Antes de mais nada, Guilherme Guimarães foi e segue sendo um dos nomes mais importantes da história da moda de luxo no Brasil. Afinal, ele se tornou uma das principais referências nacionais em uma época em que a alta-costura ainda se consolidava no país.
Conheça aqui um pouco sobre a sua vida e carreira de Guimarães como estilista.
Quem foi Guilherme Guimarães?
Nascido por volta de 1940 em Canguçu, no estado do Rio Grande do Sul, Guilherme Guimarães se mudou com a família para o Rio de Janeiro ainda bebê. Nunca mais deixou a capital carioca , ainda que tenha mudado muitas vezes ao longo de sua vida.
Em uma trajetória de sucesso de mais de 50 anos, Guilherme Guimarães entrou para o mundo da moda ainda muito jovem. Antes de mais nada, ele logo se tornou um dos maiores ícones da alta-costura no Brasil. Afinal, já nos anos 60 o estilista trabalhava para criar modelos às mulheres mais destacadas da alta sociedade brasileira – e não só!
Em outras palavras, Guimarães se despertou para o mundo do luxo ainda muito pequeno. Entretanto, não vindo de uma família abastada, teve que construir o seu próprio caminho para o alcançar. Em princípio, ele alimentou o seu desejo por meio das musas do cinema e revistas como a Vogue e a Rio Magazine. Apesar disso, não tardou para que ele mesmo passasse a ter a sua imagem estampada pelo mundo.
Em seguida, conheça mais sobre como ele se tornou um dos costureiros de alta-costura de maior sucesso da moda brasileira.
Como era Guilherme Guimarães?
De natureza um tanto controversa, ele era discreto e reservado. Todavia, ao mesmo tempo gostava de chamar muito a atenção. Além da moda, Guilherme possuía um gosto especial pela literatura, por viagens pelo mundo e pela decoração. Essa última marcou muito a sua vida, tendo se convertido em uma das suas principais manias.
Além disso, a sexualidade foi também um tema marcante em seu percurso. Quando ainda era muito jovem, Guilherme foi expulso de um colégio católico por ser “diferente”. Afinal, era diferente por despertar dúvidas sobre a sua orientação sexual. Ou seja, o mundo em que vivia ainda era muito conservador e limitado – amarras que não o prenderiam por muito mais tempo.
Aliás, como contou Hildegard Angel, outro famoso costureiro, o seu amigo Dener Pamplona de Abreu, ajudou a que ele se livrasse do serviço militar. Como? Vestindo uma calcinha colorida e depilando as pernas, para que fosse dispensado quando houvesse a vistoria pelos oficiais. Ousado, sem dúvida, e muito!
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O início da carreira de Guilherme Guimarães
“Se você está interessado na última moda, saia à rua e repare como as pessoas estão vestidas. Se elas estão vestidas assim, essa moda já acabou. Para nós, costureiros, moda é a que está trancada a sete chaves nos salões” (Guilherme Guimarães em 1967 para a revista Joia)
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Apesar de que, desde muito pequeno já soubesse o que queria fazer da vida, a questão era como conseguiria concretizar o seu sonho. Guilherme Guimarães tinha pressa, por isso estudar parecia uma opção nada viável. Ele queria ter sucesso e ser famoso, mas logo.
Como resultado, a sua primeira aposta foi certeira: ele participou de um concurso de uniformes para aeromoças da Varig. Ganhou o concurso e o prêmio de uma passagem para Nova York e US$ 500. Claro, a cidade caiu no gosto do jovem estilista.
Logo depois da sua primeira viagem, Charlotte Franklin, responsável pela Varig, passou a encomendar vestidos à Guilherme. Em princípio, ela dizia que os provaria quando estivesse no Rio. Entretanto, a sua proposta foi outra: ele deveria ir a Nova York para a prova dos vestidos. Desde então, ele passou a estar nos vôos entre o Brasil e os Estados Unidos.
Contudo, a fase ainda não era para esbanjar.
- Para mais detalhes sobre a sua vida, leia a matéria escrita por Danuza Leão de 2006, altura em que “Gui Gui” seguia vivo e uma entrevista que o estilista deu à revista Mag! em 2010.
O primeiro desfile internacional
Todavia, comunicativo e atrevido como era, o estilista logo fez muitas amizades. Por fim, por meio de um dos seus contatos, ele chegou à Loretta Scanell, então diretora da revista “Town & Country“. Se reuniu com ela e, já no dia seguinte, ela o apresentou a Valentino, então um jovem costureiro italiano que estava para inaugurar a sua primeira coleção.
Assim, Loretta sugeriu a Guilherme Guimarães que ele participasse de um desfile na cidade. Ainda que não estivesse em condições de aceitar o desafio, ele disse que sim.
Depois de uma viagem ao Brasil, o pedido de doação de tecidos e muitos problemas para lidar com o curto orçamento, o desfile foi um sucesso. Como resultado, o estilista saiu nada menos do que no jornal “New York Times”, onde se lia “Guillaume from Brazil”.
A matéria, depois publicada pela revista Manchete, fez com que Guilherme Guimarães já fosse amplamente conhecido no Rio de Janeiro. Segundo Lu Lacerda, ele começou trabalhando na Casa Canadá, para depois seguir o seu caminho independente.
Além disso, também foi convidado pela Rodhia parar criar modelos com os seus tecidos sintéticos para a “Coleção Brazilian Look” – projetada no Brasil e no exterior.
Os modelos de Guilherme passaram a fazer um grande sucesso fora do país. No Brasil, ele já estava no topo do topo. Nesse meio tempo, por exemplo, conheceu Elke Maravilha, então uma jovem modelo que ganhava destaque no país, e a levou para desfilar suas roupas na Suíça.
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O ateliê no Rio de Janeiro
Desde então, com a fama, muitas mulheres da alta sociedade carioca passaram a aparecer no seu pequeno ateliê. Segundo Danuza Leão, uma de suas musas, Guigui, como também era chamado, em meados dos anos 60 já era considerado o maior costureiro do Brasil.
Entre as suas peças mais procuradas e apreciadas estavam os vestidos de gala e de noiva. Entretanto, foram principalmente os vestidos de noiva que o consolidaram como grande mestre da alta-costura.
Além do sucesso no país, que incluiu a sua participação com criações para o teatro e o cinema, ele também continuou a se projetar no exterior.
Saindo um pouco do mundo da alta-costura, Guilherme Guimarães aceitou o convite de André Brett para trabalhar em uma coleção de prêt-à-porter e jeans nos EUA. Para tanto, se estabeleceu outra vez em Nova York, viajando para o Brasil quando fizesse falta para mover as suas coleções. Ele chegou inclusive a abrir uma loja em Nova York, mas o empreendimento não durou muito.
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Guilherme Guimarães e a Dior
Foram tempos financeiramente complicados. Após mais de cinco anos nos Estado Unidos, o estilista voltou ao Brasil, em agosto de 1985, com pouco mais do que um apartamento vazio em São Paulo. Contudo, os tempos difíceis logo mudaram.
Não muito depois recebeu uma oferta de sonho: ser o homem da Christian Dior no Brasil. Guilherme Guimarães foi chamado para uma entrevista em Paris. Ele foi selecionado para o cargo pelo próprio Marc Bohan, então à frente da Dior, e ficou um mês na capital francesa para respirar os ares da marca. Logo depois, ele se estabeleceu em São Paulo e, desde então, levou adiante todos os segmentos da marca Dior no país.
Durante os seis anos em que permaneceu trabalhando para a marca, Guilherme se manteve entre o Brasil e Paris. Contudo, por problemas laborais, processou e ganhou uma indenização da empresa, voltando para São Paulo em 1991.
Extravagância e luxo
Guilherme Guimarães tinha um apreço especial pela construção, reformas e a decoração. Não por menos, de volta a São Paulo, comprou um majestoso apartamento. Ele gostava tanto de decorar um novo endereço que, dizem, chegou a decorar ao mesmo tempo um apartamento no Rio, um em São Paulo e outro em Nova York.
Além disso, alguns o comparavam a Coco Chanel. O motivo? Ele se manteve por anos vivendo em um hotel, o Glória, enquanto a obra em sua casa não terminava.
Possuía mesmo um gosto muito peculiar. Visitar antiquários ao redor do mundo e sabia exatamente a história de cada uma de suas peças. Afinal, ele gostava de tudo em seu lugar – ao pormenor! Além disso, não gostava de ter cozinhas em sua casa por não suportar sentir ali o cheiro de comida, tampouco muitos empregados domésticos.
“Sempre decorei as minhas casas porque acho que a casa deve ter a cara do dono. Decorador só serve para quem não tem noção de nada. A Carmen [Mayrink Veiga] sempre diz que eu poderia ser um decorados ainda melhor do que um costureiro. Mas não faço decoração porque no Brasil ninguém aceita a multiplicidade de talento Se souberem que eu estou fazendo decoração, vão dizer que eu caí da costura”. (Guilherme Guimarães para a revista Mag!, em 2010).
Musas
Como podemos verificar na história de outros grandes estilista, como Halston, o sucesso de Guilherme Guimarães veio em parte com a ajuda de suas musas e clientes fiéis. Entre elas, a socialite Carmem Mayrink Veiga foi uma de suas relações mais próximas e duradouras.
Além dela, o estilista também teve como musa Danuza Leão, quem teve a oportunidade de vestir no filme “Terra em transe”, de Glauber Rocha. Outra atriz que vestiu modelos de Guilherme Guimarães foi Tônia Carrero, como também, por exemplo, Marília Pêra, Vera Fisher e a cantora Gal Costa.
Entre as fiéis clientes com quem manteve uma relação estreita, para além de Carmen, estava Yara Andrade e Ilde Lacerda Soares. Todavia, havia muitas outras clientes importantes, que inclusive passaram o gosto pelo trabalho de Guilherme de geração em geração.
“Tem famílias de muitas gerações elegantes, por exemplo, vesti Helô Willemsens; sua filha, Lia Neves da Rocha; as filhas da Lia, Christiana Neves da Rocha e Mercedes Orleans e Bragança; as filhas da Mercedes, Maria Francisca e Maria Antônia – estão aí quatro gerações. Outro exemplo é Carmen Mayrink Veiga, minha cliente e amiga há 50 anos. Essa é imbatível. Visto sua filha, Antonia, e a neta Maria (Frering); Heleninha Petraglia era muito elegante, tem também a Ilde Lacerda Soares, as Monteiro de Carvalho, a Tanit Galdeano… Ah, são muitas!“. (Entrevista de Guilherme Guimarães com Lu Lacerda).
Morte
“O Guilherme foi, durante anos, meu grande amigo. Nos adorávamos. Não era coisa social; ia muito além disso. Pra viver doente, acho que ele preferia morrer de uma vez a se ver ou se saber jogado numa cama. Eu, já não estando bem de saúde, hoje piorei, estou péssima, arrasada.” (Carmem Mayrink Veiga para Lu Lacerda).
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Nos últimos anos, o estilista se dedicava quase que exclusivamente à criação de vestidos de noiva. Segundo o próprio, em uma entrevista com Lu Lacerda, ele se dedicava a no máximo dois vestidos ao mês. Sendo um trabalho muito detalhista, não havia como produzir mais. Quanto à transformação do setor e a concorrência com as marcas de noivas prêt-à-porter, Guilherme não se preocupava. Afinal, o que ele fazia era alta-costura, algo diferenciado.
Seguindo ativo até o final, Guimarães faleceu no dia 24 de dezembro de 2016 em decorrência de um câncer no fígado. Ele tinha 76 anos.
Nessa interim, Hildegard Angel e Ruth Joffily então escreviam a sua biografia, intitulada “Memórias de um costureiro”. Elas esperavam publicá-la com o estilista ainda vivo, mas isso não foi possível.
Em seguida, veja também:
- Dener Pamplona de Abreu: vida e obra do pioneiro da moda brasileira – Biografias.
- Clodovil Hernandes: história do irreverente ícone da alta-costura no Brasil.
- Zuzu Angel: a estilista que usou a moda para enfrentar a Ditadura Militar.