Alceu Penna: o ilustrador que deu forma e cor à moda brasileira
Conheça Alceu Penna, o ilustrador de traços delicados e marcantes que ajudou a imprimir e difundir o toque brasileiro na moda nacional.
A história da moda brasileira é resultado de um conjunto de atores e fatores, entre eles vimos a história da butique carioca Casa Canadá, da fábrica de tecidos do grupo Rhodia e de estilistas como Dener Pamplona de Abreu. Além deles, outro dos seus atores mais icônicos foi o desenhista, ilustrador e figurinista mineiro Alceu Penna (1915-1980).
Antes de mais nada, Alceu acompanhou o surgimento e consolidação do setor da moda no Brasil. Apesar de ter recebido grande influência da moda internacional, ele buscou valorizar um estilo de fato brasileiro. (BONADIO; GUIMARÃES, 2010).
Então com um talento polivalente e um gosto apurado, Alceu Penna fez história ao traduzir em cores e formas o melhor da brasilidade. Assim, entre a famosa coluna ´As Garotas do Alceu` e o visual de Carmen Miranda, conheça com mais detalhes o seu trabalho e trajetória pessoal.
De jovem à vida adulta
Alceu de Paula Penna nasceu em Curvelo, uma pequena cidade na região central do estado de Minas Gerais, em 1915. Filho de Christiano Penna e Mercedes de Paula Penna, ele teve nada menos do que 10 irmãos: Evaristo, Josaphat, América, Neide, Cláudio, Aloísio, Adalto, Maria Carmem, Tereza e Christiano.
Desde que era pequeno ele teria chamado a atenção pelo seu jeito com o desenho. Afinal, ele era capaz de fazer rápidas caricaturas dos seus amigos.
À época, depois que terminassem o ensino básico, era comum que os jovens mineiros com certos recursos fossem estudar em cidades universitárias como Ouro Preto.
Entretanto, ainda que a contragosto do pai, Alceu Penna decidiu cedo apostar na sua inclinação pela arte. Em seguida ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde chegou em 1932, quando ainda contava com apenas 17 anos (JUNIOR, 2011, p. 29).
Na então capital nacional, Alceu pôde entrar de cabeça em mundo cultural em plena ebulição. Desse modo, foi nesse ambiente que ele veio a se destacar dentro do grupo de pioneiros a explorar a brasilidade na arte e na moda no país.
- JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil – Moda e imprensa – 1933 a 1975. Editora Amarilys, 2011.
- Em seguida, leia sobre Tarsila do Amaral: A grande pintora do Brasil – Biografias.
Alceu Penna no Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro desde o princípio de 1932, Alceu Penna passou a viver com um casal de tios. Ali, a pedido do seu pai, que então se opunha a que o jovem se dedicasse a ser artista, ele começou a estudar arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA).
Bom, nem preciso dizer que o seu desejo era outro e que, portanto, ele nem chegou a concluir o curso.
Nesse meio tempo, o jovem teria começado a rondar os jornais e revistas da cidade com o objetivo de promover a sua arte (JUNIOR, 2011, p. 34).
Assim, Alceu conseguiu o seu primeiro trabalho de ilustração logo em 1933, no suplemento infantil do “O Jornal”, de Assis Chateaubriand.
Essa foi a oportunidade que deu abertura para que o artista não tardasse a conseguir o trabalho que marcaria a sua vida profissional: ele foi admitido como ilustrador da revista “O Cruzeiro”, pertencente ao mesmo grupo.
- SCHEMES, C.; ARAUJO, D. “O artista gráfico Alceu Penna na Revista O Cruzeiro: apropriações e ressignificações da moda européia e a representação da mulher (1940-1950)”. In Cultura Visual, n. 15, maio/2011, Salvador: EDUFBA, p. 57-69.
A Revista “O Cruzeiro”
Então nessa revista, que entre a mídia impressa da época já possuía um perfil muito mais moderno e inovador, Alceu Penna também passou a trabalhar com a ilustração de capas.
Desde já a vocação do ilustrador abriu portas para outras publicações. Dentre elas, uma capa para a revista “Cidade Maravilhosa”, em 1936.
Logo depois, em 1937, ele passou a traduzir histórias em quadrinhos norte-americanas. Esses trabalhos foram então publicados no “O Globo Juvenil”, lançado no mesmo ano.
Além disso, Alceu também criou adaptações de clássicos da literatura para quadrinhos, como o “Sonhos de uma Noite de Verão” e “Alice no País das Maravilhas”. Com roteiro do escritor Nelson Rodrigues (1912 – 1980), esses trabalhos foram publicados até 1939.
- BONADIO, Maria Claudia; GUIMARAES, Maria Eduarda Araújo. Alceu Penna e a construção de um estilo Brasileiro: modas e figurinos.In Horiz. antropol., Porto Alegre , v. 16, n. 33, p. 145-175, 2010 .
O público feminino
Com a evolução do seu trabalho, a partir de 1938 ele começou a publicar a coluna “As Garotas”, posteriormente conhecida como “As Garotas do Alceu”. O sucesso foi tanto que a coluna se manteve ativa sem nenhuma interrupção até 1964.
Ao mesmo tempo envolvido com os quadrinhos, nos anos 1950 Alceu Penna publicou a série “Madame” na revista “A Cigarra”. Então com direção de Helena Ferraz, o material retratava a vida de um casal de classe média da época.
Bom, ele teve diversas parcerias ao longo da sua carreira. Dentre elas, contribuiu, por exemplo, em 1940 à revista americana “Esquire”, em 1951 à revista “Tricô e Crochê”, e em 1974 à “Manequim”.
- Alceu Penna: um pouco conhecido desenhista de histórias em quadrinhos. In O Globo, Rio de Janeiro, 14 fev. 1980.
As Garotas do Alceu
Seja como for, o seu trabalho com a coluna “As Garotas” ajudou a revolucionar a moda no país.
Afinal, o setor no Brasil estava em total renovação, e o trabalho de Alceu Penna dialogava diretamente com outras empresas e personalidades então em alta no país.
Dessa maneira, as suas ilustrações delicadas e femininas, mas ao mesmo tempo ousadas e provocativas, fizeram com que o seu trabalho fosse seguido de perto por muitas mulheres.
Como resultado, a partir das suas mãos começava a ganhar corpo um novo ideal feminino, que pouco a pouco se livrava da rigidez, limitação e sobriedade das décadas anteriores.
Essa mudança então veio como uma lufada de ar fresco. Ou seja, ainda que fossem ilustrações, essa nova figura feminina, muito mais leve e autoconfiante, foi uma grande influência para o comportamento e a moda do período.
Das páginas à vida real
Dessa maneira, a partir da coluna de Alceu Penna, mulheres ao redor do país passavam a copiar os penteados, as roupas e até a postura dos desenhos trazidos pela revista “O Cruzeiro”.
Como resultado do seu sucesso, “As Garotas” também passaram a figurar nas folhinhas (calendários) que eram distribuídas pela empresa S. A. Moinho Santista Indústrias Gerais.
Contudo, de maneira distinta à revista, elas apareciam ainda mais maduras, sensuais e despidas – o que, em uma época de muito controle e censura, causou alguma polêmica.
Influência do exterior
Em 1939, apesar do êxito da coluna “As Garotas”, Alceu tinha o desejo de ir viver nos Estados Unidos. Dessa forma, ele fez com que Acioly Neto, seu chefe e amigo, o deixasse atuar como correspondente da revista “O Cruzeiro” desde Nova York – onde a princípio foi cobrir uma feira muito grande (JUNIOR, 2011, p. 96).
Nesse meio tempo, ele continuou a produzir diversos desenhos para revistas e campanhas publicitárias.
Em 1941, depois de algum tempo em Nova York, ele teria conhecido Carmem Miranda (1909 – 1955). Desde então, ele passou a informalmente dar sugestões ao figurino da artista.
Nesse sentido, dizem que foi Alceu que incentivou que a artista adotasse as saias mais volumosas e multicolores, além dos sapatos plataforma super chamativos. Teria sido inclusive o criador de alguns dos figurinos usados por Carmen Miranda.
No mesmo ano, ele foi convidado pelo Itamaraty para acompanhar Walt Disney na sua visita ao Brasil, para o lançamento do filme “Fantasia” no país.
Retorno ao Brasil
Depois que voltou, para além do trabalho na revista “O Cruzeiro”, ele passou a se dedicar à criação de figurinos para espetáculos dos cassinos cariocas.
Ainda que o seu trabalho estivesse imerso em um estilo e gosto próprios do Brasil, Alceu Penna explorou muitas novidades trazidas por ele do exterior.
Posteriormente, ele voltaria a se tornar correspondente da revista na França, para onde se mudou em 1946.
O universo da moda parisiense seria uma grande influência no seu trabalho. Afinal, essa era a capital da alta-costura no mundo, e o final da década de 40 veio com uma verdadeira revolução.
- A seguir, leia sobre a importância de Carmen Miranda na Moda Brasileira.
Alceu Penna e o carnaval
Desse modo, o trabalhado do ilustrador nunca se restringiu às revistas. Afinal, Alceu Penna passou a assinar os seus primeiros figurinos para shows e espetáculos teatrais já na década de 30.
Explorando esse mundo, Alceu foi o responsável pelo figurino de espetáculos muito concorridos, incluindo, por exemplo, os do grande Cassino da Urca, no Rio de Janeiro.
Além desses eventos, o artista também retratou as festas e fantasias de carnaval. As suas ilustrações com essa temática são de um encanto singular, pois, acima de tudo, mostram o que de mais festivo e alegre havia no Brasil daquela época.
As suas produções foram então tão elogiadas que logo em 1935 ele recebeu 3 premiações no concurso de melhores fantasias de carnaval promovido pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
Em seguida, em 1936, recebeu outras cinco premiações no salão nobre do Palace Hotel.
- Veja a cronologia detalhada da vida do ilustrador da Prefeitura de Curvelo (MG).
Alceu Penna e a Festa Junina
“…Alceu interpretou, como nenhum outro desenhista de seu tempo, o espírito junino que traduziu em estampas associadas os elementos característicos: fogueiras, balões, sortes, milho, bandeirolas…” Nelson Cadena em “Alceu Penna, o figurinista de São João” (Nelson Cadena no Correio da Bahia de 21 de Julho de 2017).
Assim como fez com o baile de carnaval, Alceu Penna buscou trazer para as suas seguidoras outros elementos da cultura popular brasileira – tanto tradicionais, como releituras próprias das tradições regionais.
Outra celebração muito representada no seu trabalho foi a Festa Junina, ou Festa de São João. Em seguida ao ano de estreia da sua famosa coluna, Penna lançou as suas “Garotas” trajadas especialmente para o São João.
Ainda que sempre seguisse o seu estilo marcante, onde as mulheres apareciam muito esbeltas, femininas, delicadas e alegres, aqui o artista enaltecia, por exemplo, o uso de chapéus, o desenho de bandeirinhas e espigas de milho, além de lenços e laços nas roupas e nos cabelos.
Uma imagem ainda muito familiar, não é?
Bom, está mais que claro que essas referências foram de vez adotadas na roupa típica da festa – chegando inclusive ao armário masculino.
A Moda Praia
No calor carioca, e buscando explorar a brasilidade na moda, não é difícil de imaginar que a roupa de praia foi um tema frequente dos seus desenhos.
Um homem elegante e discreto, ele preferia os maiôs aos biquínis. Mas os diversos modelos foram por ele retratados, mostrando aquelas que eram as novas tendências no Rio de Janeiro e no mundo.
Assim, muitas das “Garotas do Alceu” surgiam em roupas curtas e descontraídas, com um bronzeado invejável, e uma sensualidade elegante e fresca.
Outras atividades
Alceu Penna era mesmo um homem inquieto e de muitos talentos. Desse modo, além do seu trabalho como ilustrador, em 1937 ele também chegou a trabalhar como professor na Escola de Cinema “Associação Cinematográphica de Productores Brasileiros”.
Mas eram mesmo os seus desenhos que moviam o seu caminho. Afinal, junto com as revistas, os quadrinho, os discos infantis, as capas de livros, e os calendários, ele também criou cenários e figurinos para shows, cassinos, teatro, cinema e televisão, além de desenhar fantasias.
Dessa maneira, não é para menos que a sua aproximação ao mundo da moda foi cada vez maior, vindo a marcar a sua carreira a partir da década de 50.
O toque de Alceu Penna na Moda Nacional
O final da década de 40 trouxe uma forte renovação do mundo da moda dentro e fora do Brasil. Em 1948 surgia o “New Look” de Christian Dior, que veio a revolucionar de vez o mundo da alta-costura.
Acima de tudo, tendo na moda francesa a sua maior influência, as mulheres brasileiras estavam sedentas por novidades.
Nesse ínterim, o setor da moda no Brasil surgia e crescia gradativamente a partir do trabalho de algumas empresas e personalidades.
Dentre eles há que se destacar o papel da indústria têxtil nacional, em crescimento desde a década de 30.
Alceu Penna esteve de perto envolvido nesse mundo, e não apenas por meio do seu trabalho nas revistas femininas. A década de 50 foi a época de difusão e crescimento dos desfiles de moda, eventos que, criados pela diretora da Casa Canadá Mena Fiala, causavam verdadeiro furor no público e na mídia.
Com resultado do sucesso que alcançou, e seguindo as tendências internacionais, o primeiro concurso de Miss Brasil teve lugar logo em 1954.
Alceu Penna teria criado a fantasia de algumas misses. O seu envolvimento com a competição continuou, e ele eventualmente se tornou jurado em 1958.
- Em seguida, conheça mais sobre as manequins da butique carioca.
- Logo depois, veja a Moda Anos 50 no Figurino de a “Coisa Mais Linda”.
Colaboração com a Rhodia
O papel mais direto de Alceu Penna na produção da moda brasileira teve início com o seu trabalho junto ao grupo francês Rhodia, que durou de 1962 até 1975.
A sua contribuição era formada principalmente por desenhos para o catálogo de moda da marca, além da participação direta nos desfiles.
A FENIT, Feira Nacional da Indústria Têxtil, criada em 1958, já estava a pleno vapor na década de 60. Ela era um mega evento de lançamento das novidades do mundo têxtil.
Por fim, Alceu teria se envolvido tanto com esse trabalho que teve de encerrar a sua coluna “As Garotas” (JUNIOR, 2011, pp. 96;256).
Para a seleção Rhodia de Moda, por exemplo, em 1964 Penna criou os desenhos para a famosa coleção “Brazilian Style” – verão 64/65.
- Saiba mais em Rhodia e seu papel na consolidação da Moda Nacional.
Logo depois, em 1965, ele participou com a criação de figurinos para o grande desfile musical “Rio 400 anos”. Fruto da colaboração entre a Rhodia, as revistas “Manchete”, “Jóia” e “Fatos e Fotos”, e sob direção de Ronaldo Boscoli e Mielli, o evento foi um estouro.
A partir de então Alceu Penna era figura certa nos grandes eventos de moda, trazendo sempre um toque muito brasileiro de ousadia e alegria.
Declínio e morte
Em 1975, contando com apenas 60 anos, Alceu Penna sofreu um infarto, que afetou as suas funções motoras. Assim, ainda que fosse jovem, a sua condição não permitiu que ele seguisse desenhando como antes. Ele acabou por falecer em 1980.
Ainda que nos tenha deixado muito cedo, o seu legado à arte e moda brasileira é único, e sobreviverá ao passo do tempo.
Centenário de Alceu Penna
Para celebrar o seu centenário, a família de Alceu Penna colocou no ar o site www.alceupenna.com.br, bem como uma página no Facebook dedicada ao ilustrador.
Além disso, em 2015 foi organizada uma grande exposição em comemoração ao centenário do seu nascimento. Em ativa do dia 13 de fevereiro a 12 de abril de 2015, a mostra teve lugar no Centro Cultural de Curvelo, cidade natal de Alceu.
Como expressado pela Secretária de Cultura, Marivete Alves Barbosa, entusiasta da exposição:
“O que era privilégio da família Paula Penna e da geração 40/50/60 está à disposição de um grande público: a arte de um curvelano que, do sertão mineiro se tornou universal. E, imortal”.
Exposições sobre Moda
O Museu da Moda de Belo Horizonte organizou de 11 de dezembro de 2018 até 7 de junho de 2019 a exposição “Alceu Penna – Inventando a Moda do Brasil”. A mostra enfatizou o papel do ilustrador mineiro na moda nacional.
Segundo Maria Carolina Ladeira Dias, gestora do MUMO:
“Sua obra ditou a moda brasileira e foi além, influenciando também o comportamento de uma época através das ‘Garotas do Alceu’”.
Antes de tudo, há uma forte desejo de criar um espaço de interação entre a história da moda e a nova geração do setor. Desse modo, a exposição contou com estudantes de moda de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul para trazer releituras e adaptações dos esboços de Alceu em peças reais e inovadoras.
Antes de mais nada, esse é um claro exemplo de como o legado de um artista pode ser explorado para reforçar a identidade e criar vínculo com as seguintes gerações.
Por fim, desde 2015, ano do seu centenário, o Museu da Moda Brasileira – Casa da Marquesa de Santos abriga a Coleção Alceu Penna, composta por mais de 2000 peças doadas pela família. A exposição está disponível online no Google Arts and Culture.
Vale a pena conferir!
Por Mariana Boscariol.
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