O que os jovens querem?

Emiliano Capozoli/Valor

Marcela, de 18 anos, e Cayo, de 20, representam bem a “geração XY”: ela conversa pelo MSN ao mesmo tempo que vê TV e navega por sites de moda; ele já é “produtor executivo” da área musical(…)

A “próxima geração” acaba de ser diagnosticada com detalhes por estudo baseado em pesquisas de diversos anos feitas pelo The Pew Research Center, importante centro de pesquisa com sede em Washington, e um levantamento mais recente conduzido pelo mesmo instituto, com o objetivo de compor o retrato final dos jovens que cresceram armados de computadores e celulares. A pesquisa considerou a “próxima geração” como sucessora da chamada “Geração X”, formada por pessoas entre 26 e 40 anos, que, por sua vez, veio a suceder a geração “baby boom”, cujos representantes têm entre 41 e 60 anos.

No último levantamento do Pew foram entrevistados 1.501 adultos, entre eles 579 jovens de 18 e 25 anos, adaptados num mundo em que a única constância são as rápidas transformações. O estudo demonstrou que, à semelhança dos jovens adultos de épocas anteriores, a geração que cresceu à sombra do atentado de 11 de setembro de 2001 encara o futuro com otimismo e se sente feliz com a vida que leva.

Diferentemente de gerações anteriores, os “próximos” se dizem mais satisfeitos com as oportunidades de educação e trabalho que receberam. Eles querem ganhar dinheiro. De alguma forma, contrariam a máxima “dinheiro não, beleza pura”, adaptação tupiniquim dos ideais da contracultura cantado por Caetano Veloso na música “Beleza Pura”, gravada em 1979.

Esses jovens não têm pudores em admitir que ficar rico e tornar-se famoso fazem parte de seus maiores sonhos. Mas os “próximos” também priorizam a estabilidade social e a família. Três em cada quatro entrevistados declararam ver os pais pelo menos uma vez por semana e metade deles diz manter contato diário com a família. Eles revelam mais tolerância em relação a temas sociais como imigração, racismo e homossexualidade. E a maior parte acredita que o sexo casual, o abuso de álcool e drogas e a violência são mais freqüentes do que há 20 anos.

Marisa Cauduro/Valor

Nivaldo Godoy Jr., um dos criadores da banda virtual Digigarden, que produz “músicas googlísticas”: “A internet é a liberdade de pensamento”

A internet, evidentemente, sobressai entre os principais distintivos dessa geração que cultiva amizades e faz contatos profissionais enviando e-mails, disparando torpedos por celular e conversando por Skype e MSN, os mais conhecidos programas de bate-papo em tempo real.

A adesão aos sites de relacionamento, entre eles Facebook, MySpace e MyYearbook, fez que esse grupo ganhasse o apelido de “Look at me generation”, algo como “geração olhe para mim”. Para se ter uma idéia, a maior parte dos entrevistados confirma ter acessado esses sites – quatro em cada dez deles criaram e tornaram disponível o próprio perfil na internet.

Mesmo assim, a maioria não tem uma visão cor-de-rosa da informática, pois 80% admitem que a internet pode tornar as pessoas mais preguiçosas. Parêntesis: no Brasil, essa constatação reforça a interpretação das taxas de obesidade divulgadas recentemente pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem/DF). Hoje 40% da população brasileira está acima do peso e 15% dos gordinhos são crianças de maior poder aquisitivo que trocaram a bola pelo computador, provavelmente os sucessores dos “próximos”.

Embora o Orkut tenha sofrido uma debandada de americanos no último ano, ele continua funcionando, no caso brasileiro, como o site de relacionamentos mais popular. Foi através dele que Cayo Billachi fez o primeiro contato que acabou dando frutos com o cantor Renato Godá. Cayo acaba atuando como uma espécie de “consultor” de gerações mais velhas. O jovem está empenhado em ajudar a cantora e compositora Fernanda Porto a criar o seu perfil no MySpace, aliás o site que mais cresce no país. O MySpace está virando febre especialmente no que diz respeito à música, a grande paixão dos “nexters”, geração que fez dos tocadores de MP3 uma extensão do próprio corpo.

Recém-chegada ao pedacinho brasileiro do MySpace, uma banda virtual chamada Digigarden começa a atrair internautas da nova geração. Com um repertório criado a partir de definições de palavras retiradas do Google, a ferramenta de busca que já se tornou o oráculo da internet, o Digigarden é formado por uma dupla com poucos anos à frente da geração XY. Os seus criadores, o arquiteto Nivaldo Godoy Jr. e o produtor de vídeo Panais Bouki, são amigos de infância que se reencontraram para produzir “músicas googlísticas” ou, como carimbam em inglês na rede, “Songs of Googlism”.

Eles também produzem videoclipes de bandas que muitas vezes só conhecem dentro do ambiente virtual. “Mantenho contato com pessoas de diversas idades”, comenta Godoy Jr., de 28 anos. “Mas noto que os mais jovens têm menos medo de experimentar novas linguagens e se arriscam mais nas criações.”

Por causa da facilidade de hospedar arquivos musicais, o MySpace já ajudou a lançar muitos jovens talentos no mercado, como a banda de rock britânica Arctic Monkeys, que figura entre os pioneiros do hype virtual, e a dupla americana Gnarls Barkley, que na festa de bodas de prata da MTV, ocorrida no fim do ano passado em Copenhague, a maior cidade da Escandinávia, venceu a categoria de “sons do futuro”. Os fãs da Arctic Monkeys copiaram e disponibilizaram pela internet as primeiras fitas demos e depois montaram um perfil no MySpace antes mesmo que os membros da banda soubessem. Mal saída da geração XY, outra inglesa, a cantora Lily Allen, 26 anos, estourou no MySpace antes de conquistar o mundo com o seu álbum de estréia. Exemplos não faltam.

Graças à rede de relações virtuais, o sexteto paulistano Cansei de Ser Sexy – ou CSS para facilitar a carreira internacional – começou fazendo sucesso fora do país para só depois ser absorvido pela lendária gravadora americana Sub Pop. Em proporções menores, a banda O Bonde do Rolê, formada por um trio de universitários de Curitiba, espalhou-se com força total na rede e, em menos de dois anos de existência, foi parar nas páginas da revista americana “Rolling Stone”, uma das bíblias da cultura pop. No fundo, os “próximos” talvez tenham sido os primeiros a perceber que a internet pode se tornar cada vez mais fundamental no lançamento dos produtos musicais.

Especialista em interação entre seres humanos e computadores, o americano Ben Shneiderman diz em seu livro mais recente, “O Laptop de Leonardo” (Editora Nova Fronteira), que estamos vivendo uma fase chamada por ele de “Renascimento 2.0” – um período de utopia apoiado no potencial ainda pouco explorado da informática e da internet. De acordo com essa visão, os jovens que estão se preparando, ou acabaram de chegar ao mercado de trabalho, fazem parte de uma geração pronta para deflagrar uma revolução social baseada na rede de relações pessoais e colaboração de idéias fortalecida pela internet.

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Respeitado filósofo da era da informática, o francês Pierre Lévy acredita que a vantagem do computador sobre a escrita é que ele serve à mobilização permanente dos homens e das coisas. Em “As Tecnologias da Inteligência” (Editora 34), Lévy afirma que o acesso às informações on-line, a noção de tempo real inventada pelos “informatas”, é feito de forma seletiva e não contínua como na leitura, o que poderia justificar outra característica relevante no perfil desses jovens capazes de ouvir música, conversar pela internet e continuar abrindo sucessivas janelas no computador.

“O segredo para não se perder na rede é começar acessando um grande número de informações para no fim se concentrar no principal”, ensina a estudante de moda Marcela Ramires, de 18 anos, habituada a conversar pelo MSN com o notebook no colo, ao mesmo tempo que assiste à televisão e navega pelos sites de moda. O que poderia ser interpretado como dispersão pode estar funcionando como um critério de seleção. É o que leva o jornalista britânico Chris Anderson afirmar que estamos vivendo o fim da era da cultura de massas.

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A psicóloga Carla Witter, pesquisadora de mídia e doutora pela Universidade de São Paulo (USP), ressalta, no entanto, que o bombardeio de informações tem o seu lado negativo. Ele pode provocar conhecidas confusões, como o envio de mensagens trocadas pelo Orkut, ou estimular mecanismos pouco saudáveis de espionagem da vida alheia. O excesso de “oferta” de dados de que os “nexters” hoje dispõem nem sempre leva a um aprendizado com conteúdo, segundo ela. Por esse prisma, é grande o risco de perder o filtro e esbarrar na superficialidade.

Além disso, ressalta a psicóloga, os sites de relacionamento podem alimentar a falsa ilusão de popularidade: em vez de cultivar amizades, basta “adicionar” amigos com um toque no teclado. Por isso é que se diz que o grande desafio dos “próximos” está em aprender a usar o potencial virtual de modo positivo. Vale lembrar que o otimismo aparece como característica importante no perfil desses jovens. Godoy Jr., do Digigarden e interlocutor dessa geração, faz sua aposta: “A internet é a liberdade de pensamento”.

Por Lina de Albuquerque. Leia o artigo completo no o Valor Econômico.

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