Tenho certeza que muitos de nós já pensamos que criatividade é um dom de grandes artistas, que criar algo novo está nas mãos de poucos felizardos, de pessoas especiais diferentes do ser humano comum. Porém, para minha surpresa descobri um livro, indicado na Pós da Santa Marcelina, chamado Criatividade e Processos de Criação de Fayga Ostrower, nele a autora diz que criar e viver se interligam, que criatividade é um potencial inerente ao ser humano.
Que ótimo! Então, somos todos criativos por natureza? !
O segredo, na minha interpretação das palavras de Fayga, está em estarmos atentos ao que acontece ao nosso redor e ao mesmo tempo nos conhecermos internamente. Segundo Fayga, os processos criativos são uma interligação dos dois níveis da existência humana: o nível individual e o nível cultural. É realmente muito interessante pararmos para pensar que a inspiração para a criação de algo novo está ao nosso redor, todos os dias em qualquer lugar e também dentro de nossos pensamentos e associações naturais de nossa mente.
Outro ponto importante que o livro descreve é sobre a forma, criar é basicamente formar e nós seres humanos formamos idéias o tempo todo, nós observamos as situações ao nosso redor, interiorizamos e damos significados a elas de acordo com nossas experiências.
“ O homem cria não apenas porque quer ou porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenado, dando forma, criando”. Fayga Ostrower
Falando de uma forma mais concreta e focando na moda, que é o nosso principal interesse, existem exercícios que podem ajudar muito o processo criativo, é muito comum na graduação e também na pós em Moda e Criação, os alunos desenvolverem “moulage” em papel. A princípio parece um pouco estranho, já que essa matéria não tem a mesma textura e caimento do tecido, mas através dessa diferença nosso olhar começa a descobrir futuras formas, curvas, retas e ângulos que podem se transformar em pregas, babados, costuras e etc. Através da nossa percepção e olhar de simples detalhes em papel, podemos abrir o cenário do tão almejado “novo”.
Vamos buscar nosso “flâneur” do séc XXI, aquela figura que vagava nas ruas de Paris observando cada detalhe, despretensioso, com muita liberdade, assimilando, identificando-se, prezando pela tranquilidade e pela oportunidade de observar cada detalhe nas ruas. O “flâneur” do século XIX representou a angústia da Revolução Industrial ficou famoso nos poemas de Charles-Pierre Baudelaire, que o retratava como uma figura angustiada pela Revolução Industrial, pela rapidez dos trens, dos bondes, das construções. O “flâneur” eternizado por Baudelaire, foi também assunto na obra de Walter Benjamin em Charles Baudelaire Um Lírico no Auge do Capitalismo.
Quem seriam os “flâneurs” do séc XXI, os ávidos intenautas, acompanhando as mudanças na sociedade através da tela do computador? Aqueles que optaram por uma vida mais tranquila com a oportunidade de ir ao trabalho a pé ou de bicicleta, observando atentamente os pequenos detalhes da cidade, imperceptíveis aos motoristas? Como as folhas que caíram no outono, a terra mais brilhante após a chuva, o beijinho carinhoso da mãe que deixa o filho na escola? De uma forma ou de outra, as sensações estão diante de nós, nossa mente pronta para codificar, nossa criatividade pronta para aflorar.
Fonte:
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 22. ed. Petrópolis:
Vozes, 2008.
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Obras escolhidas III. Trad. José Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. 2ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991
Imagens: Arquivo pessoal
Por Alessandra Gimenez