O sentimento sempre é expresso (mesmo aqueles mais profundos e inconscientes) através de nossas histórias. Estou chamando essas histórias de narrativas. Até aqui percebo como mais relevantes três narrativas. São elas: narrativa pessoal, a do meio-ambiente e a cultural.
Penso neste texto como bonecas russas, que ficam alocadas uma dentro da outra. Apesar de serem mais de uma, é no fim das contas uma só.
Através dos valores e aprendizados formamos a narrativa pessoal. As regras – ou falta delas – que através de nossos pais, regeram nossa vida desde a remota infância, acabaram por nos transformar no que somos hoje. O problema é que nem sempre gostamos deste resultado final, daí surgem os conflitos. Destes conflitos surgem a rebeldia e a desobediência na tentativa de construir uma nova e própria personalidade. Pense numa narrativa como a função de um imenso funil. Todos os estímulos externos são absorvidos pela parte mais larga e convertido para o ponto mais estreito (sua história, sua verdade).
A narrativa é, portanto, uma linha-mestra na condução de nossas vidas, uma espécie de default que diante de determinada questão temos a tendência de agir de forma automática conforme nossa “programação”. Um exemplo: digamos que uma pessoa de temperamento pessimista que, justamente por este motivo, sempre “enxerga” o mundo como se lhe fosse totalmente hostil. Vamos ao exemplo prático: o estímulo externo: esta pessoa perde o emprego. A conversão do fato para o “funil”: é porque existe um complô contra ele, inclusive, ele já sabia que seria o escolhido para demissão. Para uma pessoa assim, seja qual for a questão, ela sempre será a vítima das mazelas da vida. Outra pessoa, com tendências a uma narrativa mais positiva, veria a mesma questão de forma totalmente diferente.
A idéia do funil é de que todas as ocorrências que nos cercam levam para um ajustamento, para nossa narrativa pessoal. E qual será ela? Esta é a questão que preencherá nossos pensamentos. É a descoberta de “Quem sou eu?”. Quanto mais fundo se vai nesta questão, mais se aprende a respeito da nossa tendência de convergir os fatos para a nossa verdade.
Outra narrativa é o meio-ambiente. É o pensamento geral, o senso comum do meio em que estamos inseridos. Neste caso é um contexto que para o indivíduo seja bastante relevante. Por exemplo, numa comunidade religiosa todas as questões passam primeiro pela lógica do certo-errado da divindade. Se o caso for de fazer parte de uma academia as questões são traduzidas pela lógica e pela experimentação dos modelos científicos. Caso estejamos num grupo de psicologia todas as questões serão perfeitamente encaixadas nas teorias ali estudadas, na sincronicidade, lei da atração, etc.
A terceira narrativa é a cultura. Esta cultura também forma sua história como mediadora na resolução das nossas questões pessoais. Homens-bomba, resignação, obediência cega, etc.
Como no exemplo citado o sujeito perdeu o emprego e nas reuniões com seu grupo religioso ele se tranqüiliza porque “Deus quis assim”, ou está “preparando algo melhor”, “fecham-se as portas, abrem-se as janelas”. Mas digamos que este mesmo sujeito não seja religioso. Em sua rotina ele faz parte de um grupo de convívio científico, sendo assim, ele ainda que pessimista, acaba entendendo a demissão como uma dinâmica própria da vida, onde saem ou entram elementos que modificam toda uma estrutura de forma natural. Este sujeito poderia ser ainda um membro de uma comunidade filosófica. Nesta comunidade o seu caso é visto por todos como um grande quebra-cabeças onde as peças e as estratégias demonstram, há tempos, o futuro desenrolar da trama. Isso levaria nosso protagonista e descobrir qual sua parcela de responsabilidade e, quem sabe, a não-legitimidade daquele trabalho…
Seja qual for a questão, o grupo em que se está inserido sempre terá uma resposta que deve abrandar a ansiedade e aflição, de forma que essas respostas se adéquem perfeitamente a a narrativa pessoal. Este grupo de convívio (que pode ser religioso, científico, psicológico, etc), atenua as dúvidas que enfrentamos para responder as questões da vida e curiosamente, muitas vezes mudam. Em um determinado tempo este sujeito foi católico, depois espírita, noutro tempo budista, adiante rosa-cruz, etc. Outras vezes envolvido com programação de computadores tentava lidar com as questões de uma forma mais lógica. Cada mudança sugere um movimento na busca que mais confortavelmente se adapta às suas questões.
Cada novo ponto de vista descoberto dá um novo resultado para as mesmas questões. Cada novo aprendizado sugere também uma nova verdade que se passa a acreditar e reconduzir a vida. Apesar de acreditarmos que temos total liberdade, nossas respostas estão, invariavelmente, condicionadas ao pensamento da comunidade ou do senso comum. Todos costumam resolver suas questões seguindo a mesma dinâmica. E acreditando nas mesmas verdades.
Ainda que encontremos novas respostas aos velhos problemas, será que não conseguimos ser totalmente autônomos com nossos sentimentos e pensamentos? Será que sempre precisamos de referências para criar nossas histórias, nos espelhando no outro para tentar nos descobrir? Afinal, só sei que não sou tão bom porque alguém me parece melhor.
Enfim, sua narrativa é também a história em que você acredita. Naturalmente seja lá o que for, é também uma verdade. O detalhe é que é apenas a sua verdade. E é sempre com base nesta crença que todos nós vislumbramos nossos resultados, sejam eles nos relacionamentos afetivos, na carreira profissional, resultados financeiros, etc.
Como nossos conflitos são baseados nos nossos fracos resultados, isso quer dizer que a nossa verdade pode estar corrompida ou, no mínimo, equivocada. Como reescrever uma nova narrativa? Esta é também uma questão que volta para nossa primeira pergunta: Quem sou eu? A resposta é que nos levará a nova verdade e a evolução!
Por Vinícius Moura