A história das grandes figuras do país é uma crucial para entendermos a evolução do setor da moda no Brasil. Nesse sentido, acompanhe aqui a continuação da trajetória de uma das suas figuras mais icônicas, a ex-primeira-dama da república Maria Thereza Fontella Goulart (1940), desde o exílio em 1964 até os dias atuais.
A Moda, parte da riqueza cultural brasileira
No Brasil apenas a indústria da alimentação é mais abrangente e gera mais empregos do que a do vestuário. Entretanto, quase tudo o que pertence à moda é visto com preconceito, como algo de menor valor. Apesar disso, ninguém pode viver sem roupa!
Acima de tudo, a vestimenta é um símbolo social e individual. Nesse sentido, carrega aspectos culturais que exprimem o que somos, o que queremos, de onde viemos e onde vivemos.
Nesse sentido, não se trata apenas de valorizar a moda de qualidade e gosto refinado. Antes de mais nada, é a moda com elementos locais que geram um estilo que se pode enfim chamar de nacional.
Entre muitas personagens, a única pessoa na esfera de poder que compreendeu a importância e a qualidade da moda brasileira foi Maria Thereza Fontella Goulart, esposa do ex-presidente João Goulart (1919-1976), o Jango.
Ainda muito jovem, nos anos 60, a então primeira-dama optou pela nascente alta-costura brasileira, a qual ajudou a promover. Um dos maiores beneficiários da sua escolha foi o jovem costureiro Dener Pamplona de Abreu (1937-1978), que se tornou o seu estilista oficial.
- Veja a primeira parte da sua história: Maria Thereza Goulart, a primeira-dama do país e da moda brasileira.
- Em seguida, leia Dener Pamplona de Abreu: vida e obra do pioneiro da moda brasileira.
Maria Thereza Fontella Goulart: da vida de sonho ao exílio
A história de ex-primeira-dama foi recentemente contada em um livro escrito pelo jornalista Wagner William (Editora Record, 2019), intitulado “Uma mulher vestida de silêncio: A biografia de Maria Thereza Goulart”.
Com isso, William empreendeu mais de 10 anos de pesquisa e muitas horas de entrevista para finalmente redigir a versão final da obra. Afinal, além de tratar a conjuntura histórica na qual Maria Thereza se projetou e a sua trajetória pessoal, o seu trabalho retrata o que era o universo das mulheres nas décadas de 50 e 60.
- Em seguida, leia Moda e cidadania nos anos 40 e 50 – Parte 3/3.
- Depois veja mais sobre a Moda Brasileira em Moda Anos 50 no Figurino de a “Coisa Mais Linda” com fotos originais da década.
A figura silenciosa de Maria Thereza Fontella Goulart
A então primeira-dama foi o que se esperava de alguém na sua posição. Discreta, elegante, mãe e mulher dedicada, ela sempre apoiava o marido nas inúmeras festas e recepções. Assim, era a personificação da mulher ideal da época.
Entretanto, assim como a sua função a marcou os tempos de bonança, ela também foi afetada quando as coisas mudaram completamente de rumo.
Por fim, no dia 1º de abril de 1964, pouco depois do famoso comício na Central do Brasil do dia 13 de março, no qual Maria Thereza aparecia no palanque com uma expressão séria ao lado de João Goulart, foi deflagrado o golpe militar que os tiraria do poder – e do Brasil.
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A fuga do país
O casal deixou Brasília logo na madrugada do dia 2 de abril de 1964, logo depois que o golpe teve lugar. Jango foi para o Rio Grande do Sul. Em seguida Maria Thereza levaria os dois filhos pequenos, carregando apenas pouquíssimos pertences.
Ou seja, além do trauma e das questões mais problemáticas que o episódio a causou, a jovem primeira-dama teve que abandonar por completo um dos guarda-roupas mais invejados do país! Sendo conhecida pelo seu bom gosto e elegância, ela era então comparada com ninguém mais ninguém menos do que a first lady Jaqueline Kennedy.
Afinal, Maria Thereza Fontella Goulart tinha como costureiro oficial umas das principais estrelas da moda nacional daquela época, Dener Pamplona.
Entre joias e roupas espetaculares, ninguém mais conseguiu rastrear os seus pertences – todos foram saqueados logo após o casal haver deixado a Granja do Torto, em Brasília.
Acompanhada dos seus filhos, ela então seguiu para a sua terra natal gaúcha, São Borja. Todavia, essa seria apenas uma escala para o seu destino final, o Uruguai.
Dener
“Na Granja do Torto, uma espera cruel. Maria Thereza foi ao quarto de João Vicente e Denize a fim de se certificar de que os dois dormiam. Ouvia pelo rádio a notícia de que o Congresso declarou vaga a Presidência…
Uma nova ligação. Era Dener:
-Estou triste e preocupado com tudo que está acontecendo. As notícias no rádio são terríveis.
– Acho que vou precisar sair do Torto.
-A senhora vai nos deixar? Que horror! Estou muito triste! Por favor, me mande notícias de onde a senhora estiver. Quero continuar sendo seu amigo. Mande um grande abraço ao presidente e, amiga, para onde for, não vá vestida de marrom.”
(Trecho do livro “Uma mulher vestida de silêncio”, publicado no Jornal Estado de Minas).
Exílio no Uruguai e Argentina
“Perdi pessoas que eu amava sem poder dizer adeus. Perdi amigos, perdi meu lar e perdi minha pátria. Fiquei sem meus sonhos vivendo uma realidade de incertezas e desafetos. Tive medo sim e pensei que aqueles momentos eram de uma perseguição coletiva que acabaria envolvendo nosso futuro”. (Maria Thereza Fontella Goulart, Aventuras na História).
Apesar de toda a parte obscura, a família viveu unida e relativamente feliz nos muitos anos como exilados. Jango faleceu na Argentina em 1976, e Maria Thereza regressou para viver no Brasil em 1980.
Ainda assim, a vida nunca foi só flores.
Entre as dificuldades, por exemplo, a ex-primeira-dama nunca dissimulou os casos extraconjugais do marido. Portanto, a relação de Jango com Maria Thereza Fontella Goulart nunca foi fácil.
Muitos dos casos de Jango foram narrados no livro “Todas as mulheres dos presidentes: A história pouco conhecida das primeiras-damas do Brasil”, de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo (Editora Máquina de Livros, 2019).
Bom, eles foram comuns no Brasil, e continuaram no exterior. Mas esse não foi o seu único problema – provavelmente nem mesmo o mais sério.
As prisões de Maria Thereza Fontella Goulart
Além disso, longe da família e de todos os conhecidos, e sem a possibilidade de visitá-los livremente, Maria Thereza Fontella Goulart se viu muitas vezes em uma situação de frustração e estresse. Dentre elas, com certeza as mais extremas foram as diferentes prisões que sofreu.
Em uma dessas detenções, quando foi visitar a família no Rio Grande do Sul, ela foi presa na cidade de Rio Grande. Bom, não é difícil de imaginar que, tendo sido expulsa do país, ocorreram muitos abusos por parte da polícia – os quais foram narrados na sua biografia.
Na ocasião anteriormente descrita, ela foi não apenas humilhada em interrogatórios como também obrigada a ficar nua!
“Quando viram que era eu, eles me mandaram descer do carro. No quartel, uma militar me mandou tirar toda a roupa. Foi uma humilhação. Ficamos dois dias e meio lá.” (Maria Thereza Fontella Goulart, Associação Brasileira de Anistiados Políticos).
Maria Thereza Goulart de volta para o Brasil
Por fim, de volta ao Brasil desde a década de 80, no dia 15 de novembro de 2008, após quatro anos de processo judicial contra o governo federal, Maria Thereza e João Goulart receberam anistia política.
Esse foi mesmo um acontecimento histórico, já que nunca um ex-presidente brasileiro havia sido anistiado por perseguição política.
Desde então, a ex-primeira-dama começou a receber uma pensão mensal do estado, já que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entendeu que o exílio impediu que Jango exercesse uma atividade remunerada no país.
Filme
“Essa a importância do filme, pois as lutas não morrem. Reavivar sempre as boas lutas é preservar a memória nacional. Maria Thereza é essa grande mulher, como são todas as mulheres brasileiras, inclusive as anônimas e as silenciosas.” (João Vicente Goulart, Institulo João Goulart).
Bom, essa é uma história de vida e tanto! Não por menos, contando com a direção de Susanna Lira, será realizado o filme “Vestida de Silêncio”, com gravação prevista para acontecer ainda em 2021.
Assim, com base no livro de Wagner William “Uma Mulher Vestida de Silêncio”, a obra explorará a história de João Goulart a partir do ponto de vista de Maria Thereza.
A ex-primeira-dama será interpretada pela atriz Andréia Horta, que também já representou nos cinemas a cantora Elis Regina, e Jango pelor ator Alexandre Nero. Sem dúvida que valerá a pena aguardar pelo lançamento, que trará todo o fascínio da primeira-dama mais linda e elegante do Brasil.
Hoje em dia
Afinal, com a sua beleza morena, bem brasileira, Maria Thereza valorizava qualquer figurino e conseguia atrair aos desfiles de moda gente de todo o Brasil. Além disso, a sua atitude em aderir à moda nacional ao invés de importar roupas da França foi um impulso não só ao setor, como à economia em geral.
Sendo até hoje uma mulher bonita, elegante e com muito carisma, seria muito interessante se Maria Thereza Fontella Goulart pudesse dialogar com estudantes e cursos de moda, que assim poderiam ter em primeira mão a experiência de uma das personagens mais marcantes do nosso país.
Assim, vamos torcer para que isso aconteça, e que o Fashion Bubbles, que tanto a admira, seja um dos veículos escolhidos!
Por Mariana Boscariol.
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