CONTARDO CALLIGARIS
Nossa paixão pelo “look” e pelo design tenta construir um mundo que faça sentido
(…)
Observando os objetos à venda, mesmo os mais utilitários (um saca-rolhas, uma toalha de prato), chegaria à mesma conclusão: nossas escolhas respeitam a racionalidade (a roupa tem que nos vestir e a faca tem que cortar), mas são orientadas por considerações estéticas: gostamos de um “look”. E não é preciso que seja o mesmo para todos: não procuramos um cânone, apenas queremos que nosso gosto ordene um pouco o mundo.
Nas últimas décadas, passamos do ideal de um consumo de massa (mesma geladeira para todos) a um ideal de consumo personalizado, em que o estilo e o design comandam nossas escolhas.
Esse fenômeno, dificilmente discutível, está no centro do trabalho de Virginia Postrel, recentemente entrevistada pelo caderno Mais! (29 de julho) por seu livro de 2003, “The Substance of Style” (a substância do estilo, HarperCollins).
A relevância das escolhas estéticas no comportamento e no consumo das últimas cinco décadas é tradicionalmente explicada segundo dois eixos: 1) Nosso sistema produtivo, depois de promover o consumo de massa, para continuar crescendo, incentiva a diversificação do consumo; 2) Vivemos numa sociedade em que o lugar de cada um depende do olhar dos outros; portanto, a sedução estética que conseguimos exercer (graças a nossa pessoa e aos objetos que nos cercam) torna-se crucial.
Postrel aceita essas explicações, mas acrescenta o seguinte: se valorizamos as aparências é porque encontramos, nesse exercício estético, “prazer e sentido”.
É fácil entender qual é o prazer encontrado num exercício estético generalizado: é o prazer de se expressar singularmente e de compor, para si mesmo e para os outros, uma imagem agradável.
Mais complicado é entender como essa atividade estética incessante nos ajudaria a encontrar um pouco de sentido para nossa vida.
Pois bem, se alguém me perguntasse, hoje, quais são, ao meu ver, os textos filosóficos decisivos para entender o espírito moderno, eu incluiria entre os cinco primeiros, sem hesitar, a “Crítica da Faculdade do Juízo”, de Kant (Forense Universitária). (…)
Resumindo além do máximo, uma das idéias centrais de Kant é a seguinte: apreciamos o belo porque é o exemplo de algo que se justifica em si, ou seja, que tem um fim e uma razão de ser, mas esse fim não é uma idéia ou uma representação externa, ele está na coisa mesma que achamos bela. A beleza, por assim dizer, é o charme das coisas, dos seres e dos momentos que não precisam de uma justificação outra que sua beleza.
Por exemplo, uma cena qualquer da vida, contemplada da mesa de um bar, levanta questões: o que quer aquela mulher? Para onde está indo aquele cara? Qual será o futuro do cachorro que passa por aí?
Numa “bela” fotografia da mesma cena, a questão da finalidade da vida da mulher, do cara e do cachorro é resolvida pela finalidade interna da imagem, por sua “beleza”.
Ora, em nossa cultura, a tradição perdeu valor, e o plano divino é, no mínimo, incerto: as representações e idéias que davam sentido à vida são cada vez mais problemáticas. Talvez nossa paixão cotidiana pelo “look” e pelo design tente, laboriosamente, construir um mundo que se justifique por sua qualidade estética, ou seja, por si só.
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