Por Rosane Preciosa em Caras Imagens
O Olhar de Viés. O viés do tecido, a
diagonal. Aquilo que tangencia. Um olho
que esburaca a roupa para que nela se
liberte a poesia aprisionada. Desfeita, em
farrapos, cada fibra devolve ao olhar sua
graça.
E não será esse o trabalho de nossa
sensibilidade: desfazer formas, abrindo
alas para tantas outras.
Desejar que as formas vibrem e nos
surpreendam. Olhar uma roupa, pensando
em mil outras conexões.
A roupa e sua entourage de sonho.
Antes da forma o tecido, a loja de tecidos.
O vendedor e sua tesoura afiada faíscava, rasgando
aquelas peles. Um ruído eletrificado percorria minha
espinha. Inundava-me um ar de aromas. Cada tecido
liberava seu singular cheiro e exigia formas únicas
de serem cortados. E os vendedores cautelosos, amorosos,
atrás do fio certo, da metragem exata, do
corte preciso, sob o olhar vigilante das madames.
Mulheres chiques ensaiavam vaidosas, cada qual com
seus panos, as futuras formas. Uma coreografia de
tons e texturas encorpava o espaço da loja.
Movimentação fascinante.
As costureiras e seus minúsculos cômodos
empilhados de cortes. Alfinetes se espalham sobre
um arremedo de tapete persa.
Aquela orgia de panos pulsando cores, reclamando
seus feitios sempre adiados. O entra-e-sai das provas.
As flores desbotadas do vestido da costureira. O colar
de fita métrica, de metro apagado.
Pobreza e requinte.
As revistas de moda e suas páginas arrancadas.
Fonte: Moda Brasil