A cultura nasce de costumes e práticas da sociedade, que acabam por se tornar características de um determinado grupo. Na atual era digital, o comportamento das pessoas passou a ser divulgado a todo instante nas redes sociais, de forma a dar publicidade a atitudes que antes seriam tão somente conhecidas nos meios em que a pessoa convive.
A conduta de expor um colega que tomava uma atitude reprovável ganhou proporções além do privado, a ponto de se tornar uma cultura, denominada cultura do cancelamento.
Segundo o dicionário australiano Macquarie, a expressão “cultura do cancelamento” foi eleita o termo do ano de 2019. Além disso, representa um termo que captura um aspecto importante do estilo de vida contemporâneo.
Ou seja, é um comportamento que, na essência, busca por justiça social. Mas, no fim, acaba por realizar um “linchamento” virtual de indivíduos (famosos ou não) que agem ou fazem algo politicamente incorreto.
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A cultura do cancelamento e o Tribunal da Internet
Para a advogada Cindia Regina Moraca, especialista em mídias digitais, “cancelamento é um fenômeno de comportamento digital onde o Tribunal da Internet, composto por cada usuário de redes sociais, decide se uma pessoa, por ter feito ou falado alguma coisa, merece ser excluída”.
Ou seja, acaba sendo uma sanção imposta pelos usuários da Internet. Como resultado, busca inibir comportamentos reprováveis, considerado modalidade de linchamento virtual.
Algumas dessas questões são preocupantes. Por exemplo, a utilização de fatos antigos para fundamentar a conduta de cancelar determinada pessoa. Situações vividas no passado acabam sendo “levantadas” pelos usuários a fim de expor ainda mais a personalidade de quem desejam cancelar.
Outro ponto importante na cultura do cancelamento é o fato de não haver “contraditório”. Ou seja, o Tribunal da Internet não possibilita que as pessoas se defendam, que expliquem o porquê de determinado ato. O que, não raro, pode levar a julgamentos precipitados e injustos.
- Veja também: “Cancelamento” vai das redes sociais para a vida real!
A pandemia
No cenário de extrema polarização que estamos vivendo, agravado com a pandemia, parece-nos que a cultura do cancelamento está aumentando. Portanto, o sentido é de promover a intolerância na pretensa busca por justiça.
As causas que levam os usuários a cancelar uma figura pública deveriam ser justas e bem intencionadas. Todavia, observamos uma crescente “sede de justiça” que fomenta condutas de linchamento virtual extremo.
A autora Adriana Iziel levanta pontos positivos dessa cultura. Por exemplo, apontando a indignação das pessoas, em relação a situações que anteriormente passavam despercebidas. A exemplo dos casos de preconceito, homofobia, machismo que ganham relevância de discussão.
- Confira ainda: A cultura do cancelamento precisa ser cancelada?
Cancelamento do Fashion Law
Justamente nesse contexto de maior percepção, estão os consumidores de produtos de moda. A exigência é para que os fornecedores tenham um comportamento muito mais ético e comprometido. Seja com o meio ambiente, com os direitos da sociedade ou com os próprios consumidores.
Como resultado, surgem movimentos para apoiar a transparência nas produções de produtos de moda. Por exemplo, o “quem fez minha roupa” do Fashion Revolution.
Portanto, condutas que não lutam contra tais padrões éticos são facilmente combatidas pelos consumidores da chamada geração Z. O que acaba por estimular a cultura do cancelamento coletivo do produto ou da própria marca.
O mesmo acontece com influenciadores digitais quando contratados por empresas para divulgação de produtos, acabam por agir de forma contrária aos padrões sociais esperados, ou ao bom senso e a ética.
Nesses casos tem se observado um cancelamento em massa da própria marca ou das marcas que esse influencer representa. Este assuntos, são tratados pelo Fashion Law, isto é, pelo Direito da Moda, o ramo mercadológico do direito que trata de todas as questões jurídicas relacionadas à indústria da moda.
- Depois, veja também: E-commerce: saiba quais as regras básicas do comércio virtual segundo o Direito da Moda. E ainda, Compliance como instrumento do combate ao trabalho escravo na indústria da Moda.
O resultado da cultura do cancelamento
Algumas vezes se observa o chamado cancelamento indevido. Ou seja, a conduta do linchamento e a cultura do cancelamento ultrapassa os limites do bom senso. Neste caso, a conduta pode gerar danos morais e emocionais ao cancelado. Além disso, também são passíveis de reparação tanto na esfera civil quanto na penal.
O importante sempre é a busca por um equilíbrio das atitudes nas redes sociais. Por meio de acordo entre a liberdade de expressão e o direito da parte contrária de não ser exposto a ridículo ou difamado ou injuriado.
Por Flávia de Oliveira Santos do Nascimento
Flavia é advogada, especialista em direito empresarial e mestre em direito. Professora de direito empresarial na graduação e pós-graduação e coordenadora do Grupo de Estudos de Fashion Law da Universidade Católica de Santos.
É pesquisadora e escritora nas áreas de direito empresarial e Fashionlaw. Além de ser
Presidente das Comissões da Mulher Advogada e de Fashionlaw da OAB Santos. Contatos: flavia@cmn.net.br
@professoraadovogada.