúncio, referente à venda de um imóvel, é publicado na Gazeta do Rio de Janeiro.

1809
A escravidão torna-se tema recorrente na publicidade brasileira.

1838
Surgem nos jornais do Rio de Janeiro os anúncios de produtos farmacêuticos importados, como o Elixir de Boubée e o Elixir do Dr. Guillié. Os laboratórios se tornariam a partir de então os maiores anunciantes do país.

1875
Chegam ao mercado brasileiro — e aos anúncios de jornais — produtos como Farinha Láctea Nestlé e Emulsão de Scott.

1891
É fundada em São Paulo a primeira agência de propaganda do Brasil, a Empresa de Publicidade e Comércio, que funcionaria até 1915.

1900
A indústria gráfica passa a usar novas tecnologias, como litografia e fotogravura, modernizando a apresentação dos anúncios e abrindo espaço para o lançamento das revistas ilustradas.

1910
Anúncios de marcas como Antarctica, Singer, Brahma, Gillette e Mappin Stores aparecem em revistas como O Malho, O Tico-Tico e Fon Fon.

1920
O escritor Monteiro Lobato cria campanha publicitária com o personagem Jeca Tatuzinho para o Biotônico Fontoura.

1929
A agência americana J.Walter Thompson abre sua filial em São Paulo para atender à conta da General Motors e inicia um grande processo de modernização da publicidade brasileira.

1935
A McCann Erickson abre seu escritório no Rio de Janeiro para atender à conta da Standard Oil e sua marca Esso.

1945
A publicidade se consolida no país e o primeiro Anuário de Publicidade contabiliza 32 agências em funcionamento no país. Os maiores anunciantes do ano são RCA Victor, General Electric, General Motors, Pan American World Airways, Philips e Ford.

1950-2008
Na década de 50, a publicidade reflete a transição do país agrário para o país urbanizado e industrial. A chegada da televisão e novos meios de comunicação lançam as bases da propaganda moderna nos padrões como conhecemos hoje.

Exame – Por Daniel Hessel Teich

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