A importância histórico-sociológica do prêt-à-porter

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Só no pós-guerra, particularmente em 1949 surgiria o prêt-à-porter para libertar as confecções de sua “má imagem”, associada ao dia-a-dia e não ao prestigiado traje de gala. Prêt-à-porter criado pelo estilista francês J. C. Weill se traduz por “pronto para vestir” na língua portuguesa e deriva da fórmula americana do ready to wear.

Moda Prèt-à-porter divulgada em revistas

Ao vir ao mundo na moda e conquistar domínios citadinos, o prêt-à-porter abalou a arquitetura da soberana “moda de cem anos” e transformou a lógica da produção industrial de moda. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um novo estado de demanda de mercado se ampliou a todos os estratos da sociedade e conduziria à “[…] democratização última dos gostos da moda trazida pelos ideais individualistas, pela multiplicação das revistas femininas e pelo cinema, mas também pela vontade de viver no presente estimulada pela nova cultura hedonista de massa […] cultura do bem-estar, do lazer e da felicidade imediata. A era do prêt-à-porter coincide com a emergência de uma sociedade cada vez mais voltada para o presente euforizada pelo novo e pelo consumo”, nas palavras de Gilles Lipovetsky.

Apesar de produzir peças industriais em série “para todos”, o prêt-à-porter quis adicionar um quê de moda a estes produtos, quis unir a indústria à moda, acrescentando estilo às ruas, um plus criativo às peças básicas. As galerias Lafayette, o Printemps e o Prisunic foram experimentos iniciais nesse sentido, com grandes magazines nos anos de 1950. Para tanto, o prêt-à-porter se associou a estilistas para, enfim, agregar valor estético aos produtos, compondo as diretrizes dos escritórios de consultoria de estilo. Com o estilismo, o vestuário industrial de massa muda de estatuto, tornando-se definitivamente um produto da moda. Mais do que apenas uma mutação estética, o prêt-à-porter propiciou uma mutação simbólica.

Lafayette, Printemps e Prisunic, respectivamente

Paralelamente à “estetização da moda industrial”, o prêt-à-porter hasteou um símbolo de alta classe: a griffe. A partir disso, as marcas industriais se iniciaram no universo da publicidade. Marcas que deveriam ser intrinsecamente articuladas à assinatura de um estilista ilustre para atrair os investimentos publicitários, arrogando um timbre personalizado aos milhares de peças idênticas produzidas nas usinas, um timbre que as faria desejadas. Assim, “imprimia-se alma à indústria”.

Com o arremate da “moda de cem anos” (1960-1970), um novo período teve sua estréia: a moda aberta, finalmente democratizada às massas. Consolidou-se a fase sistematizada com os novos focos de mercado e novos critérios criativos e uma produção maquinada por criadores profissionais, uma lógica industrial serial, coleções sazonais, desfiles de manequins com fins publicitários.

Pop Art

Na década de 1960, a pop art liderada por Andy Wahrol traria um novo gás à arte, misturando moda, cartoons, fotografias. A idéia-chave era de que o look é uma obra de arte. Arte e moda continuam a se atrelar, por exemplo, com o Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque, Museu do Louvre em Paris, o Museu de Kyoto e o de Londres que abriram suas galerias para exposições de peças de moda. E a partir de 1970, o prêt-à-porter via em sua companhia o predomínio do look jovem, dando as despedidas ao estilo clássico que reinara com a Haute Couture. Opondo-se ao “clássico” exilado no passado, o “novo” passa a dominar vitrines e mentes no final do século XX, relacionado ao progresso de ordem econômica e a novos valores das sociedades liberais. O novo também se alia ao universo dos objetos, das mídias, do lazer extravagante do rock e estrelas juvenis, todos libertados dos cânones oficiais.

A pluralidade das modas se iniciou com o patchwork de estilos díspares e se multiplicaram as iniciativas de movimentos de cultura e contracultura engrenados por frações da sociedade civil, por exemplo, beatniks, rasta, punks, hippies, ska, yuppies, etc. Todos queriam e querem ser especiais e únicos. Por isso aderem às modas porque querem ser “contemporâneos”, “belos”, “atualizados”, enfim, querem ser notados, mas sem nunca correr o risco de ficarem ridículos. E, paradoxalmente a tal singularidade, manifesta-se o desejo de pertença a uma “tribo” urbana: ninguém quer ser absolutamente “diferente”. Daí o caráter ambíguo da moda, enquanto constituinte de uma identidade. E, nesse sentido, o visual não é só mais um signo estético de distinção classista. O que é vestido simboliza a idade, as atitudes, os valores existenciais e o estilo de vida: um manifesto vivo. A nova moda oferta um cardápio dos mais variados estilos para que à la carte ele escolha que personalidade quer simular com o charme de suas roupas.

Prêt-à-porter – empório de estilos

O movimento artístico modernista foi uma resposta às novas condições do fenômeno urbano: migrações para as cidades, maquinarias para a indústria, urbanização, transportes, comunicações, mercados de massa e indústria publicitária. Nesta época, um novo quadro cultural se desenhava dinamizando os contrastes: o futurista e o niilista, o revolucionário e o conservador, o romântico e o clássico. Uma das características dos tempos modernos, aliás, é a valorização do indivíduo. Com o cardápio sortido do prêt-à-porter, ele teria a chance de escolher se quer aderir ou não aos cânones do momento e, assim, nota-se que o individualismo estético fizera eco ao individualismo moderno. Assim, a moda estetizou a vaidade humana.

No último quartel do século XX, portanto, a moda passa a se enredar no pluralismo estilístico possibilitado com o prêt-à-porter. Cruzando as fissuras do pattern modernista, a moda se redesenha para aliciar o individualismo disseminado na pós-modernidade, tornando-se ainda mais fugaz. A partir do momento que a moda se livra da voz oficiosa dos ateliers que determina o que é chique, as modas passam a tolerar “modulações” de suas características e possibilitam combinatórias de seus elementos. A moda se envereda por um ecletismo de mercados com o prêt-à-porter, maquiando a cidade como um “empório de estilos”, como diria Jonathan Raban. Para construir um estilo único e o mais novo possível, a moda pós-moderna é “remendada”. O indivíduo pode pôr em jogo a pluralidade de vestes face ao espelho, personificando uma metafórica “colcha de retalhos” dos tempos pós-modernos. Retalhos e fragmentos se articulam por correlações constantes, quer de agressividade quer de amabilidade, compondo um estilo “único”, “alternativo”, “eclético” para o bel-prazer do indivíduo consumidor.

Prêt-à-porter – empório de estilos

Assim, intrinsecamente relacionada com a economia capitalista, o ritmo frenético de consumo impera na ordem da moda eclética. Nesse cenário volátil da moda, o papel dos novos criadores de moda também é marcante, e é imprescindível pensá-lo em sua efetividade acoplada à ordem econômica, porque para o criador, de nada vale fantasiar uma coleção admirável, elogiada pela crítica especializada, mas que não conquiste o público consumidor. Ele precisa conciliar as idéias de extravasar de suas criatividades, agradar a indústria têxtil e agraciar a clientela. Ele é mais um mediador cultural do que um ditador de moda! As roupas são produzidas para serem mercantilizadas, não para descansar nas araras de boutiques, bazares e shopping centers. São bens culturais de consumo produzidos no just in time especial da moda.

Croquis do início do Prèt-à-porter

O prêt-à-porter se justapôs aos valores eufóricos de uma sociedade que prima pelo presente com suas peças novíssimas em folha, joviais e menos custosas. Também, porque sendo “democrática”, a moda prêt-à-porter amplia o leque de variedades para manipular o “estar no mundo”. Todos nós nos vestimos e desfilamos no cotidiano, não só os ricos nem os artistas, mas todos. Isso traz riqueza sociológica para a análise acerca das identidades e estilos, dos discursos produzidos em torno da moda e dos ardis do comércio. Ainda com o advento do prêt-à-porter, o jornalismo de moda encontra seu ápice de cobertura jornalística. Ao ampliar o círculo de clientes, o prêt-à-porter aumenta o diâmetro do público-alvo da imprensa.

Por Juliana Sayuri

Exemplo de Griffe – Valentino

Leia mais sobre griffes em O surgimento da marca na moda de Graziela Morelli.

Trecho:

“O conceito de marca tratado no passado – entendido como o nome, sinal ou símbolo, que tem a intenção de identificar os produtos e serviços e diferenciá-los daqueles dos concorrentes está restrito a um plano estático. Hoje, as marcas são mais do que simples nomes. A marca é a síntese dos elementos físicos, racionais, emocionais e estéticos do produto que ela representa e que foi desenvolvido através dos tempos.

Na moda a marca, ou griffe, tem uma grande importância e, devido a atributos tangíveis e intangíveis, as pessoas adquirem peças por valores altos. Na história da moda, é possível e importante identificar quando a marca surgiu neste contexto. A Alta Costura é considerada o berço da marca na moda porque, foi a partir do nascimento desta que ganhou importância o nome, a assinatura do criador, a etiqueta.

A Alta Costura de um lado e a confecção industrial de outro – que são as duas faces da moda de cem anos. De um lado, está uma criação de luxo e sob medida e, de outro uma produção em massa, em série e barata, imitando os modelos e griffes da Alta Costura. A Alta Costura traz a inovação, lança a tendência. As confecções inspiram-se e produzem em massa, artigos de menor qualidade a preços incomparáveis. James Laver (1989), cita a existência dos “fashion plates”, que trouxe grande conseqüência na divulgação da moda, por volta de 1770. Os “fashion plates” eram figurinos ilustrados das tendências de moda, e que tornaram o trabalho de costureiras mais fácil. Não era preciso viajar pela Europa para obter informações sobre as últimas tendências.”

Leia, também, a Democratização da Moda: o advento do Prèt-à-porter.

Alta Costura de Worth

Colaboradores: Colaboradores do Fashion Bubbles

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