Namoro virtual – Tecla de onde?

-Tecla de onde?

Se não é esta a primeira pergunta, será uma das. É praticamente inevitável. Entre os dois há um teclado, uma tela e tecnologia implícita. Nas salas de bate-papo da internet há um enorme e curioso conjunto de interesses, propósitos e objetivos. Estas três últimas definições podem ser substituídas pela simples expressão “quero alguém”. Traduz-se “Quero alguém” como uma coisa bem difícil, principalmente porque neste querer está embutido um desejo demasiadamente específico, que restringe demais a demanda.

-Qual sua idade?

Se esta não foi a primeira pergunta, é uma das. Inevitável para o objetivo estipulado. Falando em objetivo é melhor antes de qualquer coisa saber o que se quer. Uma pergunta resolve: “Meu objetivo é…?” Sempre me faço esta pergunta e as respostas são igualmente diversas. Companhia, namoro, sexo, amizade e outras vezes apenas um pouco de sacanagem virtual. Tanto faz qual seja o objetivo, a saga é sempre a mesma. Entretanto, se a pessoa do outro lado continua a responder é um sinal de que a sua tolerância estreita ainda não foi excedida. Tecla de onde e idade, dizem muito para o objetivo o tal “quero alguém” e muito pouco daquele que tecla. Quem tecla até aqui, é muito pouco importante, para se alcançar o patamar de teclante interessante, ainda há de passar por mais alguns “testes”.

As respostas necessitam ser precisas – do lado de lá a pessoa não tem tempo a perder. Basta uma frase mal encaixada e puff, fica-se a implorar uma resposta. Há uma estranha necessidade de aproveitar o momento lançando “iscas” a todos os apelidos (nicknames) que lhe parecem ser relevantes. Decisão tomada a partir de alguma sutileza da intuição, um nome que promete ter chance de combinar com o que se está esperando é uma destas sutilezas. É nesta expectativa que mora o gargalo estreito da internet. Fala-se com muitos e não conversa efetivamente com ninguém.


Foto: Portal Zona da Mata

Raras são às vezes em que as respostas são precisas. Quero dizer, atingem as expectativas. “Qual a altura e peso?”. Não importa a resposta, noventa por cento das vezes é gordo(a) ou magro(a) demais, é fundamental não esquecer de que a exigência é mesmo muito, mas muito estreita. Sobre a primeira pergunta “Tecla de onde?” as chances são grandes de continuar teclando se a resposta for um bom bairro (estou descrevendo a experiência aqui de São Paulo, Capital). Por outro lado, a mentira também mora ao lado. Alguns anos de idade e quilos a menos pesam a favor da continuidade do papo, tudo se acerta depois… São tantas as entrevistas que no fim das contas apenas algumas coisas serão lembradas. O que se suspeita ter lido e que eventualmente não bate com o ser à sua frente pode não ter sido escrito por este candidato, portanto, deixa prá lá! De um jeito ou de outro, as coisas se resolvem.

Fotos na janelinha do MSN podem enganar. Não se trata, pura e simplesmente, de um engodo de má fé. Mas bem, pode ser aquela foto tirada há alguns anos antes, escolhida a dedo dentre cinqüenta ou mais cliques. Webcam é uma solução, sem dúvida. No entanto, cria novo problema. Não se esqueça do estreito funil da idealização. Uma imagem que não passa neste crivo, basta poucos segundos para que, sem mais nem menos, o teclante do lado de lá, ou do lado de cá, já que é uma via de mão dupla, ficar off line. Volta-se para o início da história.

Se o objetivo é assim tão importante este algo – sim, algo, porque até aqui, não é um alguém. Do lado de lá há um “objeto” que posso ou não me interessar por ele. Que me lembre apenas objetos tratamos assim. Caso fosse um alguém, o bom senso conversaria tentaria descobrir o que há de bom, de interessante ou de surpreendente naquele apelido. Tentaria se construir uma história. Não somos na essência seres únicos e especiais? Não! Não é assim no mundo virtual. Conversar com um, significa abrir mão de todos os outros nicknames. A ansiedade aponta seu dedo e condena: e se tiver algum outro que realmente valha à pena? Esta dúvida é que faz voltar à estaca zero. Conversa iniciada com muitos e o saldo ao final de longas horas de empreitada é nenhum Nick para ser eleito como o escolhido. Nenhum telefone que vá realmente ligar.

Calma lá! Há bons dias. Há dias de sorte e dias de profundo desespero. Há dias que são as duas coisas juntas. De qualquer forma, a solidão é uma coisa que só é possível explicar a quem já a sentiu. Fora isso, as palavras ficam longe de expressar o que vem a ser.

Imagem: Via Comercial

-Tecla de onde? Jabaquara? Bom… Meu signo? Áries! Será que combinam? Futebol? Gosto, claro! Se a conversa chegou até aqui, para a sacanagem ou um encontro é um passo. Telefones trocados.

-Sua voz é muito bonita, imaginei que pudesse ser mais rouca. Claro! Vamos nos conhecer, porque não? Um lugar público, shopping? Certo, tem preferência? Sábado? Às oito? Perfeito! Não, está ótimo para mim, combinado! Até lá! – A sacanagem fica para outro dia, desta vez vai ser um encontro.

Lugar público. Nada de inventar, primeiro encontro tem que ser num lugar público para preservar a segurança de ambas as partes. Parece termo técnico saído de algum enunciado advocatício, mas de qualquer forma é muito prudente e recomendável. Café, eis o lugar. Não sou tão fã de café, entretanto café é um programa que pode demorar de quinze minutos a uma hora. Se for agradável é só pensar na segunda parte do programa, se não emplacar, dá rota de fuga para os dois – a via é sempre de mão dupla.

Investir no café parece boa saída? Toda moeda tem dois lados… Um programa assim é um investimento no “sem compromisso”, ou seja, é ter uma saída fácil sem precisar criar uma história mirabolante, caso aquele par não passe no teste definitivo do mundo real. Não raro antes do encontro já se anuncia que terá que ser rápido desta vez, pois tem um compromisso inadiável… Pronto! O compromisso que não existe te salva, caso necessite. O lado ruim disso tudo é que se passa a investir muito mais na saída estratégica do que no próprio envolvimento, no diálogo e nos possíveis valores que o outro tem.

Cheguei quinze minutos antes, ela é loira e combinou de estar com um casaco azul. Prefiro morenas, mas hoje será loira. Peço um sorvete, fico observando ele desgelar devagar dentro da taça. É uma forma de diminuir a ansiedade, já que ficar jogando game pode causar uma impressão de infantilidade ou de desinteresse. O coração dispara num misto de expectativa para vê-la e de apreensão caso ela tenha preferido me dar o bolo. Ela se atrasou quinze minutos, mas chegou.

A moça não se parecia com a da foto. Isso eu me lembrava, lembro também que ela me perguntou se eu gostava de futebol… agora tudo fazia sentido.

– Eaí mano? É você? – me dirigiu a palavra sem rodeios.

“Eaí mano?”. Péssimo sinal, pensei.

– Que bonita tatoo tem no braço, é do Corinthians?

– O carinha que eu saía antes era fanático, me levou pro estádio e me incentivou fazer esta tatoo.

– Legal. Gostei. É uma pena que você tenha se atrasado. Lembra daquele compromisso que eu te falei? Pois é! Já me ligaram três vezes. É uma pena eu não poder ficar.

Vinte minutos depois, eu teimoso, estava lá:

-Tecla de onde?

Imagem: O amor é uma falácia

Foto de abertura: Laska

Vinicius Moura: Empreender tem sido minha vida e escrever é o que me eleva. Os assuntos são totalmente aleatórios.

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