Afinal, qual a função de um chefe de cozinha?
Os hábitos alimentares têm sua origem na identidade e na cultura de um povo. São parte dos alicerces sociais. Ao viajarmos pelo mundo encontramos inúmeras…
Os hábitos alimentares têm sua origem na identidade e na cultura de um povo. São parte dos alicerces sociais. Ao viajarmos pelo mundo encontramos inúmeras peculiaridades alimentares em cada país e ainda curiosas diferenças nos estados do mesmo. Isto se dá provavelmente, não só pelas influências de colonização ou proximidade geográfica com outros países, mas também pela adequação dos alimentos ao clima, solo e demanda de cada região.
No Brasil, por exemplo, a culinária é fruto de uma mistura de ingredientes europeus, indígenas e africanos que foram sendo adaptados à realidade do país. A feijoada é um bom exemplo. Os escravos trazidos ao Brasil desde o fim do século 19 conceberam o prato nas senzalas a partir das sobras das carnes da casa-grande, mas foram os portugueses que juntaram o feijão preto a esta adaptação do cozido português, uma vez que a mistura de carnes e legumes era tabu na alimentação dos colonos.
Os africanos foram também os responsáveis por somar à culinária nacional elementos como o azeite de dendê e o cuscuz. Eles utilizavam muito a mandioca, principalmente na forma de farinha, a canjica, carne-seca e o que conseguisse caçar ou pescar. Nas caças e pescas, utilizavam-se do óleo de dendê, açafrão e leite de coco, este último já utilizado na costa leste africana sob influência indiana. Já os índios utilizavam-se principalmente da mandioca, mas também caçavam e pescavam.
É notória a influência que um povo exerce em uma região no que diz respeito à alimentação, mas o que torna tudo ainda mais fascinante, são as formas que o homem se utiliza desde os primórdios da humanidade, para empregar mais sabor aos alimentos. A princípio, perceberam que a caça ficava mais saborosa e mais fácil de ser ingerida logo após o abate já que o animal ainda se apresentava quente. Então, já dominando o fogo iniciaram-se formas de cocção dos alimentos. O sal e outros temperos, antes utilizados para conservação, viram realçadores de sabor.
Faço uma pausa nas questões históricas para citar Hervé This (físico-químico e pesquisador do laboratório de química das interações moleculares do collège de France) refutando Curnonsky (pseudônimo do gastrônomo francês Maurice-Edmond Sailland) que diz em uma frase um tanto quanto tautológica que “Os pratos devem ter o gosto daquilo que são”. Hervé This discorda de tal afirmativa, justificando-se pelo fato de que um alimento não apresenta um gosto certo. Qual seria o gosto da carne? O dela crua? Cozida? Enfim…vou além: Qual a função de um cozinheiro senão, através do domínio do fogo, de como o emprega ao alimento e da aplicação com a autoridade que é própria de seu ofício, extrair de cada matéria-prima seu mais saboroso potencial advindo de reações físico-químicas? Chego então onde me propus: a função do chefe.
O físico-químico Hervé This
Um chefe de cozinha deve saber o que está fazendo, com o que está lidando, onde quer chegar e para quem. Com isso quero dizer que um bom profissional, conhece um ingrediente de qualidade, sabe explorar dele o máximo do que se objetiva e cria seu prato de acordo com quem vai apreciá-lo.
Este é o início, é a melhor parte do ofício de chefe. É quando ele se encanta com uma bela peça de cordeiro, faz uma marinada de excelente qualidade, deixa 24horas mergulhada imaginando que esta chegará até seu centro, e pensa: qual a melhor forma de cocção irei empregar para extrair o máximo sabor daquela peça e deixá-la suculenta? Isso é respeito! Mas será que é só isso? Não, não é.
Para ser chefe de cozinha isso é pré-requisito. Ter respeito e admiração pelo ofício e pela comida faz parte, mas no dia-a-dia, o frigir do óleo, o suor, as queimaduras, os barulhos infernais de panelas batendo, o calor da chapa a 40 graus, a pressão dos clientes e a necessidade de sair tudo certo como num balé em que uma pirueta fora do tempo estraga, é estressante!
Um chefe tem que saber que a cozinha sem ele é um barco à deriva. Ele tem de dar o tom, o tempo, ensinar seus cozinheiros a ter organização, higiene, a não desperdiçar nem tempo nem comida. Deve –lhes respeito para que possa exigir o mesmo, deve entender de custos para que possa fazer o preço de um prato sem dar prejuízo ao dono do restaurante. Cozinhar não é só arte, é administração.
Deve deixar o ego em casa e lutar, dia-a-dia para que sua comida do almoço, jantar ou de uma festa seja inesquecível, sem se preocupar em ser lembrado.
Por Patrícia Nunes Fernandes
(Patrícia Nunes Fernandes é chefe de cozinha formada na Anhembi Morumbi, Psicóloga formada no Mackenzie. Trabalha como consultora de restaurantes e de chef em eventos. Contato: [email protected] )
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