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O peso da vingança – Pequeno manual de escrita

Sou o tipo de pessoa que gosta de transferir ou traduzir o pensamento para a linguagem escrita. Foi este o motivo que me fez entrar…

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Sou o tipo de pessoa que gosta de transferir ou traduzir o pensamento para a linguagem escrita. Foi este o motivo que me fez entrar num curso de crônicas. Meu objetivo maior era encontrar um formato de escrita que viesse a interessar uma grande massa. Que pudesse divertir ou fazer refletir sobre alguns temas. Objetivo comum para qualquer artista, seja pintor ou músico, é fazer o que se gosta e ser reconhecido por isso.

Se você nunca escreveu não sei se conseguirei transmitir a alegria que é um artigo que enfim, você o vê acabado. Aquele emaranhado de ideias, todas aquelas informações soltas, aquela nuvem abstrata em que nada se distingue a não ser um vulto, está agora organizada num texto. Quem escreve tem a impressão de que, agora sim, o próprio escritor entendeu o que pensava e não conseguia dizer.

Entretanto, ao ser lido, revelam-se alguns problemas. Coisas que algumas vezes passam despercebidas e outras nem tanto.  Para explicar isso tenho que informar como funciona o formato de uma história simples. Em três passos é o seguinte: primeiro há uma cena cotidiana, um momento comum onde se apresenta os personagens. O segundo passo é o conflito: esta é a parte mais interessante da história, vem a ser aquilo que interrompe a normalidade deste cotidiano, uma confusão que se instala. Deve ser bem explorado e bem elaborado, porque este é o momento em que se prende a atenção do leitor criando toda a dinâmica. O terceiro passo é o desfecho, a solução que você encontrou para o conflito.

Foto: Inconsciente Coletivo

O grande momento é mesmo a dramaticidade que se desenvolve nos conflitos e que o leitor vai se projetar nele, vai se lembrar de algo que lhe ocorreu e que é semelhante. Às vezes, ao demorar em instalar a confusão, criamos um problema de condução. Ao ler você percebe que o léu não se juntou com o créu. Por exemplo: O marido chegou de longa viagem e em frente ao portão avista uma árvore e se lembra de quando era criança e brincava de balanço ali, olha o muro e recorda dos seus primeiros amassos, caminha pelo quintal e sente a falta do seu cachorro que depois de morto fora enterrado sob as margaridas… Nada do fulano entrar… A esposa estava em casa esperando por meses e nada do viajante abrir a porta e fazer a história acontecer. A coisa fica chata.

Falando nisso, para não me demorar na apresentação, como funciona o curso? As pessoas se sentam na sala formando um quadrado vazio no centro com o professor numa lateral, os alunos apresentam suas crônicas e, ao fim da leitura, comentam sobre os erros e acertos. Ao professor cabe ser mais eloqüente – e ele é! Sempre é! Como é! Você prepara uma obra-prima e ao apresentá-la está um verdadeiro porco espinho. O resultado é que escrevi um texto que é muito diferente do que tinha imaginado. Entretanto, o meu entusiasmo ao apresentar o trabalho inibe a opinião sincera… Dos alunos, mas não do destemido professor, que faz um sinal da cruz, pensa em como merecia um salário maior para aturar aquilo e profere: Credo em cruz! Valha-me Deus! Paro por aqui, porque lerei este texto naquela sala e uma qualidade deste escritor é ser sucinto, principalmente quando convém.

Algumas surpresas do porco espinho são palavras que ao ler em voz alta não ajudam e empobrecem o texto. A trama que tanto tempo lhe tomou de inspiração, num determinado momento deixa escapar uma palavra que faz soar a campainha, o gongo e a sirene. Pára tudo. Onde já se viu usar isso! O professor com razão e sua eloqüência que lhe é peculiar não deixa nada passar.

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Foto: SinMordaza

Vamos a um exemplo, numa história em que você apresenta um personagem: Ela, alta e esguia vinha se aproximando sexy, vestido justo e num rebolado em câmera lenta, CUJO… Béééééé, dim dom, uóóóóóóóó! Soou a campainha, o gongo e a sirene. Cujo? Pronto! Basta para que o leitor broche. “Cujo” está definitivamente riscado do mapa, palavra feia, nevermore.

“Cujo” não é a única palavra a ser evitada. Tenho um amigo que se chama Algo Felix da Silveira. Ele é um sujeito grande, fortão e atrapalhado, sujeito que poderia muito bem ser aproveitado para minhas histórias, mas ALGO é também uma palavra vaga, não um nome próprio, claro. Tenho medo de usá-lo no meio do texto e ao ler alguém confundir o nome do meu amigo com o advérbio proibido. A palavra “algo” é difícil de ser empregada porque comumente usamos para “tapar um buraco”, como se faltasse o vocabulário para expressar o que queremos. Exemplo: estava pensando em preparar ALGO para os convidados esta noite. O “algo” pode ser um frango, um jogo de cartas ou um drinque especial, mas ele fica lá empatando o frango que não foi nem assado nem cozido.

Mais um exemplo de uma expressão que pode ser eliminada sem culpa: de repente. Não tem nada de errado com ela, mas é “uó”! Veja como fica: apreciava as peças no museu quando, de repente… Como disse não tem nada de errado, mas é um lugar comum, a forma mais batida de dizer que a normalidade vai sofrer uma reviravolta. Cai no mesmo balaio de “caixinha de surpresas”, poupe-me. Não carece. Não apetece. Sem comentários. Parta para outra.

E o conflito? Você não vai entrar nele? Não está demorando muito? Você pode estar se perguntando.  Até aqui eu só estava testando sua paciência. O tema proposto para esta crônica está na primeira frase, “O peso da vingança”. Eu usei tudo que me lembrei de exemplos que não devia ou poderia. Tudo com licença poética. “Algo” e “cujo” com o drama do “de repente” no mesmo texto e com a cara de pau de tentar prestar alguma informação relevante. Sei que estou me arriscando, mas meu incisivo professor há de compreender o gosto doce da minha vingança.

E a você, meu amigo Algo, se algum dia vier a ler esta matéria, sinto muito, gostaria de lhe prestar uma homenagem dia destes numa de minhas invenções literárias, mas este é nosso último adeus. Péééééééé, dim dom dim dom, uóóóóóóóó, fui gongado de novo. Último adeus? Será que eu precisava me despedir de você com mais um péssimo exemplo de lugar comum?

Foto: Demasiado que leer

Por Vinicius Moura.

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Foto de abertura: O Excluído

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