Videoclipe X Nilton Travesso ou A Travessura de um Sofisma Niltoniano

“Não há coisa mais engraçada do que quando alguém lhe dá um tiro, e erra”.

Winston Churchill (1874-1965)

VIDEOCLIPE

Substantivo masculino

– Curta-metragem em filme ou vídeo que ilustra uma música e/ou apresenta o trabalho de um artista.

Dicionário Houaiss

E podemos dizer muito mais. Videoclipe é um segundo conteúdo que cria o environment ou o comentário visual do número musical; cenografia elucidativa ou colaboradora para a riqueza e compreensão do sentido da obra musical.

Ao contrário do número musical simplesmente – em cinema ou televisão – o videoclipe não é apenas o registro da performance do artista, mas um trabalho criativo elucidando, comentando, corroborando, ampliando e enaltecendo as qualidades do mesmo. Criando mesmo uma obra paralela na direção do mesmo sentido da criação musical. E rica, dependendo da cultura empregada, condizente com o número musical ou como uma ampliação do seu sentido.

Cyro del Nero

Foi a Direção do Fantástico -programa com o qual eu já colaborava como seu Diretor de Arte nos anos 70 – quem colocava em minhas mãos artistas para que eu criasse números musicais e a partir da minha criação do GITA com Raul Seixas, não mais “números musicais”, mas o que ainda não tinha nome em nosso vocabulário: o videoclipe.

Paulo Coelho, o letrista do GITA,  sabe disso – e me disse há pouco tempo, cumprimentando-me pelo ineditismo e pelo grande sucesso do GITA e  da estréia de um gênero no Brasil –  que o videoclipe criado por mim, premiou e elevou o talento da dupla que ele fazia com Raul.

Do dia para a noite nasceu o videoclipe no Brasil e o uso de uma erudição visual inexistente até então.

Raul Seixas – GITA – (Completo)


Nas televisões as obras da História das Artes Plásticas existiam apenas no formato de notícia e nunca no emprego e uso da criação do próprio veículo televisivo. Eu comecei a fazê-lo, em 1960 na TV Excelsior. Criei cenários para o programa apresentado por Bibi Ferreira, com elementos da obra de diversos artistas como Miró, Dali, Matisse e outros.

Isto no que se refere às obras de arte visuais, mas sonoplastas já  emprestavam à dramaticidade do gênero televisão o emprego de peças da música histórica brasileira e da música erudita.

GITA foi, por seu ineditismo e sucesso e pelo desejo do Diretor de Programação da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, que o assistiu surpreso e manifestamente satisfeito, que houvesse regularmente a partir de então no Fantástico, um “número musical” daquele tipo e riqueza visual.

Em artigo da revista VEJA sobre meu trabalho, sob o título USINA VISUAL, Boni declara:

“Quando a Globo começou, não havia nada em matéria de programação visual. O Cyro foi um desbravador, abriu caminhos, criou logotipos memoráveis. E soube manter uma constância notável em seu trabalho. É um grande profissional”.

Meu velho amigo Nilton Travesso que acabara de chegar, encontrou a sua primeira oportunidade de trabalho na TV Globo – em conseqüência do evento artístico que foi o GITA.  E ficou satisfeitíssimo com a oportunidade de iniciar uma carreira, embora na criação do que não lhe era tradicional fazer até então.

O segundo vídeo-clipe do Fantástico foi ele quem realizou emprestando sua experiência específica e diversificando estilos que até então eu implantara nas aberturas de novelas e shows. Vinha com ele uma natural acessibilidade ao público de televisão, mas sem a criação de informações radicalmente visuais. Afinal ele não é um Diretor de Arte, mas um excelente criador de shows e programas.


Nilton Travesso

Nilton Travesso diz em seu texto na Internet:

“Eu já comemorava 21 anos de Tv Record quando em 74, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, me chamou para participar do primeiro “Fantástico” a cores. Foi nessa época que produzi o primeiro clipe musical da televisão brasileira. Na época não existia equipamento adequado e os números musicais mostravam o cantor em várias locações diferentes.(???)

E continua:

“Mas eram apenas imagens sem a presença da voz.(???) Eu não me conformava com isso. Como um cientista maluco, adaptei uma parafernália de instrumentos: corneta (sic), auto falante, gravador e microfone conseguindo um som guia para o cantor dublar.(!!!) E não é que deu certo?”

Não. Não foi o primeiro “Fantástico” a cores. Isto é faltar com a verdade histórica e esta é facilmente comprovável.

Dublar? Há algo mais falso? Nilton Travesso então inventou o dublar???

Não havia “equipamento adequado e o cantor era mostrado em locações diferentes”. Pobre Michael Jackson!!! Locações diferentes? Esta declaração nem faz sentido. O GITA – para ser presunçosamente aristotélico – foi gravado com unidade de tempo, local e ação. Mas apesar disso poderia ser realizado em uma multiplicidade de espaços e locações.

Imagens sem a presença da voz? Esta é outra declaração do autor que supõe que quem a lê desconhece tudo sobre a história da televisão. O que quer dizer sem a presença da voz em um videoclipe musical?

Ou seja: o texto niltoniano é criado com a esperança de ser lido por ignorantes a respeito de tudo o que diz respeito a técnica da televisão e que apenas absorverão suas declarações sem questionamentos. Até agora.

Nilton Travesso – artista exclusivo de históricas e magníficas travessuras televisivas, sinônimo da TV Record da Família Trapo nos anos 60 – é menino de grande persuasão e vitalidade.

Entretanto, um sofisma é aquilo que é descabido, mas muitas vezes involuntário disparado por uma inconsciente vaidade. Afinal, quem muito fez poderia ter feito muito mais e imagina que muito do que fez é desconhecido. E neste rol da notícia do fazer, muitas vezes inclui o que não fez. Com uma argumentação falsa e sofística.

Lástima.

Forçado a supervalorizar este primeiro videoclipe brasileiro – quando o comparo as outras marcas de meu currículo – apenas por razões éticas e a do apreço da verdade, e sem que o meu mérito  acima afirmado se erga como meu único feito humano, me obrigo a declarar:

– O primeiro videoclipe da televisão brasileira foi Gita com Raul Seixas, letra de Paulo Coelho com criação, direção e realização de Cyro del Nero.

Provadamente anterior a qualquer ação niltoniana e travessa.

Cyro del Nero

cyrodn@terra.com.br

Veja a HISTÓRIA DA TV EXCELSIOR

O nascimento da TV Excelsior
Em 1960, a cidade de São Paulo contava com quatro canais de televisão: TV Cultura, canal 2, dos Diários Associados (passou a ser da Fundação Padre Anchieta apenas em 1969); TV Tupi, canal 4, também dos Diários Associados; TV Paulista, canal 5, das Organizações Victor Costa e TV Record, canal 7, de Paulo Machado de Carvalho. De acordo com Moya (2004), existiam no Brasil, naquele ano, quinze emissoras de televisão.

Ainda nos anos 50, o empresário Victor Costa, proprietário das rádios Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro e Rádio Nacional, em São Paulo, compra a Rádio Excelsior, que detinha uma concessão para instalação de emissora de televisão na capital paulista.

José Luis Moura, um dos maiores exportadores de café do Brasil na época, tornou-se sócio de Victor Costa para montar um canal em Santos e colocar no ar a emissora concedida em São Paulo. Era o início da TV Excelsior.

Leia esta matéria completa no site Tele História.

Vinheta Tv Excelsior

Cyro Del Nero: Cyro del Nero é Professor Titular da Cadeira de Cenografia e Indumentária Teatral do Departamento de Artes Cênicas, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Artes, atuando principalmente nos seguintes temas: Cenografia, Indumentária Teatral, Ópera, Televisão, Moda e Artes Gráficas.

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