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Boneco de Vento – Você decide sua vida? Crônica sobre dinheiro e outras escolhas

Ele sempre teve a certeza de que pensava e dirigia sua vida. Era sem sombra de dúvidas o senhor de si, aquele tipo de pessoa…

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Ele sempre teve a certeza de que pensava e dirigia sua vida. Era sem sombra de dúvidas o senhor de si, aquele tipo de pessoa decidida que sabe exatamente o que quer. O tipo que “não deixa para fazer amanhã o que se pode fazer hoje”. Era reconhecido por ser dono do seu próprio nariz.

Neste ano, porém, no tradicional amigo secreto da empresa, a brincadeira lhe reservou uma surpresa. Não tinha a sugestão do presente, como é comum, e o presente que recebeu mudaria tudo. Ao desembrulhar o pacote enfeitado com um laço, revelou-se uma pequena cabine telefônica vermelha, com a inscrição  “Telephone”  com “ph”. Era um suvenir londrino, um pequeno cofre com a fenda em cima. Cumprimentou seu amigo secreto, agradeceu, posou para a foto e disse que adorou. Tudo como manda o protocolo. No segundo seguinte pensava onde colocaria aquele objeto que nunca tinha pensado em adquirir. Guardaria ou repassaria o bibelô no próximo amigo secreto?

Ao entrar em seu apartamento notou uma correspondência de tarja chamativa, pedindo atenção ao conteúdo da carta. Era um aviso de falta de pagamento. Sua vida formatada nas certezas e decisões que não esperavam o amanhã tinha este secreto custo, cobranças e outros constrangimentos. Ainda antes de dormir, pensava em como saldaria aquele débito, mas a agonia maior – muito maior do que suas contas atrasadas – era a de que estava acostumado a viajar na passagem de ano… E precisava mais: comprar presentes para seus sobrinhos e lembranças para seus queridos conhecidos. Não tinha como saldar as contas, como poderia fazer ainda mais débitos? Seu cartão de crédito já estava tomado, assim como o limite no banco. Pedir emprestado? Um agiota? O que faria?

Enquanto separava e dobrava as roupas que iam para a lavanderia, seu devaneio se dividia em muitos outros pensamentos, até que de um bolso da calça saltam duas moedas que rolam para baixo do móvel. Ele se estica todo e as pega. Num momento não tinha nada e agora com as duas moedas na mão, muitos planos passam pela sua cabeça. Aquelas moedas seriam suficientes para um café, a gorjeta do porteiro, a gratificação do vigia dos carros, um chiclete, uma água…

Neste momento ele avista a cabine telefônica, ainda envolta no laço azul, o cofre do amigo secreto. De qualquer ideia que possa ter tido durante toda a vida, poupar era uma coisa que nunca fez parte de nenhum dos seus planos. Estranhou ter se lembrado disso, já que definitivamente, em momento algum, isso jamais tenha lhe passado pela cabeça. Oras, mas que diferença fariam duas meras moedas? Guardá-las faria alguma diferença?

Este dilema, tolo e comum, desencadeou uma perturbadora desconfiança. Justamente ele, uma pessoa sempre tão celebrada, festejado pelas suas atitudes independentes, acima dos limites mundanos, naquele momento sentia como se estivesse perigosamente em cheque. Esta desconfiança o levou a uma forte suspeita de que todos os seus movimentos e decisões não eram genuínos, muito menos conscientes dele. Era como se nada do que ele fizesse, fosse realmente uma decisão e sim, um movimento repetitivo, que acontecia por pura inércia.

Surpreso, percebeu que tamanha revelação aconteceu somente porque, pela primeira vez, notara como era difícil para ele colocar aquelas moedas no cofre. Mesmo que racionalmente tivesse ouvido por diversas vezes conselhos que sugeriam a poupança para uma vida financeira saudável, nunca acreditou ou teve esta intenção. Como, para alguns, esta economia podia ser uma coisa fácil e banal e para ele necessitava tamanho esforço? Um estranho desconforto não lhe permitia guardar aquelas moedas, se sentia ridículo. Mas, não era ele dono e senhor de si?

Antes disso, quantas foram as pessoas que tinham tentado lhe dizer isso, mas em vão. Preferira pagar os juros e continuar vivendo o agora. O amanhã a Deus pertence… Nunca se importou de fazer o contrário do que prega o marketing promocional, não se importava de pagar três e levar um, as dívidas, cada dia maiores, depois se resolveriam…

Agora tinha uma dúvida instalada: seria ele animado como um boneco de vento? Inflado de dentro para fora, balançado num ritmo como se tivesse vida, quando na verdade não tinha. Esta era sua descoberta. Se não tinha poder de decidir sobre o destino das moedas, sobre o que mais também não tinha poder de decisão?

Quem sabe, todos os caminhos que percorrera não tenha sido ele mesmo quem tivera caminhado. Começou a duvidar, talvez não tivesse escolhido caminho algum, como se o chão tivesse brotado abaixo dele e foi passando, passando… Sem que ele tenha dado nenhum passo. Tudo o que viu: cenários, pessoas, nuvens ou carros, talvez não tenha sido ele quem escolheu ter visto. Foram imagens que se formaram e ele lá, com o olhar fixo numa coisa qualquer, captou estas cenas que agora formam suas lembranças e que até aqui, afirmava ter escolhido ver. Não, não tinha. Fora um acaso e agora lhe ocorre que nem o acaso, nem mesmo o acaso, era uma coincidência qualquer. Tudo era fruto da mesma inércia.

Propositalmente foram acontecimentos ocorridos por toda a vida, dia após dia, ano após ano, para que  num dia qualquer, pudesse perceber que tudo que presenciou aconteceu apenas em sua presença, mas não sob seu domínio ou controle. Fora apenas um espectador do teatro. Ele não era nada do que pensavam sobre ele mesmo, era uma fraude, não para os outros, claro que não, mas para si mesmo.

Um boneco de vento, animado pelos comentários que parecem definir o que somos.

As moedas na mão e ele sem saber o que fazer. Tinha tantos planos para elas, sua dúvida parece ter vindo como uma tesoura pronta para cortar as linhas que manipulavam sua marionete. Qual o preço de ser livre? Decidir gastá-las só pode ser uma decisão, se também tivesse o poder de guardar. Como nunca pôde, gastar é somente parte da inércia que o acompanha em seus hábitos e vícios travestido de sua vontade. Que pena, não é!

Pobre dele que sempre acreditou ser dono de si.

Por Vinicius Moura

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