Crossdressing e androginia – Eles adotam o guarda-roupa e características femininas na moda, na arte e até no dia a dia


Os fenômenos do cross-dressing masculino (homens travestidos de mulher) e da androginia (influências femininas nas roupas e no estilo masculinos), tem aparecido bastante nos últimos anos. Na moda, a transexual brasileira Lea T. e o modelo Andrej Pejic mostraram que existem homens com características femininas tão marcantes, que podem perfeitamente se passar por uma mulher. Prova disso são as campanhas, capas de revistas femininas e desfiles estrelados pelos dois. Mas não é só nas passarelas e no mundo fashion que isso vem acontecendo –  na televisão, no teatro e no cinema, homens adotam características, roupas e trejeitos femininos para dar vida a personagem femininos.

Ana Girafa, personagem da novela ‘Aquele Beijo’ que atualmente está na grade da TV Globo, é uma figura que aparece na telinha com frequência: cabeleireira, trabalhadora e de bom coração. E seria recebida pelos telespectadores como apenas mais uma do núcleo da trama, não fosse um pequeno detalhe, Ana é interpretada pelo ator Luis Salém.

Mas não é pioneirismo da atual novela das 19h, muito menos de Salém, colocar um homem para interpretar personagem feminino. Nomes como Ney Latorraca, Marco Nanini, Floriano Peixoto e Miguel Magno, já se travestiram para interpretar papéis femininos em outras novelas.

 
Homem ou mulher? O modelo andrógeno Andrej Pejic desfila moda feminina e masculina. Fotos: Z Fashion blog, The Fashionismo

Na TV, no teatro e no cinema
Em 1985, na novela ‘Um Sonho a Mais’, Nanini e Latorraca tiveram que se acostumar com batons, brincos e colares de pérola para contar a história de personagens como Florisbela e Anabela. No folhetim, além dos dois atores, outros homens também representavam papéis de mulheres. Em 1995 Floriano Peixoto, na trama ‘Explode Coração’, interpretou a personagem Sarita, que teve grande repercussão na época. No ano de 2005 foi a vez de Miguel Magno, que deu vida a Dona Roma em ‘A Lua me Disse’.

No teatro, alguns textos também contemplaram atores, ao invés de atrizes, para fazer personagens de mulher. Em ‘O Mistério de Irma Vap’, peça de 1986 que ficou em cartaz durante 11 anos, a dupla Marco Nanini e Ney Latorraca voltaram a usar vestidos e perucas longas. Anos depois, em 2008 na nova nova montagem, Cássio Scapin e Marcelo Médice encarnaram as personagens do espetáculo.


Irma Vap – Marco Nanini e Nay Latorraca na peça de 1986 e Marcelo Médice e Cássio Scapin na montagem de 2008. Fotos: Evaldiano, Bacante

Em 2009, São Paulo e Rio de Janeiro receberam a montagem do clássico musical da Broadway ‘Hairspray’. E o papel de Edna, mãe da protagonista Tracy, foi interpretado por Edson Celulari. Assim como no filme original de 1988, no musical da Broadway de 2002 e na adaptação cinematográfica de 2007, a personagem Edna Turnblad nunca foi interpretada por nenhuma atriz, apenas por atores. Já é tradição que o papel da matriarca da família Turnblad seja feito por um homem. Edson Celulari foi bastante elogiado pela crítica por sua atuação, assim como John Travolta, que interpretou Edna no filme  de 2007.

Antes de John Travolta brilhar nos cinemas no papel de uma mulher, Robin Williams já havia encantado o público em 1993, no filme ‘Uma Babá Quase Perfeita’. Em meio a enchimentos, próteses e um bom vestido de senhora, Williams deu vida a Mrs. Euphegenia Doubtfire. O papel lhe rendeu o prêmio ‘American Comedy Award’, de Ator mais Engraçado em um Filme. Mas, muito antes de Travolta e Williams, Charles Chaplin já aparecia com saias, joias e maquiagem femininas. No curta ‘A Woman’, de 1915, o ator consagrado do cinema mudo encarnou ‘Nora Nettlerash’, que na verdade era um disfarce para fugir do pai de duas belas moças.

E, como já citado, o adotar de roupas, trejeitos e características femininos por homens não é exclusividade dos palcos ou dos estúdios de TV e Cinema. Um  exemplo da vida real é o cartunista Laerte, de 59 anos, que sai nas ruas com batom, esmalte vermelho nas unhas e brinco. Ele tem namorada, filhos e, em entrevista à Revista ‘Bravo!’, disse que não planeja mudar de gênero. Ele conta que sente um prazer indescritível ao se vestir de mulher. Ele também confessou que recorre à prática do crossdressing (quando alguém se veste com roupas e acessórios do sexo oposto) para transpor limites e vivenciar os códigos femininos.


Laerte, Edson Celulari, John Travolta e Robin Williams. Fotos: Folha, Mulheres Reais

Influências históricas – Grécia, Japão e Índia

O crossdressing é bastante antigo. Já na época do apogeu do teatro grego (de 550 a.C. a 220 a.C), os papéis femininos eram interpretados por homens, que usavam máscaras de mulher. No século 17, no Japão, surgiu o Kabuki, manifestação teatral japonesa bastante tradicional. Em 1603, uma serviçal de santuário, chamada Okuni, inovou o teatro quando criou um estilo de dança dramática resultado da união das características do Nô (o clássico teatro nipônico) com referências do Kyôgen (o clássico teatro de comédia do Japão). Na nova forma teatral, todos os papéis, inclusive os masculinos, eram representados por mulheres.  A sensualidade das performances passou a chamar a atenção dos expectadores homens, que muitas vezes usavam as atrizes como prostitutas.

Justamente por conta disso, o governo, de origem militar, não aprovou a imoralidade do Kabuki e proibiu esse tipo de teatro. Depois de um tempo ele passou a ser representado exclusivamente por homens e até hoje é assim. Os onnagatas são os homens que se vestem de mulheres para interpretar seus papéis no Kabuki. Mas há também trupes nas quais mulheres fazem os papéis femininos. O Kabuki é um dos estilos do teatro japonês mais famosos.


Um onnagata na preparação para entrar no palco. Fotos: Superstock, Elizabeth’s Blog

E o crossdressing também existiam em terras indianas. Por volta de 300 anos atrás, na Índia, eles se travestiam para executar os passos da dança Kuchipudi, na qual eram interpretadas histórias de Krishna, a protagonista da epopeia Mahabharata.

Conheça algumas séries de TV com personagens femininos interpretados por homens

Work It

Fotos: 411mania.com, Veja

No dia 3 de janeiro de 2012 o canal americano ABC estreará uma série de comédia protagonizada por homens travestidos. Com dificuldade para arrumar empregos, dois amigos decidem se passar por mulheres para preencherem vagas que não aceitam trabalhadores do sexo masculino.
[http://www.youtube.com/watch?v=gJejMhA_8Q4]

Sexo Frágil

Fotos: noveleiros, Contigo!, Fã Clube Máfia

Entre 2003 e 2004, na série Sexo Frágil, da TV Globo, os atores Bruno Garcia, Lázaro Ramos, Lúcio Mauro Filho e Wagner Moura tentavam desvendar os mistérios do universo feminino. Todo o elenco era composto por homens, logo quaisquer personagens femininos da trama eram interpretados por eles.
[http://www.youtube.com/watch?v=HrHYID0fuuA]

Bosom Buddies

Fotos: Orlando Sentinel, Fox

Em 1980, também no canal ABC, estreava a série Bosom Buddies, na qual Tom Hanks e Peter Scolari foram obrigados a se vestir de mulheres para dividir um apartamento. Tudo isso porque sem saber, eles alugaram um quarto em um hotel onde eram permitidos apenas hóspedes do sexo feminino.
[http://www.youtube.com/watch?v=ZOKNgNFeC4s]

Assista aos vídeos com cenas, trailers e entrevistas:

Floriano Peixoto se despede de seu personagem Sarita, de ‘Explode Coração’

[http://www.youtube.com/watch?v=NR4XwG1_oxI]

Ney Latorraca e Marco Nanini em cenas da novela ‘Um Sonho a Mais’
[http://www.youtube.com/watch?v=IDCZrno_0Fs]

Miguel Magno em ‘A Lua Me Disse’
[http://www.youtube.com/watch?v=LxjXVJU7rpE]

Edson Celulari se prepara para seu papel no musical ‘Hairspray’
[http://www.youtube.com/watch?v=UF7dZIL4YRk]

John Travolta se transforma em uma mulher para o filme ‘Hairspray’ de 2007
[http://www.youtube.com/watch?v=u445FoyHlUw]

O trailer de ‘Uma Babá Quase Perfeita’
[http://www.youtube.com/watch?v=IYyNDWjIivo]

Veja na íntegra o curta ‘A Woman’, com Charles Chaplin
[http://www.youtube.com/watch?v=O4-Ra-wRmBU]

Fotos de abertura: Quem, Aquele Beijo

Por Willians Glauber

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