A exposição de uma artista plástico como Almandrade, na Caixa Cultural de São Paulo, permite que se avalie a qualidade da produção baiana. Essa é uma excelente oportunidade para se constatar a coerência do projeto estético do multi-artista e festejar o seu reconhecimento nacional.
Desde a década de 1970, Almandrade incorporou às suas peças a atitude crítica da arte contemporânea. Tendo uma formação universitária como arquiteto pós-Brasilia, veio a assumir uma posição autônoma em relação à geração anterior, que foi muito festejada na Bahia, composta por artistas tais como Cravo Jr., Scaldaferri e Paraíso, entre outros.
Nos primeiros tempos, orientou-se pela abstração construtivista, mas depois derivou por um caminho próprio. Em suas relações com artistas que circulavam ao nível nacional, se aproximou bastante dos criadores Hélio Oiticica e de Lígia Clark e de poetas como Dias Pino e Ferreira Gullar.
Uma lâmina gilete pendurada dentro de uma garrafa compõe um objeto criado por Almandrade que gerou fértil polêmica. Como interpretar um objeto que incorpora significados múltiplos e cortantes, do vidro e do aço da realidade? Cada objeto construído depende do sentido agregado pelo artista e pelo espectador. Da parte do escultor, uma atribuição de sentido que lhe correspondeu a uma experimentação e a uma reflexão singular. No olhar do expectador a leitura pode ir do vértice do absurdo ao erotismo-vulgar de um corte na pele.
Almandrade e a Escultura Madeira, de 1986
No livro que publicou recentemente reunindo análises realizadas no correr de sua trajetória, Escritos sobre Arte, Almandrade deu a pista para muito de seus truques e procedimentos operativos. O importante, no caso da produção desse artista “cult” baiano é que obras e discursos se traduzem um ao outro, bem como conservam sintonia com sua proposta estética. Essas
reflexões são importantes, porque a estética engendrada não atendeu a nenhuma chamada gregária no sentido de banalizar a arte baiana.
Como pode um objeto ser capaz de, ao mesmo tempo, causar uma fruição direta e uma decodificação crítica? As obras de Almandrade primam pela simplicidade e pela economia de meios. Ele certamente está entre os menos barrocos produtores visuais do período entre os anos 1980 e 2000 no Brasil. Os objetos e pinturas discutiram sempre os conceitos em voga e instalaram a cunha de resistência de um pensamento rigoroso.
Para deixar mais um exemplo de suas criações, vale retomar um objeto que expôs numa galeria do Rio Vermelho, anos atrás. Um instrumento quadrado composto de duas peças sobrepostas, uma grande azul e uma pequenina dourada no meio, sendo a primeira delas vazada e riscada com linhas brancas. Esse objeto poético-visual foi denominado “Violão da Bossa Nova”. Ao fazer soar esse violão quadrado soar, Almandrade conduziu, como um mestre, seu olhar reflexivo e solitário sobre os campos das artes e da cultura contemporânea no país.
Exposição de Almandrade em São Paulo
Caixa Cultural São Paulo
Praça da Sé, 111 (Centro)
Até 26 de Fevereiro, Terça a domingo das 9h às 21h.
Tel.: (11) 3321-4400 ou 3321-4406
Grátis
Almandrade – pelo(s) pubianos amor de deus- 2003
Via Rrose Selavy