Koleston fala de beleza e transformação em encontro que une moda e psicanálise
“Transformar e buscar ser feliz sempre” Koleston promoveu um encontro para revelar os segredos, as motivações e os desejos por trás das transformações estéticas. Assim…
“Transformar e buscar ser feliz sempre”
Koleston promoveu um encontro para revelar os segredos, as motivações e os desejos por trás das transformações estéticas. Assim começou um bate-papo super interessante comandado pela jornalista Vera Golik com a presença do psicanalista Dr Jorge Forbes, a atriz Mayana Moura, a jornalista e crítica de moda Lilian Pacce e o novo embaixador da marca, o hair stylist Julio Crepaldi.
Para falar das transformações é preciso entender um pouco da própria história e de suas motivações, assim cada participante falou da trajetória e de diferentes aspectos das mudanças em suas vidas, promovendo uma discussão sobre as razões e os impactos dessas mudanças sob a óptica da beleza, moda e comportamento.
Julio Crepaldi fala sobre Vocação
Julio Crepaldi lembrou de um filme no qual um garoto é questionado pelo pai sobre o que ele vai ser quando crescer, ao que o menino responde: “quero casar com uma cabeleireira”. Com ele aconteceu algo parecido, uma tia perguntou o que ele queria ser e com 10 anos já sonhava em ser cabeleireiro.
Entretanto, filho de pai mecânico que sempre o levava para oficina, Julio começou sua vida profissional trabalhando com máquinas. Ele relembra do quanto não gostava de mexer com a graxa, queria lavar a mão, não queria trabalhar com aquilo… Então, se transformou, tomou as rédeas da própria vida e hoje realiza sonhos, trazendo transformações à vida das pessoas através do seu trabalho.
Uma vez um amigo perguntou para o hair stylist, o que ele faria se ganhasse uma enorme soma em dinheiro, ao que Julio respondeu: passaria seis meses em Paris e NY estudando e fazendo cursos e depois certamente montaria um studio, pois quando você ama aquilo que faz, independe do dinheiro, que acaba sendo uma consequência.
Mayana Moura traz a força da mudança
Mayana tem uma história relacionada a mudanças. Antenada, foi modelo, trabalhou com diversas grandes marcas internacionais, virou atriz, adora música e vai lançar um CD.
Ela sempre gostou de mudar e sempre foi considerada uma pessoa estranha, as pessoas não entendiam que suas “esquisitices” eram uma questão de estilo e de conceito, assim ela fazia suas próprias roupas, já teve cabelo laranja, sobrancelha raspada… e está sempre mudando.
Mayana conta como “adora experimentar os limites da beleza e da feiúra do próprio rosto”. Para ela a mudança é a grande joia do ser humano.
Mayana Moura em suas diversas facetas
Lilian Pacce – A mulher brasileira adora novidade
Para Lilian Pacce a mulher brasileira é muito aberta para o novo, ao contrário da mulher francesa, por exemplo, que tem um pouco mais de resistência, talvez porque tenha mais cultura de moda e está mais acostumada com uma educação onde o estilo e a adaptação desse estilo é muito importante.
No Brasil adoramos o novo, a mulher brasileira adora novidade. Essa abertura para o novo é uma fonte de juventude, porque se você fecha esta janela, acaba envelhecendo mais rapidamente, vai ficando para trás…
Tem que manter sempre um espaço para o novo, não que necessariamente você tenha que incorporar aquilo, mas o fato de ter acesso as novidades pode te transformar de alguma maneira.
Lilian fala do novo como fonte de juventude e da transgressão dos homens vestidos de freira do João Pimenta, na SPFW
Lilian fala sobre transgressão na SPFW
Neste inverno as passarelas estavam mais cobertas, soltas e as insinuações vieram de uma maneira mais velada, contrapondo a tradição brasileira das roupas ousadas e coloridas.
Para Lilian, a austeridade desta temporada, que foi acompanhada de uma transgressão personificada na Lea T., a transexual que desfilou para Alexandre Herchcovitch, traz em si uma semente de transformação da própria moda brasileira.
É a austeridade do preto, da forma, do coberto, mas que não é careta. No Reinado Lourenço você via essa austeridade nos looks que eram fechados e com trabalhos em alfaiataria na frente, mas as costas estavam nuas. Esse jogo foi bem interessante.
Até a questão do gênero na passarela do João Pimenta, onde os homens estavam vestidos de freiras, mas de uma maneira muito respeitosa, traz também uma transgressão.
A moda é essa transformação permanente e neste inverno trouxe uma trans__gressão, trans__formação, etc. Não é em toda temporada que sentimos uma mudança no caminho da moda e essa edição da SPFW tinha algo novo. O que será que a moda quer dizer com toda essa trans__formação?
Julio fala sobre as transformações estéticas da mulheres
Atualmente a mulher chega ao salão com muito mais informação, ela deseja o bumbum da Jennifer Lopez, o nariz da Nicole Kidman, o cabelo da Gisele, então você acaba trabalhando sonhos.
Uma cliente que não tem nada de semelhante à Gisele, mas você trabalha o cabelo parecido, é comum ela levantar e fazer a pose da Gisele!
Outra cliente queria o cabelo da Ana Maria Braga, mas a estrutura do cabelo dela não permitia fazer aquelas mexas descoloridas. Julio tentou um meio termo, mas ela não estava contente. Voltava, insistia, até o dia que ela chegou com apliques que pareciam umas cortinas de fios brancos, descoloridos, para fazer o corte. Aquilo não estava harmonioso, mas ela saiu feliz, aquele era o desejo dela.
Julio Crepaldi e o sonho das mulheres em ter o cabelo da Gisele Bundchen
Quando se tem medo de mudar
Às vezes, na transformação podemos nos apropriar do minimalismo e algo mínimo pode ser o melhor.
Muitas vezes as pessoas chegam com mexas super marcadas e a ideia era um visual meio surf girl e o simples fato de apagar um pouco, harmonizando o cabelo, já é uma transformação para pessoa, um detalhe que traz o cabelo de volta e faz alcançar o ponto de equilíbrio.
Dr Forbes fala sobre a transformação e o autoconhecimento
Psicanalista Dr Jorge Forbes explica porque temos vocação para as transformações e as implicações da natureza dessas mudanças na moda
A mulher busca a transformação mais que os homens. Os homens são mais universais, geralmente a mesma versão do Um. Enquanto as mulheres são mais diversas, divertidas e ocupam um espaço maior na avaliação e na ampliação do novo.
Para compreender melhor seguem alguns pontos básicos da psicanálise.
Primeiro precisamos notar que transformação é um tema profundamente humano. A gente nunca ouviu alguém falar de como é que as vacas se transformam, normalmente elas não se transformam, as vacas são sempre as vacas e assim todos os outros animais, salvo os animais domésticos por influência humana, fora isso normalmente quem se transforma é o homem.
O que nos difere dos animais é que temos uma formação da personalidade, da individualidade absolutamente frágil. O que nos angustia por um lado, nos propicia a criatividade por outro, somos muito mais fracos do ponto de vista da constituição da nossa identidade e muito mais forte na constituição da mudança e da criação.
Nascemos com uma profunda incompetência em sobreviver, somos o animal mais frágil quanto à sobrevivência e se deixados a nossa própria sorte, morremos, mais rápido que qualquer outro bicho. Isto acontece porque não temos, entre outros aspectos, a motilidade corporal pronta – Lacan chamava isso de corpo fragmentado. Se pudéssemos fazer uma fotografia de nós mesmos, nos representaríamos em fragmentos, porque a bainha de mielina ainda não está pronta.
Para Lacan, não nascemos prontos, somos fragmentados – É no espelho (o Outro, mãe) que a criança vê seu corpo unificado. No espelho a criança vê que ela existe e não é o Outro (mãe) e assim vai construindo sua trajetória de indivíduo. E o fato de coisas escaparem deste espelho, e nem tudo ser codificável, nos permite as transformações.
“Para entender este processo de humanização, imagine metaforicamente que exista um espelho que eu coloco na frente deste corpo fragmentado e este espelho me dá uma imagem unida desse corpo, ele precipita uma unidade, onde a verdade era fragmentada.
Esse espelho, está nos nossos nomes por exemplo, quando o Julio começou a falar hoje, ele começa dizendo como a identidade dele foi formada e qual o projeto que se tinha para ele.
E isso acontece com todos nós, porque lhe foi dado determinado nome e o que se esperava de você, quando você ainda não era um ‘indivíduo’.
Se tudo fosse codificável, voltaríamos a ser vacas, se tudo fosse codificado não existiria mais transformação. Há sempre alguma coisa que escapa do espelho, algo que cai fora da imagem e essa coisa que foge, nos força uma reinvenção a cada momento.
Os homens acham que nada cai fora da imagem, estabelecem uma imagem muito forte e quando estabelecem isso muito intensamente criam uma neurose obsessiva. O neurótico obsessivo é alguém que não duvida e se veste sempre da mesma maneira, é ritualista, faz sempre as mesmas coisas e está feliz na sua não pergunta. É mais difícil fazer isso no universo feminino, que duvida, tem uma convivência maior com a dúvida, não assusta tanto uma mulher, se por em questão.
Num consultório de psicanalista tem muito mais mulher do que homem, porque as mulheres têm essa maior possibilidade. Os homens agora estão adquirindo porque estão sendo forçados a isto.
Uma mulher vive mais essa transformação. E tem dois caminhos para isso: o conservador e o inovador.
No caminho transformador, está a cliente quando diz eu quero ser igual a Ana Maria Braga, mas esse espelho não dá para você e ela diz, não importa eu quero! Essa é a forma de transformação dela.
Júlio não gostaria de ficar com a mão naquela graxa, mudou do óleo da mecânica para tintura de cabelo. Sempre estas mudanças não são totais, se não você seria psicótico. É uma reinterpretação muito interessante e algo costuma voltar.
Sobre a Mayana, em relação à bela frase que podia ser assinada em baixo por um psicanalista: “eu tento os limites entre a feiúra e a beleza”, só pode tentar estes limites quem suporta essa inovação, quem suporta estar fora da caixa deste espelho e quando você cai fora desse espelho, ganha um imenso problema: o de saber que você não consegue mais corresponder à expectativa do outro.
Quando você quer ser a cópia da Ana Maria Braga, acha que tem certeza que está correspondendo essa expectativa, então você faz uma moda repetitiva, tradicional, que evidentemente representa a moda que mais se vende no mercado, porque as pessoas preferem o tranquilo, o conhecido, o sabido.
No entanto, temos o aspiracional, que não vai por este caminho conhecido, mas busca o rompimento da Mayana, quando ela diz sobre estes limites.”
A jornalista Vera Golik comandou o bate-papo
Fotos do evento – ketchum
Por Denise Pitta
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