Eu tomava sorvete, ela comia macadâmias. Olhando assim, à primeira vista, pode não parecer nada, mas era. Enquanto eu disfarçadamente analisava cada detalhe, ela – do jeito dela – também me observava. Sem nenhum assunto relevante que preenchesse aquele vazio de tempo eu partia a casquinha crocante. Ela estava ali imaginando o que viria depois, mastigando como quem não queria nada as suas castanhas.
Combinávamos. Era o que me pareceu, pelo menos até aqui. Este era nosso primeiro encontro. Não era exatamente um encontro romântico, era um encontro casual e encomendado, despretensioso apenas para comprovar que as fotos eram reais.
Nós só nos conhecíamos por fotos. Bom, a minha foto era mesmo real. Cabe alguma ressalva, concordo, estava um pouco modificada, mas a dela também. No fim, o que mais importa é que era eu na minha foto e na foto dela era mesmo ela. Pode-se pensar que isso não é substancial, mas é. Até aqui, bom para os dois – um empate, neste caso, é um resultado muito melhor do que uma vitória.
Ela escolheu o shopping, eu concordei. Era uma escolha sensata ou bastante experimentada? Suspeitei. Mas pelo amor de Deus, isso é pergunta que se faça? Reprimi a suspeita incabível no mesmo instante. Não convinha a dúvida ou o ciúme daquela que nem conhecia. Só concordei: você tem razão é mesmo uma escolha sensata.
– Me dá um pouco do seu sorvete?
Eu não ia dizer não. Era a primeira vez que nos encontrávamos. Claro que não ia dizer não. Odiei seu pedido, mas estendi para ela a pazinha e a casquinha, ela me ofereceu as castanhas.
– Não gosto de castanhas – lhe respondi.
– Eu também não gosto, mas estas são diferentes, muito boas. Australianas, alguém me disse. Experimente.
Eu não ia recusar. Não na primeira vez, já que estava lá o melhor era me atrever.
– Acho que o único sorvete que eu não gosto é o de chocolate. – Foi seu comentário com o meu sorvete na boca.
– Mas o meu sorvete é de chocolate. – Disse eu, estranhando a observação incomum.
– Eu sei. Só estava confirmando, realmente não gosto.
Foto: Nintendo Blast
Estava posto: Ela fazia escolhas arriscadas que contradiziam o senso comum. E eu… Bem, não estava disposto a compartilhar nada, nem o sorvete de chocolate que eu adoro e que ela põe na boca só para confirmar que detesta. Não podia dar certo. Pelo menos é isso que se pensa quando se está nesta fase de flerte com a inimiga. Ainda assim experimentei estender o convite:
– A previsão do tempo garantiu que hoje não chove. Vim de moto, porque não vamos a um parque?
– Moto não! Odeio motos. Não me fale de moto. – Foi sua resposta seca, mas ela não calou aí, em seguida contou dezenas de casos de acidentes ocorridos com conhecidos em cima de uma moto. “Vije Maria” – pensei. Que bola fora eu dei.
– Mas, vamos assim mesmo – Ela completou. – Eita! Não é que ela é da pá virada? Para quê fazer um discurso tão dolorido para na sequência aceitar o convite? “Essa mulher não é boa para mim” – foi meu pensamento lógico e imagino que era o que qualquer outro também pensaria.
– Já que estou aqui, melhor me atrever, não é? – Foi seu comentário final, que mais parecia ter lido meus pensamentos. O que fez soar como um presságio positivo. Uma coisa boa, afinal, se ela pensava como eu, como duvidar de que fosse boa pessoa?
Tinha estacionado a moto na cobertura do prédio do shopping e, ao chegar lá, uma chuva fina caia. A mulher da previsão do tempo havia errado. De novo! Ficamos lá, sob uma cobertura conversando sobre qualquer coisa, por uma, duas horas até que a chuva diminuiu. A noite caiu e nos despedimos. Foi até muito divertido. E a máxima “Escolha alguém com quem goste de conversar” pareceu providencial. Estendi outro convite: “Vamos nos encontrar de novo?”.
Foto: Exame
No final de semana seguinte, nos encontramos no parque. Na verdade, muito provavelmente, por falta de um programa mais promissor. Bem… Isso não importa, o fato é que resolvemos nos reencontrar. Cheguei primeiro, achei justo. Dez minutos depois ela desponta lá longe, com um ramalhete de flores cor de laranja em uma das mãos. “Não acredito! Outra bola fora? E eu não trouxe nem um bombonzinho?” – foi minha decepção comigo mesmo. De qualquer forma agora ela passava uma nova impressão: ela era uma pessoa romântica e talvez o primeiro encontro tivesse sido realmente marcante para ela. Aqui também cabe um adendo: isto foi o que eu pensei exatamente às 14 horas e dez minutos cravados quando a avistei, mas às 14 horas e dez minutos e mais quinze segundos quando ela já estava mais próxima, aquelas flores foram tomadas de uma forma muito estranha. Meu pensamento mudou radicalmente, ela não é romântica, é louca! Louca de pedra, só pode ser.
Ela trazia um ramalhete de cenouras. E era mesmo para mim, porque ela me estendeu dizendo: Trouxe para você. “Ah! Tá bom. Deixe de ser chato, Vinícius!” – pensei e fiz força para me convencer de que temos que aceitar conviver com as diferenças. Aceitei o ramalhete e lhe acenei com um sorriso. Eu voltei a acreditar que talvez ela fosse mesmo romântica. Olhando assim, à primeira vista, não parece, mas é. E as cenouras são úteis. Ainda não tínhamos discutido questões estéticas. Estética até ali não tinha sido tema de nenhuma pauta de nossas conversas, sendo assim, pode ser que para ela fosse mais relevante a utilidade. E cenouras, como se sabe, não murcham no dia seguinte.
– Cenouras com caule e folhas? Onde conseguiu? – Foi o que consegui dizer, e não ia me permitir exclamar “São para mim? Nossa! Não precisava…”.
– Um vizinho meu tem um sítio e me presenteou ao me encontrar no elevador, eu só estou te repassando… – Sei lá. Talvez não fosse mesmo romântica, mas era generosa. De qualquer forma interpretei o adjetivo como um saldo positivo.
O amor às vezes acontece de uma forma completamente sem lógica. Totalmente fora de um script e do esperado. Neste caso, um ramalhete de cenouras foi uma lembrança inesquecível, flores não seriam. E quem disse que eu consigo esquecê-la? Bom, e já que não esqueço, porque não me atrever?
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Foto: On Sugar
Foto de abertura: Intrometendo
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