O Barroco na Moda – Entenda a expressão artística que permeia as tendências da nossa década

O espírito do Barroco é carregado de informações, dramaticidade e conflitos,  assim como abundância e vitalidade, o que traduz perfeitamente a atmosfera da contemporaneidade em todas as suas contradições, incluindo o momento atual de crise mundial, até à transição para realidades virtuais e a revolução tecnológica.

Na moda, toda essa desordem também aparece refletida na sobrecarga de informações: crash de texturas, mix de estampas, hibridismo, exagero das proporções, sobreposições, peles, pelos, transparência, brilho e tudo mais, de preferência no mesmo look! Essas são algumas das principais tendências para 2013 / 2014 e trazem em sua essência a alma carregada do estilo barroco, entenda porquê.


Imagem via Lu Ribeiro

O Barroco

A Reforma Protestante ocorrida no século XVI, foi além das questões religiosas e influenciou outras áreas da cultura europeia. O Barroco é uma expressão artística desse período conturbado e durou do século XVII até o fim do século XVIII. É também a arte resultante do choque das colonizações e reproduz o enorme embate de culturas vivenciado nesta época, em que europeus, índios negros tiveram seus hábitos e costumes confrontados de forma dramática.

O Barroco, que hoje influencia a moda e inspira os estilistas em seus criações, é um período em que o emocional impera sobre o racional. Os artistas acreditavam que a fé precisava ser alcançada pelos sentidos e emoções, não pela razão.

Como a intenção deste período artístico é emocional, ele busca explorar o sensorial daqueles que observam sua arte, através das pinturas e esculturas realistas carregadas de sentimentos. O Barroco foi a idade da veemência, da dramaticidade, da abundância e da vitalidade.  As proporções das obras foram ampliadas e as ornamentações sobrecarregadas e todos os espaços eram preenchidos.

“No barroco, o homem tende a exagerar seus sentimentos e emoções, assim como todas as suas formas de representação, atribuindo-lhes um caráter essencialmente imaginário.”  A obra “O Jardim das Delícias”, representa bem esse contexto. Constata-se isso nas formas híbridas e exóticas de animais que figuram no Jardim, além da quantidade de detalhes e de seres que integram a paisagem do quadro.( O Jardim das Delícias como manifestação do lúdico)


As esculturas tinham expressividade muito forte, representavam dinamismo e se harmonizavam com a arquitetura. Elas eram feitas quase que exclusivamente em mármore branco e em bronze. Para serem retratadas, eram escolhidas situações que expressassem dor, sofrimento, tudo com muita intensidade e apelo dramático.

As pinturas se baseavam em cenas amplas, tinham perspectiva  e representação de movimento, como vestes ao vento, muita dramaticidade e linhas curvas, por exemplo. O contraste entre luz e sombra, claro e escuro, é muito forte nas pinturas, o que intensificava ainda mais a sensação de profundidade.


A arte desse período exprime intensas emoções e é carregada na dramaticidade. Afresco no teto da Igreja de Santo Inácio, em Roma – A Glória de Santo Inácio (1961 – 1694). Foto: Arte e Religião

A Influência do Barroco na Moda

O estilista  Alexander McQueen foi um dos primeiros a evocar este espírito em suas criações, carregadas de informação e dramaticidade.

A Prada, desde que a  Miuccia Prada assumiu os negócios da família em 1978, é uma lançadora de tendências e produtora de “conceitos”. A marca também foi uma das primeiras a trazer referências deste estilo em suas coleções de uma forma mais comercial, traduzindo e renovando o estilo com colorido vibrante.

Na coleção Spring 2011, a Prada buscou inspirações no barroco brasileiro e do nosso país em geral. Nas peças havia referências às baianas, aos macacos e às linhas típicas barrocas.


Fotos: I want-I got

O Barroco traz em sua essência conflito e dramaticidade. A Prada interpretou muito bem essa ideia ao unir as  linhas curvas da estampa carregada com a simplicidade das listras e linha retas. Esse contraste é típico do barroco e pode ser observado na imagem de abertura da matéria.

No barroco o imaginário se faz presente modificando formas, cores e sons. É uma forma lúdica de manipulação das formas “porque não se remete a nenhum modelo, a nenhum código”. Duvignaud afirma que a arte da época foi uma antecipação pecadora de um mundo por vir. “A liberdade lúdica das formas barrocas parece encontrar sua incitação nessa angústia histérica que é resultado da ruptura entre dois mundos. O barroco é um estado de ânimo, prática do imaginário que procura dominar um universo fugidio, por meio do delírio [drogas, antidepressivos, ansiolíticos, vida virtual, etc] ; do fantástico [vampiros, contos de fada, dinossauros etc] e do fetichismo [50 Tons de Cinza]. Essa três características traduzem nossos filmes e nossos anseios atuais explorando, metaforicamente, uma realidade que não podemos captar. A experiência barroca concede a si mesma uma espécie de festa, que manipula, atormenta os corpos em um espaço que ela mesma renova.”

Caminhamos ou estamos “viajando” para era da imagética, ocasião que segundo  Melinda Davis, “começamos a encarar coletivamente uma situação humana muito nova na qual a vida de cada um não se passa no universo palpável e material, mas num universo do pensamento,  da imagem e da ideia. Esse fenômeno extraordinário fez com que a realidade interior passasse a ser mais premente e mais real do que a exterior  (o que antes seria uma definição bastante convencional de insanidade). A realidade em si passou a ser mental”.

Deste fenômeno surgem personagens e costumes como a Lady Gaga, Katy Perry, Cosplay, Crepúsculo, Harajuku (moda japonesa), entre outros, em que a fantasia passa a ser real.  Ainda segundo Davis, os avanços tecnológicos aceleram essas transformações, caso da Internet, que nos leva a desvincular do mundo físico de limites confiáveis e pontos fixos de referência para nos reunirmos em ambientes virtuais como Twitter, Orkut, MSN, Facebook, Second Life.

Entretanto, “a sobrecarga de informações, o esforço para nos mantermos atualizados, a velocidade das novas descobertas  científicas e tecnológicas, e até mesmo a velocidade da moda, junto a uma cultura de consumo exacerbada geram uma pressão e um esforço mental que estão nos deixando exauridos.

Perdemos nossos limites, em relação ao modelo antropocentrista moderno, não temos mais céu nem inferno, portanto estamos perdendo nossos tabus. O certo se confunde com o errado e a busca da verdade se tornou extremamente complicada, pois a ciência é instável e está à mercê de suas mais novas descobertas, seus valores são móveis e nos falta terreno sólido para nos agarrar. É como se o mundo de repente estivesse louco!

“Aqui estamos nós, dentro das nossas mentes, presos pelos imperativos de nossas vidas imagéticas tentando dar sentido a uma condição humana nova e incompreensível (…) É de fato um espaço ameaçador e lotado. Lidamos todos os dias com uma incrível confusão interna. São vozes competitivas e sem corpos, todas batalhando por atenção; um constante bombardeamento de estímulos ; as engrenagens afiadas do esforço mental; a cabeça funcionando incessantemente além do horário. A mudança da realidade física para a imagética é uma experiência desestabilizadora.(…) É estímulo demais, e não dá para pressenti-lo! Muita coisa para lidarmos, e não conseguimos controlá-las! Diminua o volume, você está me levando à loucura! ”. (Viagem à era da Imagética – A Nova Cultura do desejo: À beira da Loucura (com tanta informação e espectativa)


Os momentos mais intensos de emoções eram retratados nas esculturas. Foto: CulturaMix

“Vivemos num mundo onde tudo é permitido, num mundo em que para Jean Baudrillard é o mundo da pós-orgia: “A orgia é o momento explosivo da modernidade, o da libertação em todos os sentidos. Liberação política, liberação sexual, liberação das forças produtivas, liberação das forças destrutivas, liberação da mulher, da criança, do homem, das pulsações inconsciente, liberação da arte. Assunção de todos os modelos de representação e de todos os modelos de anti-representação. Total orgia de real, de racional, de sexual, de crítica e de anticrítica, de crescimento e de crise de crescimento. Percorremos todos os caminhos da produção e da superprodução virtual de objetos, de signos, de mensagens, de ideologias, de prazeres. Hoje, tudo está liberado, o jogo já está feito e encontramo-nos coletivamente diante da pergunta crucial: o que fazer após a orgia?”. Será hora de organizar outra ordem, propor outro paradigma?”

“Desta forma o instinto de sobrevivência fundamental traduz-se na preocupação com a sobrevivência do nosso eu interior, imagético. Quando sentimos o impulso fundamental da auto preservação, estamos tentando preservar o nosso centro existencial, ou equilíbrio interior, ou integridade mental. Da nossa loucura moderna generalizada surge uma ânsia comum, única e poderosa de cura, de nos livrarmos das doenças produzidas na mente, das feridas causadas pela era que vivemos, de todas as dores e sofrimentos da era imagética, do estresse e da angústia, à agonia existencial e à loucura. Desejamos que alguém aniquile as bestas selvagens invisíveis que ameaçam a vida dentro de nossas próprias cabeças. Buscamos na verdade por cura e por alívio psíquico.” Saiba mais em: Viagem à era da Imagética – A nova cultura do desejo e realidade virtual.

O Jardim das Delícias: o que fazer após a orgia?

“No barroco, o homem tende a exagerar seus sentimentos e emoções, assim como todas as suas formas de representação, atribuindo-lhes um caráter essencialmente imaginário.”  A obra “O Jardim das Delícias”, representa bem esse contexto. Evidencia-se, num primeiro momento, que os seres do Jardim buscam o prazer, mostrando-se plenamente em sua vivências. Apresentam especialmente elementos dos fluxos libertino e barroco, na medida em que fazem de sua existência um jogo hedonístico. Constata-se isso nas formas híbridas e exóticas de animais que figuram no Jardim, além da quantidade de detalhes e de seres que integram a paisagem do quadro.  A figuração barroca está intimamente ligada à doutrina cristã e seus tormentos, sendo marcante na obra de Bosch. Apesar de já ter sido produzida no Renascimento e o Humanismo estar vigor, ainda se encontra muito da ideologia medieval representada no Jardim das Delícias, levando-se em consideração que a pintura foi produzida como uma forma de moralizar a sociedade contra o pecado da luxúria.” ( O Jardim das Delícias como manifestação do lúdico)

O Barroco na Moda reflete justamente essa desordem mental pela qual passamos. Expressa através da quantidade de informação e da complexidade dos looks, a sociedade em transição em que estamos inseridos.

Acredito que a assimilação através da Moda  de todo este contexto, caracterizado pelo excesso e pelo conflito, seja um passo importante para a cura psíquica, para o apaziguamento da sociedade nos novos padrões tecnológicos, ecológicos e sociais.

Tendências como crash de texturas, mix de estampas, hibridismo, exagero das proporções, sobreposições, peles, pelos, e mais um mundo de informações, harmonizados num equilíbrio estético, permanecerão fortes nas próximas estações.

Seguem algumas imagens para inspirar


A moda para as próximas estações vem carregada, vem com muita informação: estampas, texturas, sobreposições, brilhos e tudo o mais, de preferência no mesmo look.


No barroco, as proporções são ampliadas e as ornamentações sobrecarregadas
, todos os espaços das obras eram preenchidos, como no mix de estampas e no crash de texturas, tendências fortes para 2013 /2014.


A marca Alexander Mcqueen traz formas híbridas e exóticas em sua coleção Spring 2012. Linhas, curvas, dramaticidade e muita informação marcam os looks.  Imagem via Fashion Collections.

 
Texturas e estampas carregadas prometem estar entre os hits para 2013 e 2014.


Maxicolares – Exagero da proporções, ornamentações sobrecarregadas e todos os espaços preenchidos são algumas das caracteísticas do barroco, que também aparece em tendências como mix de pulseiras, maxicolares, golas exageradas. Imagem via Sou Diva


Híbrido de sandália e bota fez sucesso na passarela da Salvatore Ferragamo, nos desfiles de verão 2013 das semanas de moda de Nova York e Milão. Imagem via Ela – Globo.

Barroco Brasileiro

O estilo artístico atinge seu auge no Brasil no século XVIII e se estende até as primeiras décadas do século XIX. Ele foi trazido pelos colonizadores e se tornou uma mistura das características do barroco francês, italiano, espanhol e português.

Mas os destaques em terras brasileiras são os estados de Minas Gerais e da Bahia,  lugares que são verdadeiros santuários da arte barroca, onde existem os acervos arquitetônicos e artísticos mais importantes do período colonial. O espírito do barroco também se mantém vivo em cidades como Salvador, Ouro Preto, Diamantina e Congonhas do Campo.

De acordo com o governo do estado mineiro existem 241 edificações isoladas, 47 conjuntos arquitetônicos e paisagísticos, além de conjuntos urbanos e até móveis, que são tombados pelos Institutos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ou Estadual. Alguns bens são elevados até a Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

O nome mais célebre do barroco brasileiro é sem dúvida Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho. Ele é tido como o mais importante artista do período colonial do Brasil, que além de entalhador, era arquiteto e escultor. O conjunto de sua obra é vasto: esculpiu os 12 profetas em pedra-sabão para o Santuário do Senhor Jesus de Marosinhos, na cidade de Congonhas do Campo, em Minas Gerais; também foi ele quem fez as 66 imagens de cedro dos Passos da Paixão; é de autoria dele também os projetos das igrejas de São Francisco de Assis, nas cidades mineiras de Ouro Preto e de São João del Rei.

O apelido dado ao escultor surgiu por conta de uma doença degenerativa, que deformou e atrofiou seu corpo. Ao longo do tempo, Aleijadinho perdeu o movimento dos dedos das mãos e dos pés. Para conseguir fazer seu trabalho, ele usava os instrumentos atados nas mãos por seus escravos, que também o conduzia até os lugares. Estima-se que ele tenha morrido com 84 anos.


Fotos: História da Arte, Museu do Aleijadinho, Antena Cultural

Visite a igreja barroca de São Francisco, em Salvador, sem sair de casa

Os turistas que visitam a capital baiana, e passeiam pelo Pelourinho, não desconfiam que dentro daquele templo de portas verdes existem paredes, esculturas e detalhes cobertos de ouro. Construída no século XVIII, a igreja é uma verdadeira obra de arte arquitetônica do período barroco. A riqueza dos detalhes e dos ornamentos que compõem todo a parte interna do lugar saltam aos olhos já no primeiro instante.

E você pode conferir toda essa beleza sem sair de casa: uma foto feita pela OnzeOnze conseguiu mostrar  o interior da igreja em 360º e dá ao internauta a sensação de realmente estar dentro do santuário.

Neste link você vai conhecer a Igreja de São Francisco, passar pelos corredores, ir até o altar e ver a riqueza dos detalhes. Basta clicar na página e arrastar o mouse para os lados, para cima ou para baixo e aproveitar para descobrir cada canto do templo. Alguns lugares estão indicados com setas, ao clicar nelas você consegue se aproximar e ver as coisas mais de perto.

Clique aqui e seja bem-vindo ao interior da Igreja de São Francisco.

Veja mais trabalhos de Aleijadinho


Basílica Senhor Bom Jesus de Matosinhos, onde estão as 12 esculturas dos profetas, feitas pelo escultor. Foto: TrekEarth

Veja algumas imagens, que exemplificam o estilo Barroco:


Pintura O banquete de Baltazer, feito por Rembrandt van Rijn – a técnica de claro e escuro fica bem evidenciada nessa imagem. Foto: USP


Um bom exemplo da dramaticidade usada pelos artistas barrocos – Pintura chamada Judith decapitando Holofernes, de Michelangelo M. Caravaggio. Foto: História da Arte


Fotos: Fotolog, Bol


As figuras dos anjinhos eram retratadas com frequência nas pinturas e esculturas barrocas. Foto: Cabral Monçada Leilões


As esculturas e a arquitetura dividiam o mesmo espaço e se integravam. Foto: CulturaMix

Foto de abertura: café, livro e arte

Leia também: Flores Barrocas – O floral do Verão 2013 aperece em bordados, estampas e pedraria .

Por Denise Pitta de Almeida

Denise Pitta: Denise Pitta é digital influencer e empreendedora. Uma das primeiras blogueiras de moda do país, é idealizadora do Fashion Bubbles, e também CEO do portal que já recebeu mais de 110 milhões de visitas. Estilista, formada em Moda e Artes Plásticas, atuou em diversas confecções e teve marca própria de lingeries, a Lility. Começou o blog em Janeiro de 2006 e atualmente desenvolve pesquisas de Moda Simbólica, História e Identidade Brasileira na Moda e Inovação. Além de prestar consultoria em novos negócios para Internet. É apaixonada por filosofia, física quântica, psicanálise e política. Siga Denise no Instagram: @denisepitta e @fashionbubblesoficial

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