Nosso grande escritor, Monteiro Lobato, criou personagens como os habitantes do Sítio do Picapau Amarelo, inesquecíveis por sua inteligência, curiosidade, vivacidade, como a boneca Emília, o Visconde de Sabugosa, Narizinho, Pedrinho, D. Benta, tia Nastácia… Veja que a avó, D. Benta, mesmo morando na roça, era culta e antenada com os conhecimentos e fatos da sua época e da história da humanidade, podendo, assim, inspirar e direcionar as fantásticas aventuras dos netos através da Gramática, da Aritmética, da Geografia, das águas e de outras terras, tempos e civilizações as mais diversas.
Entretanto, Monteiro Lobato, em sua imaginação multifacetada, criou muitos outros personagens, igualmente brasileiros, como o Jeca Tatu, morador na roça como D. Benta, mas um indolente (nome bonito para preguiçoso), analfabeto, conformado com a sorte (ou sua má sorte), o típico modelo do perdedor e que só se repaginou quando foi absorvido pela publicidade de um remédio contra verminose e, também da paleta de Monteiro Lobato, saltou como alguém que dá a volta por cima de ponta a ponta.
Mas dessa segunda fase ninguém se lembra: o Jeca Tatu será sempre o Jeca, a figura acabada do ignorante rústico e fechado em seu mundo primitivo, sem qualquer expectativa de melhora. E apesar de que na minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá nós, brasileiros, tendemos muito mais a enxergar só a poluição e os urubus. Não nos sentimos uma Dona Benta, descortinando o progresso, mas, sempre um Jeca Tatu, vendo só a miséria. É o nosso carma: complexo de Jeca Tatu. E se Freud explica, socorro Dr. Freud!
Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, o indiano Amartya Sen formulou uma teoria original sobre o desenvolvimento das nações como um processo que inclui as liberdades para trabalhar, consumir, dispor de saúde e educação de qualidade, pensar e exprimir livremente seus pensamentos. Também foi um dos que criaram o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, que, desse modo, não mais dimensiona o avanço dos países tão somente pelos dados econômicos.
Para ele, “o crescimento não deve ser o fim em si, mas um meio de alcançar avanços sociais e beneficiar a população”. Em entrevista à revista Veja n° 2267 de 02/05/2012, afirmou: “A economia brasileira passa por um bom momento. Não falo apenas de crescimento, que permanece mais robusto do que aquele visto na Europa e nos Estados Unidos. O importante é que o país tem distribuído os recursos gerados pelo aumento de sua riqueza. Houve uma melhora indiscutível nos indicadores sociais. Agora para sustentar o crescimento e consolidar os avanços conquistados, será preciso aprimorar a educação e também o sistema público de saúde, tanto em termos de cobertura da população como no que diz respeito à qualidade.”
É um Prêmio Nobel falando, gente: reconhece que houve crescimento no Brasil e que este foi melhor distribuído entre a população, ao mesmo tempo em que não ignora os problemas e diz ser necessário um aprimoramento na saúde e educação! Como, pois, nós, brasileiros, continuamos amarrados, ancorados ao nosso complexo de Jeca Tatu e negamos o crescimento, para enxergar apenas os problemas?!
Ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, o indiano Amartya Sen, um dos que criaram o IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, “A economia brasileira passa por um bom momento. Não falo apenas de crescimento (…). O importante é que o país tem distribuído os recursos gerados pelo aumento de sua riqueza. “
Ainda na revista Veja, a de n° 2274, de 23/06/ 2012, uma declaração en passant do Presidente da Comissão Europeia, José Mauel Durão Barroso, entrevistado das páginas amarelas, falando sobre o protecionismo da Presidente da Argentina Cristina Kirchner, que é hostil aos investidores internacionais, à página 21, diz: “Torço para o Brasil, que é uma potência e tem sido um aliado global, não entrar nesse jogo.”
Não é um Zezinho qualquer que diz isso – que o Brasil é uma potência – mas um Presidente da Comissão dos países mais ricos e desenvolvidos, como os europeus da zona do euro. E aí, se estão incluídos aqueles que agora passam por dificuldades como a Grécia, ressaltam os de economia forte e sofisticada tecnologia, como França e Alemanha. Pois é o Presidente da Comissão Europeia, portanto desses países top de linha, que considera o Brasil uma potência.
E vai daí que entre nós, brasileiros, qualquer Zé Ninguém, inclusive até muitos professores, em sala de aula, acham-se abalizados para meter o malho no Brasil, chegando a classificá-lo como uma titica de galinha.
Temos problemas? E como temos! Principalmente a corrupção, que desfila impávida pelos palácios e corredores do governo, espalhando-se equitativamente entre todas as esferas de poder: federal, estadual e municipal. Mas nem todos os que nos governam são corruptos, nem todas as decisões do poder são erradas ou feitas em proveito próprio, não! Nossas leis são justas e dão uma mãozinha aos incalculáveis recursos naturais brasileiros, para que possam gerar a prosperidade e a paz com que todos sonhamos.
Os programas de eletrificação, por exemplo, espalham-se por todos os quadrantes do país e, ao levarem eletricidade, estão conduzindo não só o progresso, mas a evolução da consciência crítica, ao possibilitarem aos mais remotos grotões não só terem a geladeira, a televisão, mas também a internet e o celular! Li há pouco tempo que 98% das residências brasileiras já têm luz, e sei que é verdade, pois moro lá nos cafundós do Nordeste, pras bandas do lugar onde o Judas esqueceu as botas e assisto, desde o governo Fernando Henrique Cardoso até o presente momento, a eletrificação rural tornar-se uma realidade. Aonde não chegam os fios de uma rede elétrica, instala-se energia solar nas casas deses mais remotos lugares. Em cada casa há um kit de energia solar, pelo qual as pessoas não pagam o valor, mas apenas a conta de luz, que é baixa na zona rural. Meninos, eu vi! E vocês também podem ver, se quiserem sair do complexo do Jeca.
98% das residências brasileiras já têm luz. Aonde não chegam os fios de uma rede elétrica, instala-se energia solar nas casas deses mais remotos lugares. Em cada casa há um kit de energia solar.
E as vacinas, agora? Tão acostumadas as novas gerações estão a elas, que nem pensam que, há não muito tempo morria-se ou se ficava inválido de tantas doenças, contra as que, hoje,as vacinas estão às ordens da população, bem ali no postinho de saúde da esquina. Nem todos os países erradicaram tantas viroses, por exemplo, a paralisia infantil, como aqui na nossa terrinha! Ponto para o Brasil, que ele merece!
Ora, direis, ouvir estrelas… e a educação? Essa barbaridade que é a educação pública brasileira???!!! Têm razão, têm toda a razão, precisa melhorar muito. Mas, não é que, há poucas semanas, na mencionada entrevista o indiano Amartya Sen, o Prêmio Nobel, lembram? diz que no Brasil a educação é para todos, vendo nisso um grande mérito?
De novo posso escrever sobre o que assisto, nos remotos grotões: toda Prefeiturazinha lá da rebimbaca da parafuseta recebe verba do Ministério da Educação para melhorar os salários dos professores e tomar outras providências, como a de comprar ônibus para transportar os alunos da zona rural às escolas. A cena parece coisa até de filme americano: as crianças à beira da estrada, em frente às suas casinhas, vem o ônibus e recolhe quem antes viajava de jumento ou a pé…
Certo, mas e as indignadas reportagens do Fantástico, denunciando lugares aí pelo interiorzão brasileiro, onde crianças têm que andar muitos quilômetros, a pé ou remando de barco para chegar à escola? Abençoado Fantástico que denuncia, dá nome aos bois e assim faz os Prefeitos desses lugares tomarem vergonha na cara e procurarem resolver o problema, que, com certeza, é a malversação do dinheiro da educação.
Que venham as denúncias, a imprensa não é mesmo o quarto poder? Ela está aí para isso – e, por isso, tentam o Franklin Martins e outros governistas poder amordaçá-la, como fez, na Argentina a Presidente Cristina Kirchner. Isso – para os políticos brasileiros – seria o melhor dos mundos, mas não colou no Brasil. Palmas para nossa Presidenta, Dilma Roussef, ao dizer que o único controle para a televisão deve ser o do controle remoto dos expectadores!
Uma coisa tenho a dizer do Lula, que entre muitos outros pecados mortais aliou-se ao Collor e ao Maluf: em seu governo, ele ampliou notavelmente o número das universidades federais por todo esse Brasilzão, assim como o das escolas técnicas federais. Eu o assisti dizer na televisão, quando era Presidente, que aumentaria sensivelmente as escolas técnicas, porque, na casa da mãe dele, por ser o primeiro que fez um curso técnico (torneiro mecânico, vocês se lembram?) foi também o primeiro filho a comprar um carro.
Não é um verdadeiro tratado, uma erudita e inspirada tese sobre a educação no Brasil (para isso estão aí os professores da USP), mas que ele esparramou escolas técnicas e universidades em todas as regiões brasileiras, isso é verdade.
Diante disso, vem o complexo de Jeca Tatu e joga praga: aumentando assim o número, vai diminuir a qualidade! Ah, bem: não é para aumentar o número?! Num país de extensão continental?! Então, meu amigo Jeca, essa praga não será porque você fica mais tranquilo com as universidades sendo numerosas apenas em São Paulo, Minas e no Rio de Janeiro?
O filho do seringueiro, no interior lá do Acre, distante da capital, Boa Vista, só para citar um exemplo, você acha que não deve dispor de escola técnica, quanto mais de universidade lá mesmo no seu grotão? Porque, em todas as capitais dos estados brasileiros sempre existiram universidades, onde elas faltam é lá no buraco onde as cobras dormem.
Mas não são jogadas de qualquer jeito, não: instalam-se nas cidades-polo das microrregiões, que são mais próximas aos alunos do interior do que as capitais e seus professores são contratados mediante concurso público, os alunos ingressam via vestibular. Igualzinho a qualquer USP. Viu por que Amartya Sen falou em aprimorar? Porque, você sabendo ou não, a educação no Brasil, do primário à universidade já está bem mais próxima de ser para todos. Precisa apenas, e como precisa! de se aprimorar.
E que Freud nos ajude a nos livrar do complexo de Jeca Tatu, porque o Brasil é uma potência e o que ele está fazendo direito para melhorar os índices do seu IDH é um mérito que Jeca nenhum lhe tira.
“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” – Canção do Exílio, Gonçalves Dias
“Menino, eu vi!” – I-Juca-Pirama, Golçalves Dias
“Ora (direis) ouvir estrelas!” – Ouvir Estrelas, Olavo Bilac
Por Ignez Pitta