Por Ângela Rodrigues
Tenho pensado e escrito muito sobre a pós-modernidade porque penso que estamos passando por um momento de reumanização e ressignificação que contempla vários aspectos de nossa existência individual e social e isso muito me interessa.
Moda, decoração, gastronomia, comportamento são, a meu ver, algumas das áreas que nos ajudam a decodificar muito mais que apenas práticas sociais e estéticas. Design de interiores e decoração de ambientes privados, democratização de requintes antes elitizados e o encontro do indivíduo com uma moralidade em construção são micro-realidades a partir das quais podemos decodificar tendências, e, a partir delas, termos uma visão mais apurada de aspectos importantes da contemporaneidade.
Ninguém discute a importância que as grandes narrativas tiveram na elucidação de aspectos importantes da existência humana e extra-humana nas mais variadas áreas. Galileu, Darwin, Marx, Freud, para citarmos apenas as que colocaram o homem no seu devido lugar, cunharam conceitos, estruturaram teorias, ideologias basilares para a compreensão inclusive dos eternos paradoxos sócio-econômico-culturais da sociedade. Mas penso que não podemos eternizá-los como referências de análise em detrimento de novas formas de abordagens capazes de darem conta de novidades impensadas em momentos anteriores.
Alguns já se precipitaram em afirmar que tendência é um termo inapropriado para dar conta da contemporaneidade. Nada mais equivocado ou no mínimo, discutível.
O termo tendência pode ser interpretado sob duas perspectivas: uma reducionista e a meu ver equivocada que se refere ao curtíssimo prazo, a sazonalidades, e a aspectos comuns no que tange à moda entendida aqui como o novo que se manifesta no vestuário, na decoração e em grande parte de nossas produções estético-funcionais.
Entendido dessa forma reduz-se o conceito a quase nada e, um dos principais estratagemas para se captar as expectativas de uma época se perde por visões que tendem a confundir tendência com interesses mercadológicos e sugestões tendenciosas de “criadores” de necessidades planejadas.
Em seu sentido mais amplo, conceituo tendência como o espírito do tempo (assim como Dário Caldas), como algo que transcende a realidade instituída e se cristaliza em necessidades e desejos ressignificados pelas novas produções sociais.
Entendo tendência como o amálgama de micros desejos e necessidades consubstanciadas em um macro que se pulveriza nas mais diversas manifestações humanas.
Se na primeira definição tendência é tida como algo que se estabelece verticalmente, de cima para baixo, de poucos para muitos, na segunda temos uma horizontalidade includente que corresponde a desejos e necessidades materiais e metafísicas que emanam da própria atuação do homem sobre sua realidade. Essas necessidades se apresentam a princípio muito timidamente, mas aos poucos vai ganhando vida própria e assim obriga o mercado a se adaptar a elas. Nada mais claro se considerarmos o novo perfil do consumidor redesenhado pelo neo-individualismo que destrona a massificação recorrente no século XX.
Portanto, tendência e pós-modernidade não podem ser tidas como conceitos excludentes, são na verdade, complementares na medida em que apontam, cada um à sua maneira, para fragmentos de uma totalidade ressemantizada o que sugere que tendência não se refere ao imediatismo. Para evidenciá-lo mais concretamente, resgato um pensador francês – Paulo Virilio – que na década de 90 afirmou em entrevista que a aceleração da realidade tecnológica somada à artificialidade inerente as práticas sociais permeadas por máquinas traria consigo a necessidade de desacelerar.
Hoje, a “profecia” se realiza. Creio que a tendência pós-moderna é o desacelerar da existência, o que denota a necessidade de ressignificação do tempo.
No século XX experienciamos o aumentar constante da velocidade na produção, no consumo, no transporte, na comunicação e na cotidianidade de modo geral. Isso culminou no vencimento prematuro da data de validade de nossas produções, conquistas, desejos, relações afetivas; comprometeu nossa humanidade, nossa qualidade de vida se esvaiu. Portanto, a desaceleração surge como uma necessidade humana gestada no apogeu do tecnocentrismo. A prevalência de muita tecnologia traz consigo a necessidade de reapropriação do tempo necessário para se viver humanamente. Nada mais dialético.
Desde algumas décadas, a moda esteve atrelada à efemeridade. Criava-se, apresentava-se na passarela o que em breve estaria nas ruas. Hoje ninguém contesta que a referência criativa da moda é a passarela da rua onde desfilam indivíduos ávidos para comunicarem através da plástica da moda e do corpo (como diz Kátia Castilho) o cansaço da era tecnológica. Vemos na roupa da rua e por conseguinte na passarela (como o demonstram alguns desfiles da semana de moda de Paris inverno/2009-20010) o retorno de necessidades perceptíveis na semântica de roupas há muito conhecidas.
O retorno ao velho, ao vintage, ao retro, a meu ver corresponde a um processo de releitura do vestuário muito instigante que sugere saudade inclusive de algo não vivido. A ausência de verdade, de intimidade, de cumplicidade, de aconchego parece amenizada com uma peça confeccionada por mãos, linhas e agulhas que deixam registros nunca percebidos no pret-a-porter. Roupa com história, com memória parece reumanizar o modelo, ressignificar o corpo, reascender a aura, é realmente interessante. Ao fast fashion, à moda efêmera contrapôe-se a slow fashion, à moda atemporal que resgata o tempo e sugere o perene.
Quanto à decoração dos nossos ambientes privados, tem sido recorrente vestígios de demolição, de uma materialidade natural, misturas de estilos, de cores, de texturas desbancam a previsibilidade do vidro, do ferro, do alumínio, das combinações. As plantas não habitam apenas o jardim, mas todos os cômodos; dão vida a artefatos com longas trajetórias. Móveis customizados, objetos de décadas denotando resquícios interessantes de momentos vividos em outros tempos. Quanta saudade, nem sempre se sabe do que! É preciso ter idade para percebê-lo, mas não para senti-lo.
A ascensão da gastronomia como prazer também me parece reveladora. Hoje, queremos um espaço gourmet que incita a atividade social que reúne ao fogão e à mesa muitas mãos com tempo para a fruição de sabores simples antes ofuscados por menus quase indescritíveis em todos e por todos os sentidos. O fazer, o processo, a alquimia, o degustar não mais para sanar apenas necessidades biológicas, mas também algumas outras que poderiam ter as mais variadas definições. Fazer não apenas para comer me sugere a busca por necessidades que requerem alimentos metafísicos embora muito mais familiares que quaisquer outros conhecidos. Hoje, queremos alimentar nosso corpo biológico e nosso corpo cultural, não há como fugirmos.
Através da roupa, da decoração e da gastronomia parecemos clamar pelo retorno do que era velho mas, na verdade o que prevalece é a necessidade de cápsulas de humanidade, nem importa muito se industrializadas ou manipuladas, mas que sejam eficazes na cura da artificialidade que passou a imperar há algum tempo em nossas produções, nossas representações, nossas relações, nossa existência!
Se é assim, que sejam feitas releituras, resgates e que consigamos nos reencontrar ao máximo com o que era velho e que agora, com nossa percepção mais aguçada, se revela ressemantizado.
Nada mais moderno e atual que exaltarmos sentimentos, sensações, relacionamentos, relações, cumplicidades, fragilidades, inseguranças. Não ter que ser super herói é realmente apaixonante. Não ter que ser super em quaisquer sentidos essa é, a meu ver, a tendência dos próximos anos! E que não sejam poucos…
Abraço a todos.