Gil Brandão: a história do ilustrador que democratizou o corte e costura no Brasil
Em uma época em que o acesso à moda era limitado, conheça Gil Brandão, um dos grandes nomes da História da Moda no Brasil.
Uma das figuras mais icônicas do desenvolvimento do setor da moda no Brasil foi Gil Brandão, o ilustrador e modelista que ajudou a promover a cultura do “faça você mesma” a partir da publicação de um material especializado no corte e costura.
Como temos explorado aqui no Fashion Bubbles, o setor da moda no Brasil foi criado e desenvolvido por inúmeras instituições e personalidades. Dentre elas, a butique carioca Casa Canadá, a fábrica de tecidos Rhodia, o ilustrador Alceu Penna e o estilo mais brasileiro de Dener Pamplona de Abreu.
Nesse sentido, acompanhando essa evolução, além da proliferação de estilistas, modelos e grifes, houve também o surgimento de uma mídia especializada em moda, que se tornou cada vez mais diversa.
Desse modo, seguindo os grandes nomes da história da moda brasileira, conheça com mais detalhes a trajetória e obra de Gil Brandão: o talentoso ilustrador e modelista que ajudou a popularizar a moda no Brasil, sendo até os dias de hoje uma referência para cursos e aprendizes de corte e costura ao redor do país.
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A vida além da Moda
Gilberto Machado Brandão, seu nome de batismo, nasceu em Pernambuco no ano de 1924.
Muito longe de ter seguido uma linha profissional contínua e previsível, antes de se consolidar como um dos grandes modelistas brasileiros, ele também estudou medicina e arquitetura.
Brandão se formou médico em 1958, pela antiga Universidade do Brasil. Ainda depois de formado frequentou uma pós-graduação em psiquiatria.
A História em Quadrinhos
Um dos seus primeiros trabalhos como ilustrador foi a série de desenho em quadrinhos chamada “Raça e Coragem”.
Misturando romance e conto policial, segundo Luigi Rocco em seu blog TIRAS Memory, o material foi publicado pela revista Sesinho a partir de 1948. Em meio a golpes, romances e alguma doze de violência, a história seguiu saindo mensalmente até 1953.
O setor da Moda no Brasil
A indústria da moda então surgia tímida nos anos de 1940, não só no Brasil como no mundo. Afinal, havia passado uma sucessão de crises, resultado da quebra da bolsa de Nova York em 1929, a Primeira Guerra Mundial de 1914 a 1918, e a Segunda Guerra Mundial de 1939 a 1945.
Entretanto, já no finalzinho da década de 40 as coisas começaram a mudar. Acima de tudo, essa foi a época do surgimento do “New Look” de Christian Dior, o estilo que a partir de 1947 revolucionou o mundo da alta-costura.
Assim, superando os tempos sombrios e de muita contenção das décadas anteriores, o setor se intensificiou nos anos 1950. No Brasil, foi a partir desse período que surgiram os grandes criadores de uma moda de fato cada vez mais brasileira, como Denner Pamplona, Clodovil Hernandez e Gil Brandão (NEIRA, 2008).
- Afinal, quem foi Christian Dior? O grande mestre da alta-costura francesa.
- Em seguida, veja a história de Coco Chanel, outro grande nome da Moda do Século XX.
- NEIRA, L. G. “A invenção da moda brasileira”. Caligrama, ECA/USP, v. 4, p. 04, 2008.
Gil Brandão e a Moda Brasileira
“Começamos hoje a publicação em série de um conteúdo simples e objetivo de como cortar e costurar. Através dele, a leitora tomará conhecimento das regras gerais do corte e dos pequenos detalhes que dão a necessária elegância à costura. Não se preocupe a leitora de que não tem jeito nem conhecimentos do assunto. Costurar bem se baseia em pequeno trinômio: paciência, bom gosto e um pouco de imaginação” (Gil Brandão no Jornal do Brasil, 1959).
Já trabalhando como desenhista e ilustrador, Gil Brandão logo entrou para o seu primeiro trabalho no ramo da moda. O talentoso artistas começou a trabalhar como modelista para a Revista Fon Fon a partir de 1951. Antes de mais nada, ele foi o primeiro modelista da revista, que começou a ser publicada em 1907.
Nessa revista, já há muito consolidada, Brandão publicou ilustrações com um traço muito delicado e feminino. À época, sem a popularização das fotografias, essas imagens serviam para orientar as leitoras sobre o modo de se vestir com elegância (CARVALHO e LINKE, 2013).
Entre as suas criações mais marcantes dessa época estão a blusa listrada com gola e punhos grandes (de 1954); a saia de praia (de 1957) e o vestido saia-balão (atual balonê) (SANTOS, 2011).
A inovação de Gil Brandão
O seu papel na moda nacional logo se tornou muito importante. Isso porque, acima de tudo, o seu maior objetivo passou a ser a oferta de moldes didáticos de corte e costura que pudessem ser acessíveis à todas as mulheres.
Afinal, até então a alta-costura estava limitada àquelas que poderiam pagar pelos modelos mais estilosos e inovadores.
Dessa maneira, com verdadeiras aulas de corte e costura através dos editoriais, Gil Brandão motivou a que as donas de casa dos anos 60 tentassem o seu método do “faça você mesma”. Assim, elas mesmas poderiam confeccionar as suas próprias roupas.
- A seguir leia sobre a História da Moda Praia no Brasil.
- CARVALHO, Maria Helena R; LINKE, Paula P. Gil Brandão: Contribuições para a Moda brasileira. In: VI Congresso Internacional de História, 2013. pp. 1-12.
Os moldes de corte e costura de Gil Brandão
“Procurei desde o começo atingir o maior número de mulheres. Com os moldes, editados no Jornal do Brasil, elas têm, por dois cruzeiros, uma coisa estruturada na mão. Procuro dar um cunho social e utilitário à minha atividade.” (Entrevista de Gil Brandão ao Jornal Correio da Manhã, em 1971)
O Jornal do Brasil, fundando em 1891, começou a publicar em 1959 o seu complemento “Revista de Domingo”. A novidade dessa nova publicação era que o seu público alvo, ao menos no princípio, eram as mulheres (SANTOS, 2011).
Esse era mesmo um sinal dos novos tempos, ainda que o mundo seguisse muito tradicional – e limitado para o público feminino.
Foi na Revista de Domingo que Gil Brandão, que já vinha da sua experiência com a Fon Fon, lançou um projeto visual e didático que tinha como propósito instruir as mulheres a fazerem as suas próprias roupas.
Entre adaptações e inovações
Até então, a moda usada no Brasil seguia tendo como principal referência a França. Como o próprio modelista explicou, os moldes que passou a publicar seguiam as tendências internacionais, pois o inverso não seria possível (BRANDÃO, s.d).
Em outras palavras, ainda não se havia consolidado uma moda de fato nacional. Seja como for, ele tratava de ajustar os modelos para o clima tropical brasileiro.
As lições semanais de corte e costura eram desenvolvidas por Brandão com o máximo de detalhes possível. A sua ideia era mesmo que esse material fosse facilmente seguido pelas suas leitoras.
Sendo uma completa inovação, e possibilitando que mais mulheres pudessem finalmente estar à par da moda então em alta, nem preciso dizer que a publicação desse material fez muito sucesso.
Além disso, em um tempo ainda de muitas restrições, o trabalho do ilustrador e modelista ajudou a facilitar a inclusão de muitas mulheres brasileiras no mercado de trabalho.
- SANTOS, Heloisa Helena de Oliveira. “Revista do Domingo: Jornal do Brasil, Páginas Femininas e Moda“. In Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011.
O Jornal do Brasil
Gil Brandão começou a sua colaboração com o Jornal do Brasil logo no início de 1959, e a parceria duraria até 1967. Nesse meio tempo, ele foi o responsável pelas seções “Aprenda a costurar”, “Escolha o seu modelo”, “O modelo da semana”, “Nossas crianças” e “Interpretação de um modelo”.
Além dessa sua produção, Brandão também buscou se comunicar diretamente com as leitoras do jornal, para o quê foi criada a coluna “Correspondência de Gil Brandão”. Nesse canal de comunicação, as suas seguidoras escreviam para pedir-lhe a sua opinião, além de tirar dúvidas quanto à confecção de alguma das peças publicadas pelo jornal (SANTOS, 2011).
Entre as suas orientações estava como traçar os moldes, como tirar medidas e, finalmente, como construir as roupas. Esse trabalho ficou ainda mais destacado com o lançamento da coluna “Interpretação de um modelo”. Nela, o modelista dava dicas de quais modelos as leitoras deveriam vestir.
Em suma, com pouco menos de uma década de trabalho no Jornal do Brasil, Gil Brandão somou ao todo cerca de 2000 criações publicadas, contando entre modelos e moldes de corte e costura.
- SANTOS, Heloisa Helena de Oliveira. A moda e o Jornal do Brasil: o papel da mídia na popularização do vestuário. Rio de janeiro, 2011, PUC-Rio.
Revistas de Corte e Costura
Os anos 60 vieram com um verdadeiro boom para o mundo da moda. O estilo mais fechado e muito tradicional ia caindo em desuso. Dessa maneira, surgiam cada vez mais tecidos, mais cores e modelos de roupa mais confortáveis, curtos e descontraídos.
Uma das grandes responsáveis por estimular as novas tendências foram, para além das revistas femininas, as revistas específicas de corte e costura.
Assim, impulsionada por essa nova forma de produzir e consumir moda, a Revista Manequim, criada em 1959, passou a ter Gil Brandão como seu modelista. A parceria foi marcante, mas não única. Os seus moldes também podem ser encontrados em exemplares da Revista Figurino Moderno, lançada pela Editora Vecchi em 1966.
Livros de corte e costura de Gil Brandão
Acima de tudo, a principal função de Gil Brandão se tornou instruir didaticamente as donas de casa para que elas pudessem interpretar o modelo apresentado nas revistas. O seu método era o da modelagem plana (CARVALHO e LINKE, 2016), que foi seguido de perto por outros modelistas.
Com a sua experiência como arquiteto, a geometria descritiva lhe servia para representar com exatidão o processo de construção da roupa. Assim, por meio das suas publicações em jornais e revistas, Gil Brandão ensinava mulheres de todo o país sobre como medir e entender o corpo.
Com essa técnica, ele definia o passo a passo necessário para que os seus modelos finalmente ganhassem vida.
O seu sucesso foi tanto que, por fim, Brandão resolveu publicar um livro.
Aprenda a Costurar com Gil Brandão
Por fim, o seu livro “Aprenda a Costurar” foi publicado em 1967. Nele, foi reunida uma série de diagramas que explicam e ilustram o processo de como elaborar os moldes, tirar as medidas, e definir as curvas e linhas que traçam a roupa a ser produzida. O livro foi reeditado em 1981.
Além disso, nos anos 80 também foi publicado o “Curso de Corte & Costura” de Gil Brandão. Tendo sido organizado em três livros, essa é considera uma obra mais completa, incluindo toda a etapa de produção das roupas: desde como tirar as medidas até os pormenores de como usar a máquina de costura.
Como resultado do sucesso com esses livros, Gil Brandão também lançou diferentes versões do “Faça você Mesma”: modelos econômicos, modelos de saias, modelos de blusas e blusões, moldes para praia e verão, etc.
- BRANDÃO, Gil. A moda através dos tempos. São Paulo: Ed. Três, s.d.
- BRANDÃO, Gil. Aprenda a costurar. Rio de Janeiro: Ediouro, 1981.
Morte e Legado de Gil Brandão
De maneira trágica, Gil Brandão faleceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 12 de dezembro de 1983. Ele foi assassinado em sua residência.
Ainda que tenha partido cedo, o legado de Gil Brandão, com seu método de modelagem inovador e o lendário curso de corte e costura, sobrevive até os nossos dias. O seu trabalho marcou uma geração, sendo um divisor de águas no que diz respeito à democratização da moda às mulheres brasileiras.
Acima de tudo, a qualidade do seu trabalho era tanta que os seus livros seguem sendo referência em cursos de moda ao redor do país.
Desse modo, em 2013 foi lançado o twitter e Blog Gil Brandão JB, com o intuito de republicar e reavivar parte do material publicado pelo ilustrador e modelista no Jornal do Brasil.
Mais recentemente, o seu livro “Aprenda a Costurar” foi reeditado como projeto de TCC de uma estudante do curso de Especialização em Design da UNICAMP. O resultado ficou lindo, e apenas reforça como o legado de Gil Brandão segue vivo.
Por Mariana Boscariol.
- Leia também a Identidade Brasileira na Moda – Anos 40.
- Em sequência, a Identidade Brasileira na Moda – Anos 50.
- Por último, a Identidade Brasileira na Moda – Anos 60.
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