O nascimento de Ganêsha e reflexões sobre seus significados em nossa cultura

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Conta a lenda que após Shiva e Parvatí se casarem, mudaram-se para viver em isolamento em meio as cavernas do Monte Kailash. Como já era de costume, Shiva, freqüentemente sentia a necessidade de ficar sozinho e por isso “perdia-se” por longos espaços de tempo nas gélidas florestas dos Himalayas, deixando Parvatí cada vez mais abandonada.

Certo dia, a deusa banhava-se no lago Manasarovar, próximo do local onde residia. Tudo estava em sua ordem habitual, quando em um ato de extrema vontade, Parvatí começa a esfregar sua própria pele com pasta de sândalo (conhecida por seus efeitos afrodisíacos) e de repente, do meio daquela barafunda toda, aparece um garoto que é logo batizado por ela de Vinayaka.

Identificaram-se em primeira instância, voltaram juntos à gruta e pararam na frente dela. Parvatí lhe disse: “Você é fruto de minhas entranhas, está aqui para me fazer companhia e proteger, portanto, pegue este clava, guarde a entrada e não deixe ninguém perturbar minha meditação.

Algumas primaveras depois, Vinayaka avista um vulto se aproximar, era o próprio Shiva que retornava de seu retiro. Ao tentar passar por Vinayaka, é naturalmente barrado pelo garoto. Shiva, indignado, o questiona se ele sabe com quem está falando. Como não obteve resposta, além do silêncio ousado do filho de Parvatí, Shiva, estupefato e irritado, conclama seu exército, os ganas, para retirarem o moleque atrevido dali. Inicia-se então, uma pequena batalha. Shiva assiste incrédulo seu exército ser derrotado por um só garoto e, em um momento de descuido de Vinayaka, Shiva o degola com um golpe de seu tridente.

Neste momento, Parvatí, desconcentrada com toda aquela barulheira, sai da gruta para checar o que estava acontecendo. Ao aproximar-se da confusão, avista seu filho caído ao chão, decapitado, enquanto Shiva limpava o sangue dos dentes de seu tridente. “O que fez com meu filho, o que fez com meu filho?”, bradava desesperadamente Parvatí. Shiva, ao perceber a gravidade da situação, ordenou que sua trupe trouxesse a cabeça do primeiro animal que encontrassem na floresta. Por obra do acaso, naquele exato instante passava por perto, um elefante, cuja cabeça foi eleita para ser a nova de Vinayaka, fazendo-o recobrar a vida.  Shiva então, o rebatiza com um novo nome: Ganêsha (gana exército, isha, senhor), o senhor dos ganas.


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Moral da história: dentro da cosmogonia tântrica, a dualidade primordial da criação é formada por Shiva e Shákti, princípio imutável, amórfico, imortal e matéria sinestésica, criativa, simbolizada pela própria natureza, respectivamente. Neste mito, a esposa de Shiva, Parvatí, representa Shákti, a natureza ilusória, na qual estamos todos imersos e deslumbradamente presos. Parvatí, símbolo de matéria perecível dá a Ganêsha um corpo físico e este, no entanto, não permite a entrada do “pai”, Shiva, que faz o papel da presença do Absoluto dentro de Ganêsha, na gruta, pois não o reconhece; afastou-se tanto que não mais conhece o próprio self, a realidade suprema.Tanto apego à mãe, simbolizada pela matéria (Shákti) o faz defendê-la bravamente contra os avanços do pai, simbolizado pela essência primeva (Shiva).

Vinayaka luta com Shiva, pois não quer perder sua personalidade, moldada pela vivência fenomênica de Parvatí. Shiva decepa a cabeça (ego, intelecto, arrogância) de Vinayaka e insere uma nova no lugar. Esta, representada pela cabeça do paquiderme, representa o renascer daquele que está em busca do autoconhecimento, o alvorecer do mais puro e profundo entendimento de si próprio.

Ganêsha acaba por se tornar um símbolo perfeito da inteligência e memória (cabeça de elefante), da prosperidade (corpo redondo e ventre proeminente), da predileção ao escutar do que falar (orelhas grandes e boca pequena), do discernimento (tromba), do removedor de obstáculos (tamanho), daquele que transcendeu o mundo dos opostos (por ter uma de suas presas quebrada).

Podemos encaixar a essência desta história em muitas situações de nossas atrapalhadas existências. Não obstante, chamo a atenção para um assunto especial em questão: a nossa ignorância (mãe de todas as besteiras que fazemos ao longo desta vida), assim como a de Vinayaka, em não reconhecer o seu si, nos faz crer que somos donos deste planeta; imersos e deslumbrados equivocadamente em nosso falso poder, nos afastamos da Mãe Terra, de quem somos filhos. Quem sabe um dia ela não retornará de seu retiro para nos degolar?

Extraído do livro Contos de Shiva de Fábio Euksuzian

Imagem do blog Universo Yôga

Fábio Euksuzian

Autor dos livros A Ancestral Arte da Poesia, Yôga em Dupla e o CD Relaxe e Desperte!

www.fabioeuk.org

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Fábio Euksuzian: Fábio é Diretor da Uni-Yôga Vila Olímpia e Presidente da Associação dos Profissionais de Yôga da Vila Olímpi. Autor dos livros A Ancestral Arte da Poesia, Yôga em Dupla e Contos de Shiva, além do CD Relaxe e Desperte! a - www.universoyoga.org.br - (11) 3845-5933 - fabio.euk@metododerose.org

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