Quem vive ou acompanha o mundo da moda recentemente, pode não fazer ideia do quanto ele era diferente a algum tempo atrás. Se atualmente as semanas de moda, como São Paulo Fashion Week e Fashion Rio, grandes agências de modelos e meninas cada vez mais jovens nas passarelas são coisas rotineiras nesse universo, parece até impossível imaginar que há pouco mais de 20 anos, o cenário fashion brasileiro era completamente outro.
Quem relata essa época é a Paola Rossetto, que hoje é Senior Trade Analyst da ITA, a Italian Trade Agency, mas que durante parte das décadas de 80 e 90 teve sua vida focada na carreira de modelo – ou de manequim, como era chamado na época.
A Trajetória
Paulistana, ela entrou para a mundo da moda em 1986 quando tinha quase 23 anos, “o que hoje já é considerado uma idade avançada para a carreira”, comenta Paola. A profissão de manequim não havia sido planejada, foi algo que aconteceu depois de uma série de tentativas de cursos nos quais ela não se encontrava. “Uma amiga minha já estava atuando como manequim de passarela. Antigamente era bem dividido, as manequins que desfilavam na passarela e as modelos que eram os ‘rostos’”, revela. Foi alguém da família de Paola que observou o quanto ela era alta e a incentivou a fazer um curso para ser modelo.
“Passei na seleção do Senac, um dos cursos mais conceituados na época, me profissionalizei. Em seguida fui batendo na porta das confecções e fui deixando minha foto. Pouco a pouco as confecções foram me chamando. Alguém me via fazer um desfile de showroom e me convidava a fazer um outro desfile, aos poucos fui ampliando minha agenda de trabalho. Você vai fazendo conexão com as veteranas, você cai na graça de uma – porque literalmente funcionava com o boca-a-boca. Dentro das confecções você tinha uma mais cheinha, uma morena, uma loira, uma japonesa, uma mulata, uma ruiva. Eu tinha o cabelo mais avermelhado na época, deixava assim porque era mais difícil encontrar ruivas. É natural, a gente tem que se adequar”, brinca Paola Rossetto.
Além da questão estética, a ex-modelo revela que a seleção para os trabalhos também estava relacionada a algumas regras de comportamento. “Tinha que ser tranquila, boa profissional, pontual, tem que vestir bem, uma série de requisitos que você precisava se encaixar. Aos poucos eu fui fazendo o meu conhecimento, aí alguém me olhava num desfile e me ligava, me convidava para uma prova de roupa, para um teste. Assim fui crescendo. Era um trabalho direto das manequins com as confecções, não havia intermediações”, conta ela.
Passar os olhos pelos nomes com quem Paola trabalhou durante as décadas de 80 e 90 é praticamente ter uma breve aula de história da moda brasileira. Ney Galvão, Clodovil Hernandes, Oswaldo de Carvalho, Matteo Amalfi, Glorinha Pires Rabelo, Fernando José, Ornella Venturi, Eugênio Fleury, Ronaldo Ésper, Regina Duarte, Telma Monteiro, Franco Oliveira, Roberto Issa, Hugo Castellana, Cacau Brasil e Tiyomi são alguns dos estilistas que marcaram a carreira de Paola Rossetto.
Inclusive na foto de abertura da matéria, Paula Rossetto aparece com Ney Galvão, na capa da revista do estilista e figurinista que foi famoso na década de 1980 ao substituir Clodovil no programa TV Mulher, da Rede Globo, e ali falar diariamente de moda. Seu estilo destacou-se pelas cores fortes e modelos exuberantes, ricos em plissados e babados, ao estilo Carmem Miranda. Sua butique, instalada na rica região do Jardim América, em São Paulo, era sede de um negócio que comercializava dez mil roupas por mês. No campo artístico, chegou a participar da programação vespertina da TV Bandeirantes.
Paola Rossetto fez muitos trabalhos para o Clodovil, um dos principais nomes Moda Brasileira na época
Curiosidades: A atriz Regina do Duarte nos anos 90 teve conceituada marca de moda feminina. No canto superior esquerdo, Paola Rossetto desfila para Regina Duarte e ma Imagem ao lado para Glorinha Pires Rabelo
A Rotina das Manequins nos Anos 80 e 90
“A rotina era frenética. Corríamos loucamente de um lado para o outro, de um desfile para outro, carregando a sacola de sapatos, sacola de make-up, trocando cabelo e maquiagem o dia inteiro. Bastante cansativo, mas muito legal. Numa dessas correrias de lançamentos acabei chegando atrasada para um desfile e me colocaram ‘de castigo’ – me pularam em um desfile. Fiquei mortificada”.
“Tinha trabalho todo dia. Em alguns momentos de lançamento de coleção ficávamos no showroom, durante 20 ou 30 dias, das 9h às 17h colocando e tirando roupa. Era insano. Uma das maiores dificuldades era ter que desfilar coleção de verão durante o inverno e coleção de inverno durante o verão. Não era fácil. Ou você passava calor ou passava frio.” relembra ela.
Paola Rossetto em desfile para o Clodovil Hernandes, um dos grandes nomes da moda brasileira na época, junto com Ney Galvão e outros
O Retorno Financeiro
Paola conta também que, apesar de naquela época não existir a profissionalização que há hoje, o mercado estava em plena expansão, havia trabalho para todo mundo. Financeiramente também compensava: “Os cachês eram bons. Tinham alguns médios, outros excelentes e outros discutíveis, mas no geral era interessante. Quando o cliente era bom, te dava muito trabalho durante o ano e era fiel a você, você tinha a obrigação de negociar com ele. A gente fechava pacotes por semana.
Com o cachê da FENIT (Feira Nacional da Indústria Têxtil), por exemplo, dava para trocar de carro ou viajar para Europa. Em termos comparativos, a moda paga muito bem. Já pagou muito mais, já pagou horrores, mas chegou um momento que não se sustentava mais, para bancar as Cindys Crawfords da vida, as Claudias Schiffers e as Lindas Evangelistas, não dava mais para pagar o cachê das outras modelos. Aí começaram a escalonar ‘Modelos A’, ‘Modelos B’ e as iniciantes. Quem soube aproveitar, conseguiu fazer um bom pé de meia”.
Paola Rossetto estava sempre presente nas colunas de moda dos jornais e também nas revistas
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Por Denise Pitta e Samantha Mahawasala