Copiado por todos, reinventado em cada desfile da marca, o espanhol Balenciaga é homenageado em Paris
Fotos divulgação |
Audácia de volumes e rigor arquitetônico em vestido longo de 1962: como se fosse hoje |
Se você não leu as legendas das fotos nestas páginas, faça um teste: tente adivinhar quando as roupas retratadas foram feitas. A pureza das linhas, a audácia dos volumes e o rigor arquitetônico poderiam estar em qualquer passarela de alta-costura dos dias atuais. E, na verdade, estão. A quantidade de estilistas que hoje estão se inspirando, reeditando ou simplesmente copiando os modelos de Cristóbal Balenciaga atesta: no mundo da moda, efêmero pela própria natureza, só os grandes atingem a atemporalidade. Até recentemente, seu nome era reconhecido apenas pelos especialistas ou pelos saudosistas. Embora tenha dividido com Christian Dior o palco dos anos dourados da alta-costura, do pós-guerra ao começo da década de 60, ele aparecia muito menos.
Foi o concorrente famoso, porém, que o chamou de “o mestre de todos nós”. A partir desta quinta-feira, dia 6, essa maestria estará em exposição no Museu da Moda e do Tecido, parte do complexo do Louvre, em Paris. As 160 peças, entre vestidos e imagens, que lá estarão expostas até janeiro do ano que vem compõem o maior painel já reunido do apuradíssimo trabalho de criação, corte e costura de Balenciaga. Corte e costura no sentido literal: ele era exímio – e ambidestro – no manejo das tesouras e das agulhas.
Nascido na pequena cidade basca de Guetaria, filho de pai marinheiro e mãe costureira, Balenciaga já tinha nome firmado na Espanha quando, aos 42 anos, se mudou de mala e manequins para Paris – e marcou para sempre a história da moda. Ex-patrão e mentor de André Courrèges e Emanuel Ungaro, amigo de Hubert de Givenchy, foi celebrado por todos os seus pares como o ápice da perfeição na confecção, na forma e na simplicidade, sua maior aspiração. Balenciaga morreu em 1972 e, como em tantos casos similares, a marca que deixou entrou em decadência acelerada.
Menos conhecida do que grifes como Dior ou Chanel, foi resgatada da irrelevância com a contratação, em 1996, de um jovem de apenas 25 anos, Nicolas Ghesquière. Considerado um dos maiores talentos, talvez até o mais brilhante, da moda atual, ele reconduziu a grife Balenciaga à vitrine das marcas modernas, copiadas e cobiçadas Numa entrevista recente, Ghesquière rememorou o “caminho tão abstrato” que ele e outras estrelas do modernismo, como Helmut Lang, Jil Sander, Yohji Yamamoto e os demais japoneses, trilharam nos anos 90. “Agora vejo que era um conceito totalmente Balenciaga”, acrescentou.
Limpeza de formas no modelo de laço invertido (1965) e o vestido de noiva de uma só costura (1967): a mais perfeita simplicidade |
Tal como, para os argentinos, Carlos Gardel canta cada vez melhor, para os admiradores de Balenciaga o costureiro basco fica cada vez mais moderno. Uma doce ironia, levando-se em conta que ele se inspirava em quadros de Velázquez e Zurbarán, tinha no ateliê prateleiras repletas de revistas de moda do século XIX, das quais era capaz de reproduzir modelos linha por linha, e finalmente foi engolido pelas gigantescas transformações sociais desencadeadas em meados dos anos 60.
Hoje praticamente qualquer babado gigante, caimento sinuoso ou bolero ibérico que se vê nas passarelas deve alguma coisa a Balenciaga. Conhecido por ser capaz de disfarçar corpos não tão em forma, ele costumava combinar um forro bem justo ao corpo, como uma segunda pele, com roupas mais soltas, de caimento perfeito.
Excepcional conhecedor do coupe, o corte do tecido, Balenciaga foi ao mesmo tempo criativo e comportado, ousado e elegante, sofisticado e simples. E, claro, carésimo. “Dior vestia as ricas; Balenciaga, as milionárias”, escreveu o historiador inglês Paul Johnson em seu último livro, Os Criadores. “Suas roupas eram, acima de tudo, confortáveis, um fato surpreendente, considerando-se sua grandeza, sua complexidade e a magnificência dos materiais usados.” Em 1967, quando a onda da contracultura varria o planeta, o estilista encerrou seu desfile com um magnífico vestido de noiva composto de uma única costura. Seis meses depois, mais uma coleção, e fim – o mestre, diante de um mundo que não era o seu, fechou o ateliê.
Em menos de cinco anos, estava morto. “De todas as pessoas criativas que encontrei, Balenciaga foi a mais dedicada à criação de coisas belas”, escreve Johnson.
“Balenciaga deu à mulher uma forma mais ousada, mais conceitual”, analisa a estilista Clô Orozco, da Huis Clos, fã do trabalho do costureiro que inventou, entre outras modernidades, o vestido-saco, a saia balonê e o casaco com manga de quimono e que sempre fazia ele mesmo, do começo ao fim, um vestido preto entre os cerca de 200 modelos de cada uma de suas coleções. “Ele inventou o minimalismo na moda, com a idéia de movimento na depuração das formas”, avalia Ghesquière, que terá vinte modelos na exposição que ajudou a montar e na qual Balenciaga brilha no lugar que merece. A palavra final é de Paul Johnson: “É muito pouco provável que os tipos de vestido que Balenciaga criou nas décadas de 1950 e 1960 voltem a ser criados. São, de fato, peças de museu a inspirar as mulheres ou, entre os afortunados descendentes de suas clientes, heranças a ser guardadas como tesouros”.
Revista Veja
Volumes e plataforma: Ghesquière bebe na fonte |
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