O Alto Valor Agregado é um blog que faz ótimas reflexões sobre o mercado de luxo:
” Novo espaço para se pensar e discutir a dinâmica do mercado e das marcas de luxo, dos produtos e serviços com alto valor agregado e para todos aqueles que se interessam pelos temas do consumo e novas tendências, moda e estilo, design, branding e marketing. O crescimento e a valorização do luxo é uma questão central do consumo contemporâneo e faltam especialistas e espaços para discutir este tema com seriedade.”
Etimologia e Significações do Luxo
A definição do conceito e as significações e representações sobre o luxo são históricas e culturais, mas também são individualizadas e particulares. Neste sentido, é preciso se entender o luxo como um conceito plural, dinâmico e de caráter relativo. Em vez de falarmos em luxo no singular, como categoria unívoca, deveríamos pensar em luxos, com sentidos diversos.
Buscar a etimologia da palavra, definir seus significados no passado, interpretar o que ele significa hoje e buscar antever seu destino no futuro é um exercício de extrema complexidade.
Ele é uma construção cultural e política que define zonas de domínio, exclusividade e poder. Se pensamos uma sociedade como uma totalidade, o luxo seria o que há de mais valioso e estimado, muitas vezes um bem raro, inacessível ou impedido de ser apropriado ou deleitado pela maioria. Pode não ser raro em quantidade, mas deve ser seletivo e diferenciado, proibitivo e de interdito social. O luxo em si precisa ser qualitativamente socializado dentro de um pequeno grupo que goza de poderes ou privilégios mágicos ou carismáticos, político, religioso ou econômico.
Mas uma coisa ou elemento em si não nasce com categorias que o definem concretamente como objeto ou obra de luxo. Ele não é a príncipio nada de material e concreto.
Ele está no terreno dos sentidos atribuídos pelo próprio homem. Elege-se por razões diversas, uma coisa como sendo significativamente diferenciada das demais, dotada de poderes que extrapolam sua própria forma e conteúdo. O luxo é um atributo de caráter simbólico, está na dimensão do inefável e do sensível, se situa na ordem do míto ou do fantasmagórico, do prazer sensorial e estético, dos desejos, do fascínio e das emoções que causam no homem.
Deixemos de lado sua dimensão política, de dominação e diferenciação dos poucos sobre a extensa maioria. Vamos análisá-lo no campo do simbólico e das sensações.
O luxo, nestes termos, traduz um somatório de emoções e experimentações dotadas de sentido e significação pelos homens. O luxo é uma criação humana e cultural, não está na ordem da natureza ou inscrita em nenhum gene. Sua natureza se expressa e se define pela magia e sensualismo que despertam sentimentos de paixão, apropriação e cobiça. É mais que signo de exceção e raridade, poder ou status, pertença, diferenciação ou reconhecimento. O luxo é um um dom, caráter ou conteúdo espiritual que anima e preenche certas coisas elegidas, de um sentido único e imaterial, que aflora sensações e sentimentos, estimula os sentidos humanos: a dimensão física, psíquica e espiritual do homem.
Seu valor é sentido não apenas nos estímulos fortes que projeta na consciência e no desejo humano, mas no seu valor manifesto, nas esferas da vida e da realidade econômica, social, política e cultural. Sua posse indica que sou o portador de um poder mágico, religioso ou político. A posse ou acesso aos bens ou privilégios do luxo ajudam-nos a dizer quem somos e quão diferentes e únicos somos. Somos parte da aura e do fascínio que está corporificado nos bens de exceção. Eles projetam uma imagem de um eu grandioso.
Sabemos, e parece ser ponto pacífico afirmar, que o luxo não revela e nem se manifesta pela razão, mas é criado e percebido na pulsão e no desejo que provoca no coração e na mente dos indivíduos e grupos: emoções intensas que extasiam os sentidos.
Etimologicamente o luxo significava fausto, fascinação e brilho. Através de um retorno às origens etimológicas do termo ou de um périplo através de sua história no Ocidente, poderemos pensar sobre o que o luxo significou e, ainda, significa. Alguns definiam o luxo como luz, aquilo que ilumina ou traz brilho. Do latim luxus que significa excesso em geral ou mesmo indulgência dos sentidos. Luxo também guardava familiaridade com a noção de lúxuria: exuberância, profusão, vida voluptuosa.
O luxo, segundo a concepção dos gregos, pelo seu próprio caráter de excesso, era concebido como um valor positivo, ligado à idéia do esplendor e da magnificência quando associado ao luxo público. No sentido privado, da vida individual ou familiar, era carregado de um senso negativo de efeminamento e corrupção das virtudes da pessoa e da família.
Na Roma antiga o luxo estava associado ao universo feminino e aos prazeres físicos, especialmente das comidas e bebidas: do mel e azeite, de exotismos culinários e vinhos, do ouro e fragrâncias amadeiradas vindas de fora.
Desde os primórdios criavam-se nas mais diversas sociedades leis que coibiam o consumo de certos artigos ou a posse de certas indulgências.
O luxo mesmo depois da derrocada da igreja e das culpas cristãs, ainda continuava a ser visto como sinônimo de luxúria e decadência, como afirmava uma ampla corrente que começou a condenar o caráter vil e degenerativo do apego ao luxo no século XVII. Mandeville e Voltaire e tantos outros defendiam o direito ao luxo. Era visto como um motor da economia, que gerava riqueza e trabalho e civilizava e tornava o homem mais sofisticado e culto. Os vícios privados eram tidos como morais, legítimos e objeto de magnificência quando tornados bens públicos.
A tradição religiosa ocidental herdou do pensamento judaico-cristão a ojeriza e a condenação do luxo e do prazer. Viam no luxo, uma fonte de prazer sensorial e terreno, desviante da fé e dos valores espirituais, do trabalho e da glorificação divina. O apego ao luxo era um pecado, e os homens, torturados pela idéia da culpa, condenavam os excessos,
vistos como atos imorais e condenatórios.
O luxo também se referia a uma vida vivida por meio de grandes despesas,
envolta em elegância e fausto, modo de vida rodeado por objetos caros e sem necessidade que nos dão prazer e são expressões de vaidades pessoais e ostentação gratuita; grande excesso de qualquer coisa de caráter supérfluo e desnecessário.
Ainda hoje, o conceito é eivado de uma carga negativa. O luxo ainda não foi desculpabilizado, porque, talvez, a transgressão e o prazer ainda não o foram.
Fonte: Alto Valor Agregado