Quem é o novo homem

As pesquisas revelam dois novos perfis masculinos: os que colocam poder e sucesso profissional acima de tudo e aqueles que elegem a família como prioridade absoluta

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Por Camilo Vannuchi e Lena Castellón

Filósofos e antropólogos passaram séculos tentando explicar os homens. Nos dias de hoje, psicólogos, publicitários e sociólogos dedicam pilhas de estudos na tentativa de compreendê-los. Se complexidade e inconstância sempre foram características femininas, trabalhos reveladores começam a identificar perfis de homens com facetas tão múltiplas quanto as delas. Do vaidoso e sensível ao machão de carteirinha, o espectro de personalidades é amplo. A novidade mais quente é o mapeamento, em escala mundial, de mais dois perfis masculinos, por um estudo que acaba de sair do forno, feito no Brasil e em mais 12 países pelo grupo Leo Burnett. As duas legiões foram batizadas com nomes de impacto: neopatriarca e power-seeker (em português, aquele que busca poder). Ao lado deles estão outros perfis, apelidados de metrossexuais, retrossexuais e übersexuais.

Vaidade: o ator Fernando Pavão faz o básico pela aparência. Pratica exercícios na academia e usa protetor solar

Tantos rótulos mostram que é necessário analisar com profundidade cada uma dessas divisões para entender o universo masculino atual. De um modo geral, todos têm algum grau de vaidade. E ele pode ir do mais alto, o do metrossexual, ao quase zero, o do retrossexual, a versão moderna do homem das cavernas, um ser tosco se comparado a ultravaidosos como o craque inglês David Beckham. Power-seeker e neopatriarca, por exemplo, ocupam os extremos da gangorra. Enquanto o primeiro se realiza no sucesso profissional, para o segundo nada é mais compensador do que curtir a família. Diante das exigências do mundo moderno, que rouba cada vez mais tempo das pessoas, essa disposição pode surpreender os desatentos. Mas os neopatriarcas por excelência sabem que não estão sozinhos. “Conheço outros homens como eu. Não sou exceção, e sim uma tendência”, acredita o diretor de comerciais Pablo Nobel, 41 anos. Pai de Ana, três anos, e Matias, sete, ele coloca a família como prioridade e já recusou a oportunidade de trabalhar nos Estados Unidos porque não quis se afastar do menino, filho do primeiro casamento. Um neopatriarca típico.

O tempo é algo precioso para homens como Nobel, conscientes de que uma hora a mais no escritório é uma hora a menos em casa. “Ele é responsável por uma ruptura no paradigma do lucro que arregimenta a maioria dos homens”, afirma o psicoterapeuta Sócrates Nolasco, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos mais respeitados pesquisadores de temas masculinos do País. Nolasco considera a busca pelo exercício da paternidade – um dos pilares de sustentação do perfil neopatriarca – o mais revolucionário elemento da nova masculinidade. Segundo ele, no Rio de Janeiro, um a cada cinco pedidos judiciais de guarda dos filhos é feito pelo pai, coisa impensável 15 anos atrás.

Salão: para o metrossexual Reinaldo,
é preciso valorizar a estética

O power-seeker é outro tipo encontrado de modo expressivo. São homens que desejam o poder e usam a vaidade para auxiliá-los a conquistar as posições almejadas. Dentro desse perfil se encaixa também um tipo recentemente identificado. É o “homem alfa”, um conceito proposto pela dupla americana Kate Luderman e Eddie Erlandson no livro The alpha male syndrome (A síndrome do homem alfa), que será lançado no próximo mês nos Estados Unidos. São indivíduos tão plenos de testosterona e vontade de subir na vida que marcam os lugares por onde passaram. “Eles costumam tratar os familiares como colegas de trabalho, sem dar a devida atenção à mulher e às crianças. São responsáveis pelas grandes chacoalhadas que acontecem no mundo do trabalho e representam 70% dos executivos sêniores”, declara Erlandson. Um exemplo desse gênero é Michael Dell, fundador e presidente da multinacional fabricante de computadores que leva o seu sobrenome e, segundo a revista Forbes, dono da quarta maior fortuna dos Estados Unidos e da 11ª do planeta. Dell navega sobre um patrimônio pessoal de R$ 28 bilhões e se reconhece como um homem alfa.

O paizão: Pablo, com Ana e
Matias, recusou trabalho para
ficar perto dos filhos

Conduzida para descobrir se a maioria dos homens se identifica nos perfis metrossexual e retrossexual, a pesquisa da Leo Burnett descobriu que 60% não se reconhecem nesses tipos. “Ao se pautar por esses extremos, os veículos de comunicação e a propaganda não têm conseguido atingir o público masculino”, afirma Marlene Bregman, vice-presidente de negócios corporativos do grupo no Brasil. Para ela, as campanhas ridicularizam o homem ao apresentá-lo como vaidoso demais ou objeto dispensável. “É preciso remasculinizar o homem. Quando anunciamos um spa, por exemplo, temos de saber que eles não querem o mesmo que as mulheres. Elas desejam ser paparicadas e eles querem um pit stop”, conclui.

De qualquer modo, é cada vez maior o número de adeptos dos salões de beleza. Estudo recente da Bolsa de Mercadorias & Futuros revelou que, para os brasileiros de 20 a 30 anos, investir na estética é uma maneira de aparentar sucesso profissional e pessoal. Outro dado que reforça esse cuidado com a imagem é o fortalecimento do setor de perfumes masculinos. De 2004 para 2005, o segmento cresceu 23%, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. “Minha rotina envolve musculação, perfume, hidratante para o corpo e creme anti-rugas ao redor dos olhos”, conta o empresário Reinaldo Silva, 39 anos. Ele brinca ao se assumir como um metrossexual do tipo light. “Homem também precisa cuidar da aparência.”

Fazer as unhas da mão e do pé, aparar os pêlos e até submeter-se a depilações com cera estão entre as novas atividades masculinas. E, nessas horas, quanto mais discrição, melhor. Por isso, diversos institutos têm criado espaços exclusivos para eles. “O homem quer se sentir à vontade”, observa o francês Laurent Cocq, diretor do salão Franck Provost, em São Paulo, que tem uma área reservada para os clientes. Cocq também já notou os novos perfis masculinos. Segundo ele, o executivo pai de família não solicita tantos serviços e o metrossexual pode pedir até depilação total. O vendedor Paulo Cool Jr., 23 anos, já passou por experiência parecida. Uma vez utilizou um aparelho depilatório de uma amiga para deixar o peito livre de pêlos. Já no cotidiano, procura fazer a barba com cera, quando tem tempo. “Minha pele é sensível e encrava se uso lâmina”, diz. Cool reconhece que sua vaidade causa espanto. “Mas não ligo para isso. Eu me considero um novo homem. Entendo as sutilezas femininas. E estou bem com minha namorada.”

O termo metrossexual foi proposto na segunda metade dos anos 90 pelo jornalista inglês Mark Simpson e se tornou amplamente difundido. Como contraponto, surgiu a tribo dos retrossexuais, simbolizada por celebridades como Benício del Toro e Russell Crowe. Aplaudidos em um primeiro momento, os retrossexuais acabaram tachados de ogros e abriram caminho para o übersexual. Em alemão, über significa super. Como em um filme de ficção científica, o rótulo passou a identificar uma espécie ultra-evoluída, que usa gel e perfume – mas é incapaz de procurar um podólogo –, compreende as mulheres e as respeita – só que faz questão de tomar cerveja com os amigos, sem abandonar as discussões sobre esporte. É o caso do ator Fernando Pavão, 35 anos. “Faço o básico pela minha aparência. Meu cuidado mais importante é o protetor solar”, afirma. Workaholic, ele se dedica bastante aos ensaios da peça O inimigo do povo, porém não deixa de freqüentar a academia.

Maturidade: o jovem Rafael Almeida diz que
o mais importante é ser cavalheiro e honesto

O antropólogo Marko Monteiro, autor de Tenham piedade dos homens!, lembra que os novos modelos vêm todos do Hemisfério Norte e que só agora começam a se disseminar no Brasil. “Lá fora, há mais liberdade para experimentar e, por isso, criam-se as vanguardas”, explica. Dentre os perfis, o übersexual se apresenta hoje como o tipo masculino que conseguiu conciliar moda e beleza sem perder a virilidade, a autoconfiança e a personalidade assertiva, elementos constitutivos da identidade masculina e ainda valorizados pelas mulheres. No entanto, é provável que ele também seja substituído com o tempo. O homem adota seu estilo em resposta às exigências sociais e terá de se mexer toda vez que o mundo mudar de cara. “Antes, os homens se vestiam sempre da mesma forma. Só as mulheres variavam”, compara o psicanalista Jorge Forbes.

Quem ganha com tudo isso são os adolescentes, que já nascem abertos para novas possibilidades e encontram menos resistência dos amigos. Apaixonado por música clássica e praticante de dança de salão, o ator Rafael Almeida, 17 anos, é um exemplo dessa nova geração. O gosto musical foi incutido pelo pai e ninguém o repreendia por dançar salsa no sábado à noite. “O que torna um homem masculino não é a música ou a roupa. As qualidades mais importantes são cavalheirismo e honestidade”, diz Rafael. Ele trocou São Paulo pelo Rio de Janeiro seis meses atrás e levou a família a tiracolo. Mora com os pais e com as duas irmãs e pretende continuar assim por muito tempo. “Só saio daqui para casar”, afirma o rapaz, que não esconde o tradicional desejo de constituir família, embora não esteja namorando. Será ele um aprendiz de neopatriarca? Ou de um power-seeker? O tempo dirá.

Fonte: Revista Istoé

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