Possessão nos relacionamentos
Este não é um assunto comum para o tema principal do blog, mas… Nos primórdios da história, não existiam terrenos à venda, a terra era…
Este não é um assunto comum para o tema principal do blog, mas…
Nos primórdios da história, não existiam terrenos à venda, a terra era de todos. Não havia um dono de quem devesse comprá-la. Não havia o certificado da posse, não se pagava por ela. Em algum momento alguém resolveu separar e preparar um pequeno lote e cultivá-lo. E como não poderia ser diferente, ele limpou o terreno, arou, semeou, regou e a terra respondeu com hortaliças de encher os olhos.
A produção continha um excedente para seu uso que ele passou a compartilhar com o restante do povoado. A resposta da comunidade foi reconhecer nele o provedor das frutas e das verduras… A partir disso ele se tornou alguém respeitado e importante. Em pouco tempo era a pessoa mais requisitada. Aquelas terras, através da sua produção, tornou-se para ele sua grande fonte de prazer. Afinal, foi através dela que ele um dia foi um sujeito comum, tornou-se um membro importante e vital.
Com o tempo, um outro morador quis apoderar-se de suas terras, assim também se apropriaria daquela notoriedade. Para este segundo homem “Deus” havia presenteado apenas ao primeiro com as terras férteis. Portanto, apesar das terras não possuírem preço comercial, – lembre-se, as terras eram de graça – havia um valor ganho indiretamente através da produção, que foi o respeito da comunidade conferindo ao agricultor um grau de importância.
Porque o segundo homem não se fixou no terreno ao lado para também cultivar?
Simples, “Deus” havia presenteado apenas ao primeiro. E o “presente” se restringia àquela faixa de terra cultivável. O primeiro por sua vez também venerava a deus pela sua dádiva. O agradecimento do primeiro homem é que ele tinha sido o escolhido, e se hoje era alguém notável era em função do presente do divino. Passava despercebido pelos dois que era o trabalho dedicado à terra que produzia tais efeitos.
Até aqui é uma história inocente que não acontece mais hoje em dia? Vejamos:
Nos relacionamentos há muitas queixas de possessão: “ela não quer que eu vá jogar futebol”, “nem mesmo posso fazer aquele curso…”. O outro reconhece em você a fonte do prazer – o presente divino, a terra fértil – a razão da vida do outro passa a ser em sua função, dedicando a você toda sua vida. Com isso abandonam-se os amigos, hobbyes e desejos, nada mais é importante para ela. É difícil reconhecer que esteja nela o poder e a mágica de transformar “algo” em prazer – no caso dos agricultores o poder de trabalho. Foi o uso desta mágica que você fez com que o outro que um dia era “nada” para você, neste alguém imprescindível e insubstituível.
A mágica está em seu poder de transformação. E mesmo não “custando nada” – terras gratuitas – você vai se apegar como um presente divino e único que foi dado a você, exclusivamente a você. Perceba que as “terras” ao lado também são produtivas e para terem valor basta a dedicação e o “trabalho”.
Por outro lado, porque o outro não quer dividir com você o espaço que você crê que merece? Porque ele prefere o futebol ou o tal curso, ao estar com você? Pense da seguinte forma: ele detém as terras cultivadas e que lhe conferem um grau de status e importância. Porque dividir “as terras” já que ele foi o “agraciado divino”? Ou seja, nem um nem outro percebe que o valor não está nas terras. Está no empenho que se dedicou a elas.
Aquele que reclama do seu espaço invadido, diz que isso acontece por insegurança do outro. Em outras palavras é pela insegurança do outro que faz com que queira muito mais da minha atenção, invariavelmente, mais do que eu acredito poder dar.
O que acontece, na verdade, é que este sentir-se invadido é o mesmo sentimento do primeiro agricultor que teve sua porção de terra ameaçada. Justamente seu presente divinal que lhe confere prazer e notoriedade. Dividir este espaço significa: dividirei minha terra e não conseguirei nunca mais uma porção de terra de tamanho igual para produzir, perderei minha importância. Sendo assim é melhor manter o espaço garantido. A insegurança que eu justifico ser do outro é minha própria insegurança em defender meu espaço divino.
Será que a história dos antigos agricultores anda se repetindo?
Por Vinícius Moura
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