Recentemente, presenciamos o caso de Preta Gil, que descobriu a traição de seu marido enquanto estava internada para tratamento de câncer.
A situação acendeu uma discussão muito importante para nós mulheres e, principalmente, trouxe a reflexão, enquanto sociedade, sobre esse tipo de comportamento dos homens.
Quem são os homens que ficam quando adoecemos?
Historicamente e culturalmente as mulheres são educadas e criadas para cuidar, servir, apoiar e proteger seus companheiros. Das mulheres, cobra-se lealdade na saúde e na doença, assim como resiliência para enfrentar as adversidades ao lado de seus parceiros em momentos difíceis.
Do contrário, que tipo de mulheres seriam se abandonassem seus companheiros no momento de maior vulnerabilidade da sua vida? Mas e dos homens, o que se espera? Como os educamos para enfrentar esses momentos ao lado das mulheres de sua família, sejam elas suas mães, avós, irmãs, esposas e filhas?
Não podemos negar que os homens são ensinados a serem fortes e bem sucedidos, a vencer na vida e a colocar a carreira na frente dos laços familiares.
As mulheres ainda são ensinadas a ceder, a priorizar o outro e, principalmente, a manter um homem ao seu lado custe o que custar. Embora isso esteja mudando, é um processo longo que reflete as estruturas de poder nas relações frutos do patriarcado e do próprio machismo.
Assim as mulheres, em sua grande maioria, são as que acabam inviabilizando suas vidas para cuidar de homens quando estão doentes. Já os homens, também em sua grande maioria, abandonam suas companheiras no primeiro sinal de doença. Infelizmente, isso é um fato.
Homens abandonam suas mulheres quando elas engravidam, quando seus filhos nascem com alguma doença, quando elas adoecem fisicamente, quando elas se deprimem, quando elas ganham peso, quando elas perdem o emprego, quando elas passam com dificuldades com sua família de origem…
Estatísticas de mulheres abandonadas por maridos
Bem como o caso Preta Gil, em um momento difícil onde a mulher está tão fragilizada com uma má notícia, ela tem de lidar não só com o seu diagnóstico mas também com o abandono.
Essa triste realidade é um fato para além dos relatos de consultórios terapêuticos, hospitais e clínicas médicas, é uma estatística nem um pouco surpreendente.
A situação é tão comum que virou estatística: de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, mais de 70% das mulheres no Brasil diagnosticadas com câncer são abandonadas pelos maridos ainda na fase inicial do tratamento. Quando se fala em câncer de mama esse número é ainda maior.
Já uma pesquisa americana realizada pela Universidade de Stanford e Utah revela que, em pacientes com câncer, a taxa de divórcios dobra. E, enquanto 20,8% dos pedidos é feito pelo homem quando a mulher está doente, somente 3% desse pedido é feito pela mulher quando o homem está doente.
Caso Preta Gil: juntos na saúde e na doença?
Na saúde e na doença é uma frase fácil de se dizer e difícil de se cumprir, mostrando inclusive que amparo é um privilégio masculino.
Provavelmente você já ouviu uma história assim, conhece alguém que passou por isso, ou até mesmo já foi abandonada em um momento em que sua saúde, seja ela física ou emocional, estava debilitada.
São muitas questões envolvidas nessa estatística, que passa pela violência de gênero. Isso sugere que as mulheres são naturalmente cuidadoras e, portanto, devem ser capazes de lidar com a doença de um parceiro, bem como a falta de habilidade dos homens em lidar com emoções e a incerteza que vêm com a doença.
Há também a questão da objetificação do corpo feminino, já que quando há uma doença tão agressiva como o câncer, é certo que ela afetará seu corpo físico. Além disso, deixa a pessoa em um estado emocional de extrema vulnerabilidade e esse corpo sai da posição de desejante, ele é simplesmente descartado pelo parceiro.
Também pode haver pressão financeira envolvida, especialmente se a mulher precisar de cuidados em tempo integral que possam impedir que ele trabalhe.
E, infelizmente, pode haver casos em que o marido simplesmente não quer assumir a responsabilidade de cuidar de sua companheira doente e opta por abandoná-la em vez disso.
Abandono feminino de mulheres encarceradas
O abandono feminino é uma dura realidade em várias situações em nosso país. Em uma entrevista concedida pelo médico e autor do livro Prisioneiras, Dráuzio Varela revela:“
Isso só prova que o estigma recai sempre sobre a mulher. Independentemente da razão, o abandono em um momento tão difícil é uma forma de crueldade e falta de empatia que não deve mais ser tolerada.
Conclusão
Todos somos dignos de compaixão, é o mínimo que podemos esperar do outro em uma situação delicada. Mas, se esse momento em que uma mulher precisa de amparo muitas vezes significa o fim de uma relação, pode também significar o recomeço.
O recomeço de um processo de cura física e emocional. O início de uma nova jornada de autoamor e autocompaixão, que mostra que a beleza não está no corpo, nem no cabelo.
Afinal, existe para além disso na sua força, no seu sorriso, na sua capacidade de seguir em frente. É possível reencontrar o amor com alguém disposto e disponível nos momentos de crise, e não só nos de alegria e saúde.
Esse recomeço também vai revelar o apoio, que pode vir de forma inesperada, principalmente por outras mulheres que estão à sua volta!
Por enquanto, para além da perplexidade diante desses dados e fatos que invadem as redes sociais com famosos, fica também a solidariedade, reflexão e a necessidade de debater e questionar algo que acontece diariamente com pessoas anônimas: quem cuida de quem cuida?
E o que nós mulheres podemos fazer para transformar isso.
Sobre a colunista
Camila Custódio é idealizadora do Consultório Emocional – @consultorioemocional nas redes sociais. Camila é Assistente Social, Terapeuta de Família e Casal, Terapeuta Relacional Sistêmica, Psicanalista e Coach. Além disso, é Especialista em Gestão da Emoção e Consultora em Desenvolvimento Humano.
Escreve sobre saúde emocional, relacionamento e empoderamento feminino para sites, revistas e blogs. Atende pacientes online de todo o Brasil e do exterior.
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Revisado e ilustrado por Victória Abreu